ESCREVER PARA O ARTECULT: Um pequeno intermezzo nessa viagem alucinante

Quem diria mesmo duvidando de que seria possível, venci a meta dos 10 artigos para o ARTECULT e aqui tô eu entrando, com os dois pés e o coração, no décimo primeiro, a caminho de sabe-se lá quantos mais… Espero, por óbvio, que muitos outros ainda venham, pelo menos enquanto vocês ainda estiverem aí do outro lado, com a paciência necessária, pra me ler.

Depois desse primeiro trecho da estrada, creio que tá na hora de jogar um pouquinho de conversa fora, algo bem informal, sem as amarras da gramática escorreita ou a rigidez de um enunciado científico. Quero falar da cozinha, e cozinha, até onde eu a entendo, é amor…

Esse é meu intermezzo.

Acho que todos nós, de alguma forma, trazemos boas lembranças relacionadas ao ato de cozinhar. Quem nunca observou seu pai ou sua mãe, ou ambos, mexendo nas panelas ou cortando os temperos? Ou que sentiu o cheiro inebriante de algo maravilhoso dentro do forno invadir as narinas no meio da tarde? Ou, ainda, que brincou de alquimista, ainda que não soubesse – nem de longe! – o que essa palavra queria dizer, e saiu misturando a esmo esse e aquele ingrediente, resultando n´alguma gororoba, por vezes deliciosa?

Reparem no quanto essas recordações são acarinhadoras…

E as inesquecíveis reuniões de família? Ou elas começam, ou se desenvolvem, ou terminam em volta do fogão, seja a lenha ou não, ou da bancada da cozinha. Até mesmo naqueles espaços diminutos, minúsculos, quando se acha que nem pensamento cabe. Pois cabe, e as conversas são sempre as mais animadas da festa…

Pois é.

Dessas reminiscências, trago os odores e sabores “de antigamente” bem vívidos na minha cabeça. Quem é que, tendo muitas décadas nas costas, não reparou que alguns ingredientes do nosso dia a dia ficaram um tanto diferentes com o tempo? Não entenderam? Explico, citando apenas dois “casos” (que considero) emblemáticos: a batata salsa (como a conheci lá em Minas), batata baroa ou mandioquinha e o salsão (também como conheci) ou aipo.

Lembro, como se fosse hoje, as vezes em que se fazia esse tipo batata lá em casa. Ela tinha uma coloração bem amarelinha e o cheiro ultrapassava os limites de casa e ia bater lá na esquina da rua. Hoje, pobrezinha, além de ser pálida, já não possui mais aquele aroma vigoroso de outrora.

O mesmo problema eu sinto com o aipo. Puxa, me recordo dos natais em que eram servidos deliciosos salpicões, que tinha um sabor tão marcante e peculiar, graças a esse vegetal que, salvo engano, não é algo que se encontrava – e acho que ainda não se encontra – com tanta facilidade lá em Itanhandu, no sul de Minas. Hoje ele parece mais aguado, o sabor não é tão presente – e percebo isso sempre que faço meus caldos…

Dia desses, postei na minha rede social uma foto de um pote com abacate amassado com açúcar e gotas de limão e disse que, por muito tempo, eu só o conhecia dessa forma. E é verdade.

Lá na casa de minha família em Minas, quando eu era pequeno e ainda morava lá – só saí de casa pro mundo quando tinha dezoito anos! – havia um abacateiro no fundo do quintal. E sempre tínhamos abacate à vontade. Minha mãe preparava o fruto como descrevi acima, ou batia com leite, ou, ainda, abria ao meio e me dava pra comer na própria casca. E isso perdurou por quase toda a minha infância…

Até que, num belo dia, meu pai apareceu com a novidade: cortou o abacate em pedaços e temperou com azeite, limão, sal e pimenta do reino, espalhando um pouco de cheiro verde por cima, bem picadinho.

