Uma jornada afetiva pelo Velho Chico

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Izabella Faya é dessas profissionais que não param.  Produziu curta-metragens e os longas “Sudoeste” e “Duas da Manhã”, de Eduardo Nunes. Foi Assessora do Núcleo de TV da MultiRio, onde acompanhou a produção de cerca de 20 séries de TV. Escreveu a série “Gaby Estrella”, em exibição no canal infantil Gloob, indicada ao Emmy Kids e ao Rockie Awards.

Escreveu também roteiros para a série infanto-juvenil “Ernesto, o exterminador de seres monstruosos e outras porcarias” e para a série “Os Juacas”, que irá ao ar no Disney XD em 2016. Coordena ainda o Núcleo Criativo Caleidoscópio, com foco no público infantil e juvenil, e é sócia da 3 Tabela Filmes.

Responsável pela ideia, pela produção e pelo roteiro do longa 5 X Chico – O Velho e Sua Gente, uma viagem afetiva da nascente até a foz de um dos rios mais importantes do nosso Brasil, ela revela a emoção e o impacto de conhecer esse gigante natural por meio do olhar de pescadores e ribeirinhos que vivem às margens do Velho Chico e alimentam os causos e histórias em torno dele.
Como nasceu a ideia do documentário 5 X Chico?

A primeira vez que estive no Rio São Francisco foi em 2005, eu me atrasei para a excursão para a foz e acabei pegando um barco sozinha no final da tarde. Chegando lá, mal podia acreditar naquele visual, estava ali no meio daquelas dunas com um pôr de sol belíssimo e me emocionei. O barqueiro que me acompanhava, que pude reencontrar em 2014, olhou pra mim e disse: “chora não, menina, imagina quanto choro e quanta gargalhada esse rio traz pro mar, ele vem lá de muito longe, lá de Minas”. Naquele momento, eu comecei a chorar mais e percebi que estava na foz de um gigante, de um rio que corta o sertão brasileiro, leva vida a 16 milhões de pessoas, e que, mesmo com 5 hidrelétricas ao longo de seu percurso, continua sua longa jornada de desaguar no mar. Naquele momento, eu tive a ideia do filme.

 

Por que convidar cinco cineastas para realizá-lo?

Desde o início, pensei em cinco visões, cada uma de um dos estados banhados pelo São Francisco. A bacia dele é muito diferente geograficamente em cada um destes estados e isso determinou a forma de vida dessas comunidades, a forma de pescar, as embarcações, os mitos. Então, achei que valeria ter cinco diretores. Foi uma seleção em cima da cinematografia de cada um. Para Minas, eu queria falar sobre as lendas, causos, então pensei no Gustavo Spolidoro, que tinha feito um documentário chamado Morro do Céu, no qual ele brinca com a ficção dentro do documentário; para a Bahia, era importante falar sobre as paixões, a fé, e eu tinha visto o Vou Rifar meu Coração, da Ana Rieper, e achei que ela teria esta pegada de criar uma intimidade com os personagens, para que se abrissem para o filme.

 

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Os cinco diretores: cada um com um olhar diferente sobre o rio e sua gente

Para Pernambuco, sempre quis o pernambucano Camilo Cavalcante, sou fã do trabalho dele, dos filmes “soco no estômago” que ele faz; sempre falei para ele que o episódio do sertão de Pernambuco seria como se fosse as vísceras do filme, teria que mostrar a aridez, a falta de perspectiva, a falta de tudo mesmo com o rio passando na porta daquelas casas. Em Sergipe a ideia era falar sobre o cangaço e convidei o Eduardo Goldenstein, que fez o Corda Bamba, um belo filme com temática pesada, mas feito para crianças. A premissa era encontrar um personagem que tivesse uma relação com o cangaço e tentar fazer um filme mais lúdico. Na foz, em Alagoas, sempre pensei no Eduardo Nunes. Ele fez Sudoeste, que é um filme que fala sobre o tempo e que tem uma fotografia horizontal que privilegia as paisagens. Este episódio leva o filme para o fim, para o encontro do rio com o mar, é como se levasse todas aquelas histórias para o fim.

 

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Uma das muitas paisagens do grande rio nordestino

Como foi o processo de produção?

Eu tinha muito o filme na minha cabeça e também a forma de produzir. A produção deste filme foi a maior loucura, fora a logística complexa de percorrer 2.700 quilômetros em estradas bem ruins e ter que atravessar o rio em muitos pontos, pois eu tinha em mente filmar na sequência geográfica do curso do São Francisco. A primeira missão foi contar com um período em que os diretores tivessem agendas que combinassem não só na pré, como na produção, e uma equipe que pudesse ficar dois meses disponível para gravar tudo numa tacada só. Teria sido mais barato e mais simples fazer em blocos, mas o que nós, da equipe fixa – fotografia, som e produção, vivemos indo da nascente até a foz foi transformador, e queria que isto aparecesse no filme.

