Um dia de chef: dando um toque pessoal no ovo nosso de cada dia…

De repente, não mais que de repente, apareceu um tempinho nessa vida atribulada de trabalhador comum – como somos todos nós! – e resolvi sentar-me em frente ao computador, buscando inspiração para escrever mais um artigo pro ArteCult.

Pensei. Para uma coluna sobre gastronomia, será que já não era hora de colocar a mão na massa? Partir para algo mais prático, mas que, na simplicidade, mostrasse alguma técnica – e também alguns erros que, eventualmente, cometemos?

Afinal, já vou pro meu quarto artigo, ainda que nem acredite nisso. Já me apresentei, já passeamos pelo paraíso e já desafiei todos vocês a encarar a cozinha e a experimentar o alimento – ainda que, inicialmente, essa não lhes pareça uma tarefa fácil e acho, então, que agora podemos começar a cozinhar juntos, só para esquentar as (infinitas) turbinas da nossa imaginação. Vou dar-lhes ferramentas, combustível, mas colocar a máquina pra funcionar e alçar o voo ficará por conta de vocês.

Posso sugerir algo? Que tal começarmos pelo OVO? Um verdadeiro coringa na cozinha, que pode ser preparado numa infinidade de maneiras – cozido, frito, mexido etc – e é, certamente, o alimento mais antigo que se tem notícia, já que era consumido – não me pergunte como – antes mesmo da invenção do fogo, há cerca de seis milhões de anos. É um alimento obrigatório, que contém quase todos os nutrientes necessários para manter nosso corpo saudável, possuindo altas quantidades de vitaminas, minerais, proteínas e gorduras boas e agrada a gregos, troianos e extraterrestres. Parece simples, não? Pode até ser, mas não é à toa que, quando uma pessoa quer passar a mensagem de que não sabe cozinhar absolutamente nada, ela simplesmente diz: não sei fazer nem mesmo um ovo…

Mas não é um bicho de sete cabeças. E vou tentar mostrar isso. Estão prontos?

Vamos começar por fazer um OVO COZIDO no método tradicional e o primeiro passo é tirá-lo da geladeira para que ele atinja a temperatura ambiente. Vamos sempre trabalhar com ele assim, para evitar que a casca se rompa quando entrar em contato com a água fervente – por falar nisso, já coloque água numa panela, acenda o fogo e espere a água entrar em ebulição.

Quando a água começar a ferver, baixe o fogo e, delicadamente, com o auxílio de uma concha, coloque o ovo, com bastante cuidado, para que ele não trinque ao tocar o fundo da panela. Agora, é só uma questão de tempo, conforme se vê na tabela que segue:

Eu, particularmente gosto da gema mole – aliás, quando a clara fica cozida e a gema molinha, damos o nome de OVO MOLLET. Deixo seis minutinhos – dependendo, deixo por menos tempo – retiro da água e jogo direto em um bowl com água gelada (ou, preferencialmente, com gelo) para interromper o cozimento. Depois, com todo o cuidado do mundo, retiro a casca e o resultado é… Voilá!

Você pode até gostar da gema mais firme. Entendo perfeitamente. Para isso, deixe por 10, 12 minutos, no máximo. Ela ficará amarelinha, firme, deliciosa… Mas, pelo amor de Deus, jamais deixe o ovo cozinhando por tempo indeterminado. Sei que todos já fizemos isso em algum momento da vida, já deixamos um ovo na água fervente, esquecido, enquanto fazíamos outras atividades, certo de que, quanto mais ali ficasse, melhor seria. Ledo engano! Com muito tempo numa água em ebulição, há uma reação danosa entre o enxofre da clara e o ferro da gema, liberando sulfeto ferroso, algo bastante perigoso à saúde. Simplesmente, agindo dessa forma, estragamos, de forma irremediável, aquela preciosidade dourada…

Fuja, como o diabo foge da cruz, daquela (assustadora) gema cinza!

Podemos, também, fazer um OVO POCHÊ. Nesse caso, vamos cozinhar o ovo diretamente na água, sem a casca e, para isso, existem técnicas diferentes. Na mais básica delas, em uma panela com água quase fervendo, acrescente um pouquinho de vinagre e mexa com uma colher, em movimento circular, criando um pequeno redemoinho; coloque, então, o ovo com cuidado no centro da panela. A acidez do vinagre e esse turbilhão criado no centro evitam que o ovo perca completamente sua forma. Deixamos por, no máximo, três minutos – também pode ser menos tempo – e teremos o ingrediente perfeito para os famosos ovos beneditinos ou pra qualquer outro que a sua criatividade permitir…

Ah, se ficarem receosos, tem uma outra técnica pra esse tipo de ovo. Basta forrar um recipiente pequeno com papel filme, colocar o ovo com um pouquinho de óleo ou azeite, fazer uma trouxinha e colocar na água (agora sim) fervendo, pelo mesmo tempo (3 minutos).