No início, estranhei. E muito. Como uma fruta, de gosto tão característico, poderia ser consumida assim, em uma salada? Mas ele me convenceu a experimentar, dizendo que se comia desse modo em outros lugares. Talvez nem mesmo ele tivesse certeza disso, ou apenas tivesse ouvido por aí, em algum momento, que o abacate também se comia salgado, mas o fato é que ele me convenceu – o que não é assim tão difícil, pois nunca tive dificuldade, como o povo de hoje em dia, em experimentar algo. Que pena que meu pai não está mais entre a gente, pois gostaria muito de lhe apresentar o “guacamole”, receita da qual ele se aproximou intuitivamente…

De uma outra vez – ah, essa eu preciso contar pra vocês! – meu pai chegou com outra novidade, ainda mais inusitada que a anterior. Já foi logo dizendo que se tratava de um prato turco ou coisa que o valha, somente pra convencer a gente a experimentar. Depois, já mais velho, já metido no meio da gastronomia, resolvi pesquisar sobre aquele prato peculiar e sabe o que encontrei? Nada. Nenhuma referência, nenhum prato típico ao redor do mundo, nenhuma receita disponível na rede. Nadinha.

Curiosos pra saber qual seria essa “criação” de meu pai? Pois é. Ele pegou rim cru, fez todo um procedimento complicado de “toilete” que hoje, talvez, minha mãe ainda se lembre, picou bem picadinho e misturou com cebola, alho, tomate, pimentão, e cheiro verde igualmente picados em brunoise, acrescentou azeite, vinagre, limão, sal, pimenta do reino e uma pitada de açúcar, pra controlar a acidez. E voilá! E não é que experimentei esse troço e gostei pra caramba? Não sei se, sabendo hoje que não existe esse “tartar de rim com vinagrete”, eu o comeria novamente. Se bem que, se fosse feito pelo meu pai, certamente que a resposta seria SIM…

Mas é com esse tipo de descoberta que vamos, aos poucos, construindo nosso arcabouço gastronômico, “atualizando” nosso paladar, já que ele não é uma estrutura estática, como acha minha filha, no que pese todas as minhas frustradas tentativas de lhe provar o contrário.

E por conta disso, ando procurando uma explicação, que seja aceitável, para o fato de que o povo de hoje em dia, em sua esmagadora maioria, esteja relegando iguarias que fizeram parte do meu cotidiano lá na minha cidadezinha de interior – como rabada, mocotó, dobradinha – para um plano inferior… Por que, diachos, pratos tão interessantes, verdadeiros “clássicos” de nossa comida regional e de raiz, estão perdendo campo, a galope, pra essas junkies foods – aqueles alimentos com alto teor calórico, mas com níveis reduzidos de nutrientes – e similares?

Citei minha filha acima, mas ela é o típico retrato – embora, na minha opinião, um tanto mais radical – dessa geração, que não experimenta aquilo que é diferente. E, se experimentou algum dia, há muito tempo, e não gostou, acha que continuará não gostando e não se esforça, nem um pouco, em tentar novamente.

Talvez seja por causa da vida louca de hoje em dia, dessa correria desenfreada e que nos deixa sem fôlego. Talvez, por conta disso, falte a eles a percepção de que comer não é apenas uma necessidade fisiológica, mas um (grande) prazer também.

Ah, como gosto de me lembrar dessas histórias de infância! E no quanto elas foram me moldando, pra que eu fosse sempre aberto às experimentações e pudesse dizer que, de fato, talvez só não coma pedra – e algumas coisas mais exóticas, como cérebro de macaco vivo, aqueles insetos no espetinho lá da China ou coisinhas malcheirosas. A pedra eu ainda pretendo incluir, pois já soube que em Portugal se faz uma deliciosa e imperdível Sopa de Pedra…

E por tudo isso que estar aqui com vocês, escrevendo sobre aquilo que amo, me é tão prazeroso! Digo sempre que o ato de dividir conhecimento, experiências e emoções culinárias, transformando-as em um texto acessível e, ainda, ter a oportunidade de espalhá-lo através da gigantesca teia das redes sociais, atingindo uma enormidade de pessoas no mundo inteiro, é algo pra poucos e só quem vivencia sabe realmente o que se sente.

Comecei essa viagem no ARTECULT com o artigo inaugural (http://artecult.com/del-schimmelpfeng/), no qual me apresentei, falei sobre a experiência de participar de um reality culinário e contei um pouco de como cheguei até aqui. Depois, no segundo artigo (http://artecult.com/rio-gastronomia-2018-impressoes-de-um-simples-mortal/), tive a oportunidade de passear pelo evento Rio Gastronomia e provar alguns de seus quitutes. No terceiro (http://artecult.com/um-desafio-gastronomico/), provoquei todo mundo a tentar, a deixar os preconceitos de lado e experimentar – uma ideia parecida com a que retomo aqui.