 

Além da produção, você também assina o roteiro, que é recheado de gente,  de histórias de vida. Por que fez essa opção?

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O dia de Santo Antônio/Ogum, em Bom Jesus da Lapa, Bahia

Eu já tinha um pré-roteiro então, na pesquisa de personagens e na pré-produção desenvolvi cada episódio isoladamente com os diretores. Tivemos reuniões para falar sobre a escolha da direção de fotografia e sobre o desenho de som. Como a equipe fixa era a mesma – produção, som e fotografia – acho que conseguimos dar uma unidade ao longa. Tinha uma imagem que tentamos seguir para cada episódio: Minas era o nascimento, o rio ainda menino, os causos quase infantis que os pescadores contam; Bahia era o coração, ali bate forte a emoção e as paixões; Pernambuco, o estômago, as vísceras, a proximidade com a fome e a falta de esperança; Sergipe, com o cangaço, as pernas, a correria dos esconderijos mata adentro; e Alagoas, com a Foz, os pés, a grande viagem para o mar, o caminho sem volta para o fim.

A montagem precisava de um roteiro final, e eu conhecia bem todo o material que foi filmado com cada diretor. O desafio era transformar estes episódios de diretores de estilos bem diferentes em um longa com uma estrutura, com uma fluidez de um só filme, e no qual o público entendesse o fluxo do Rio.

 

Como foi a experiência de filmar ao longo do Rio São Francisco?

Foi transformador. No dia em que filmamos o por do sol no farol da foz, olhei para a equipe dentro do barco e todos estavam com os olhos cheios de lágrimas. Não falamos uma palavra naquele momento, não precisou, entendi que naquele tínhamos cumprido um ciclo, eu mesma estava, mais uma vez, ali naquele lugar, mas agora com aqueles parceiros que toparam esta empreitada de entrega, já longe das famílias há 2 meses, mas com todo aquele afeto que recebemos de cada um dos personagens, de tanta gente maravilhosa que passou pelo nosso percurso, pelos muitos cenários e realidades revelados pelo sertão, pelo cerrado, pelo interiorzão deste país tão diverso, tão belo e tão triste, ao mesmo tempo.

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Por do sol no farol da foz do São Francisco: momento marcante

Que momentos foram mais marcantes para você e para a equipe?

A nascente, em São Roque de Minas, foi um momento mágico. Começamos a filmar às 5 da manhã e vimos o dia nascer no meio da Serra da Canastra, aquele orvalho evaporando e pingando no primeiro filete de água que, alguns quilômetros depois, se transforma na primeira queda d’água do São Francisco.

O dia de Santo Antônio/Ogum, em Bom Jesus da Lapa, também foi bem marcante, as duas festas aconteceram na mesma comunidade que é conhecida como Iraque, um lugar muito pobre mesmo. Começamos pela procissão do Santo pelas ruas escuras e esburacadas e terminamos à noite num terreiro que ficava num ponto bem violento mesmo. A força da fé daquela gente marcou todos nós.

Outro momento inesquecível foi presenciar a vulnerabilidade à violência dos moradores de Manga de Baixo, em Belém do São Francisco/PE. Um dos nossos personagens colocou fogo na moto de um vizinho durante uma noite e no outro dia um teria que morrer para “lavar a honra” das famílias. Lá, no Polígono da Maconha, descobri que os homens desde cedo carregam o Art. 121 nas costas. As famílias matam e morrem pela honra há muitas décadas. É tenso e bem triste. Ao mesmo tempo, tínhamos uma família linda para retratar, jovens que lutavam por algum futuro, um casal que lutava pela sobrevivência.

E na Foz foi aquele momento de total alegria com cansaço misturados. Missão cumprida, mas já a saudade daquele rio que era uma entidade e que havíamos conhecido profundamente.

 

Por que dar destaque à fotografia, o forte do filme?

A fotografia precisava dar unidade ao filme. A Heloísa Passos, fotógrafa do filme, trabalhou com todos os diretores, ela era a espinha dorsal do projeto. Ela tinha o desafio de trabalhar com estilos tão diferentes de direção e, ao mesmo tempo, ser esta câmera viva que entra na vida dos personagens. Cada episódio tem uma cor mais forte, uma forma de fotografar mas, ao mesmo tempo, ela conseguiu imprimir uma intimidade com aqueles rostos e paisagens. Não foi fácil, a Helô viajou com a gente na pesquisa, entendeu o que cada parte da geografia do Rio poderia trazer para o filme. E, na finalização, fez um trabalho de cor junto com o Fernando Sequeira, que é um colorista muito sensível, que eu particularmente acho que foi um acerto.