Ainda não estão satisfeitos?

Pois bem, quebrem 3 ovos em um bowl, acrescente sal e um pouquinho de leite, e bata com um garfo. Enquanto isso, coloque uma frigideira antiaderente no fogo, com um bom pedaço de manteiga. Assim que derreter, junte os ovos e agite freneticamente com o garfo, espátula ou hashi. Quando verificar que a mistura está começando a se solidificar, sem nunca deixar “dourar”, comece a inclinar a frigideira, enrolando a mistura, até depositá-la num prato. Teremos, então, uma OMELETE FRANCESA, incrivelmente cremosa por dentro…

E o clássico OVO FRITO? Não poderia ficar de fora, né? Pois bem, pegue uma frigideira antiaderente, leve ao fogo, coloque manteiga. Quando ela borbulhar, sem escurecer (caso não esteja usando manteiga ghee), coloque o ovo. Não fique mexendo. Pingue umas gotas de água e tampe a frigideira, para que o vapor ajude a terminar o cozimento.

Lembra daquele OVO COZIDO lá do início? Quer dar um upgrade nele? Fácil. Cozinhe por menos tempo – algo como quatro minutos – retire da água, dê o banho de água gelada. Descasque, com ainda mais cuidado, passe na farinha de trigo, num ovo batido e, por fim, na farinha panko. Depois, frite por imersão, até que fique douradinho. Nem preciso dizer o quanto isso fica bom, né?

Por fim, vamos falar do famoso OVO PERFEITO.

Para quem nunca comeu, posso dizer que se trata de algo bastante diferente – e por que não dizer, bastante surpreendente. A gema e a clara adquirem uma mesma consistência cremosa, quase de geleia, não estando totalmente cozidas, mas coaguladas de forma idêntica.

Ele é feito, obrigatoriamente, em baixa temperatura. Cozido por um período prolongado de tempo em temperatura constante, o ovo se transforma numa iguaria, hoje na moda por conta dos realities de culinária e da utilização de um equipamento que, de uns tempos pra cá, tem se tornado muito presente nas cozinhas do país: o sous vide ou termocirculador.

Acho que o primeiro prato de toda aquele que adquire um aparelho como esse – não se preocupe, em artigo futuro falarei bastante dele! – é o tal ovo perfeito. E não foi diferente comigo.

Assim que recebi meu sous vide, enchi a panela com água (já quente, para acelerar o processo) e ajustei o tempo para 60 minutos e, assim que a temperatura chegou a 65° C, coloquei os ovos. Vocês devem estar pensando: puxa, uma hora pra fazer ovo não é um pouquinho demais???? Mas garanto que vale muito a pena! Claro que, com a utilização, descobri alguns atalhos, como fazer a 75° C por
13 minutos. Devemos lembrar que a clara coagula a, aproximadamente, 62° C e a gema a, aproximadamente, 68° C e, a partir daí, podemos fazer a relação de tempo x temperatura mais adequada para atingir o resultado que buscamos. Na foto a seguir, o resultado dessa minha primeira experiência…

É perfeitamente possível fazer o ovo perfeito em casa, em banho maria, sem a ajuda do termocirculador mas, por óbvio, não é uma tarefa das mais fáceis, já que demanda e exige muita paciência. A temperatura da água não pode oscilar nem por um segundo, devendo ser controlada, o tempo inteiro, através de um termômetro culinário.

Existem infinitas possibilidades de preparações com esse ingrediente tão versátil. Para cada tipo de preparo que apresentei, existem diversas variações da técnica a ser utilizada. Nunca foi a minha intenção esgotar o assunto, mas tão somente instigar em vocês a vontade de testar e praticar – por que não? – aventurando-se na cozinha para preparar aquele ovo com um toque pra lá de pessoal…

Se atingi o objetivo, tenham a certeza de que estarei extremamente feliz.

 

DEL SCHIMMELPFENG

 

 

 

Author

Del Schimmelpfeng é Analista Judiciário do TJERJ, mas desde que se lembra - e coloca tempo nisso! - ama cozinhar! Apesar de ter feito as faculdades de arquitetura e direito, é se misturando aos pratos, panelas e temperos que se sente inteiro, completo, pleno. É autodidata, nunca fez curso de culinária, tampouco se imaginou um profissional da área. Considera-se apenas um curioso, que procura o conhecimento em tudo e que tenta, de todo jeito, viver da melhor forma possível - apesar de todas as dificuldades. Afinal, não haveria graça se elas não existissem... Participou da seletiva da segunda edição do Masterchef e da décima nona edição do reality "Jogo de Panelas", apresentado por Ana Maria Braga no programa "Mais Você" da Rede Globo, na qual sagrou-se campeão. Possui, ainda, textos publicados em livros de conto e poesia. Blog: http://delschimmelpfeng.blogspot.com Instagram: @del.schimmelpfeng

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