Aí, chegou a hora de começar a colocar a mão na massa e, no quarto artigo (http://artecult.com/toque-chef-no-ovo-nosso-de-cada-dia/), brincamos de fazer ovos – pochê, mollet, frito, perfeito. Em seguida, no quinto (http://artecult.com/cozinha-da-teoria-a-pratica/), forneci as ferramentas que considero essenciais pra que o trabalho na cozinha tenha êxito: elaboração do cardápio, planejamento, ficha técnica, mis en place, organização e diagrama de montagem.

Chegamos ao sexto artigo (http://artecult.com/restaurantes-tematicos/) viajando por restaurantes temáticos e no quanto eles são, na minha modesta opinião, bem-vindos, na medida em que, se bem pensados, trazem uma experiência nova, imersiva e instigante, que complementa os sabores do prato que estamos degustando.

Hora de voltar pro fogão. Por isso, nada melhor do que preparar um grande clássico da culinária mundial e, no meu sétimo artigo (http://artecult.com/spaghetti-alla-carbonara-conheca-a-historia-e-a-tecnica-para-fazer-sucesso-com-este-grande-classico/) pro ARTECULT, trouxe o spaghetti alla carbonara – quem é que nunca experimentou essa deliciosa combinação? Já para o próximo, o oitavo (http://artecult.com/sous-vide-uma-pequena-e-didatica-introducao/), mergulhei de cabeça na tecnologia aplicada à gastronomia e apresentei pra vocês a técnica do Sous Vide, tão difundida hoje em dia, e que permite extrair de uma imensa variedade de ingredientes toda a perfeição que se espera do seu preparo.

Chegou a hora, então, de comentar sobre restaurantes e seus cardápios, ainda que de forma bem leve. E o fiz no meu nono artigo (http://artecult.com/vogue-square-uma-aventura-gastronomica/), aproveitando minhas duas idas ao Vogue Square. Ainda não me portei como um verdadeiro crítico gastronômico – o que pretendo fazer em breve – e apenas dei uma geral, passando por cima de eventuais defeitos e ressaltando apenas as qualidades.

E para finalizar esse primeiro trecho da estrada, convidei todo mundo pra voltar pro fogão e, de novo, colocar mãos na massa. Aliás, no caso do meu décimo artigo (http://artecult.com/risoto-um-verdadeiro-coringa-na-cozinha/), colocamos as mãos mesmo foi no arroz – seja ele arbóreo, carnaroli ou vialone nano – e preparamos, juntos, um belo (e inesquecível!) risoto.

E agora? Quais as novas experiências (e surpresas) que pretendo compartilhar com vocês nesse segundo trecho da estrada? Novos restaurantes a serem visitados, novos pratos clássicos a serem detalhados. As ideias são muitas, diversos são os caminhos.

Aguardem!

E se quiserem me ajudar com sugestões de pauta eu ficaria extremamente feliz…

DEL SCHIMMELPFENG

 

 

Author

Del Schimmelpfeng é Analista Judiciário do TJERJ, mas desde que se lembra - e coloca tempo nisso! - ama cozinhar! Apesar de ter feito as faculdades de arquitetura e direito, é se misturando aos pratos, panelas e temperos que se sente inteiro, completo, pleno. É autodidata, nunca fez curso de culinária, tampouco se imaginou um profissional da área. Considera-se apenas um curioso, que procura o conhecimento em tudo e que tenta, de todo jeito, viver da melhor forma possível - apesar de todas as dificuldades. Afinal, não haveria graça se elas não existissem... Participou da seletiva da segunda edição do Masterchef e da décima nona edição do reality "Jogo de Panelas", apresentado por Ana Maria Braga no programa "Mais Você" da Rede Globo, na qual sagrou-se campeão. Possui, ainda, textos publicados em livros de conto e poesia. Blog: http://delschimmelpfeng.blogspot.com Instagram: @del.schimmelpfeng

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