 

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O rio e sua gente, o ponto forte do filme 5 X Chico

Como 5X Chico foi recebido pelo público e pela crítica?

O filme está tendo uma carreira muito legal, estreamos no Festival de Brasília, passamos por festivais importantes do país, por dois festivais na França, incluindo Toulouse, que é um evento incrível, com um público muito engajado. Passamos por Montevideo, Buenos Aires, ainda iremos para o Peru e voltaremos para mais duas sessões na França, em Lyon e Le Havres. Também estaremos agora em junho no Florianópolis Audiovisual Mercosul, o FAM, que é um festival que admiro muito. Ao mesmo tempo, levamos o filme para cada uma das cidades onde ele foi filmado, cada um dos nossos personagens pôde se ver na tela, e este circuito de exibição é o que mais me orgulha.

 

Qual é a importância de uma obra como essa para o nosso país?

Tem uma frase do chileno Patricio Guzman de que gosto muito: “um país sem cinema é como uma família sem álbum de fotografias”.  Isso me leva a pensar que este rio, que propicia vida para cerca de 16 milhões de brasileiros, merecia vários olhares dedicados a ele. Quando pensei um filme sobre o Velho Chico a primeira vez, descobri que ele estava presente mais na literatura, como em Grande Sertão Veredas, do que no cinema. Fora Espelho d’Água, só achei dois curtas durante a pesquisa. Diferente de outros grandes rios, como o Nilo ou o Ganges, não tivemos muitas produções sobre o Velho Chico. O filme nasceu do desejo de preservar a memória sobre este importante rio e sua gente através de olhares diferentes – e por que não dizer, complementares –  sobre este verdadeiro fato cultural que é o Velho Chico.

Não buscamos na produção dados demográficos, enciclopédicos, estatísticos, ou fizemos um retrato objetivo e científico da região. A jornada pelo Velho Chico foi, sobretudo, uma jornada afetiva. O olhar de cada um dos diretores, com suas peculiaridades é a grande riqueza do projeto. Nos interessou ver, ouvir e sentir o Velho Chico de formas tão diversas como são suas paisagens e suas influências, suas afluências e suas gentes. Cada diretor teve seu olhar daquela região. Da nascente à foz.

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Uma das muitas quedas d’água do Velho Chico

Quais seus próximos projetos?

Daqui a 2 semanas, parto para dirigir, junto com o Eduardo Nunes, um documentário sobre o Pantanal. Também vamos filmar uma ficção em dezembro, o longa Unicórnio, também do Eduardo, uma adaptação de dois contos da escritora Hilda Hilst. Compramos os direitos e adaptamos o SLAM, de Nick Hornby, um autor de que gosto muito, o mesmo de Alta Fidelidade e Febre de Bola. Estamos saindo para captação e tenho certeza de que vamos filmar esta história sobre um adolescente de 16 anos que engravida a namorada e repete o mesmo “erro” da mãe, que o teve aos 16 anos. É uma comédia, mas com uma profundidade sobre este tema que é tão comum aqui no Brasil e que pode provocar boas discussões.

Trailer do filme 5 X Chico – O Velho e Sua Gente:

 

Contatos:

E-mail: izabellafaya@gmail.com

Site da produtora: 3tabela.com

Facebook:

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Author

Jornalista, roteirista, mãe, poeta, editora, escrivinhadora, atriz. Mulher. Sou filha da PUC-Rio, formada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo. Trabalhei em revistas sobre meio ambiente e educação. Fui parar na TV na produção do Globo Ecologia e logo estava participando da criação do Canal Futura, onde fiquei por mais de 7 anos. Trabalho na MultiRio, uma produtora de multimeios educativos da prefeitura do Rio de Janeiro, há 10 anos, atuando como roteirista e editora. Colaborei para os sites Opinião e Notícia e para o ArteCult escrevendo sobre Educação, Cultura, Cidadania, Meio Ambiente e fazendo várias entrevistas. Escrevi também para a Revista do Senac Educação Ambiental por cinco anos. Me formei em teatro pelas mãos de Bia Lessa. Fui dirigida por Alberto Renault e Roberto Bontempo. Conheci muita gente talentosa. Aprendi com muita gente boa. Fiz cursos livres de canto, de dança flamenca, de locução de rádio e de roteiro para TV e cinema. Sou uma leitora contumaz. E ótima ouvinte. Gosto de observar a vida e de dar pitaco em alguns assuntos os mais variados. Mãe de dois adolescentes, continuo aprendendo sobre a vida todos os dias. O humano me encanta. E me aterroriza também!