Natalia Timerman é psiquiatra, autora de Rachaduras e Copo vazio e a convidada desta semana do AC Encontros Literários

Natalia Timerman (@nataliatimerman) nasceu em São Paulo. É médica psiquiatra formada pela Unifesp, mestra em Psicologia  e doutoranda em Literatura pela USP. É também autora de Desterros: histórias de um hospital-prisão, da coletânea de contos (finalista do prêmio Jabuti) Rachaduras e de Copo vazio, seu primeiro romance.

Confira abaixo a entrevista exclusiva que preparamos pra você.

 

ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?

Natalia Timerman: A literatura se confunde com minhas primeiras memórias, com o corpo recebendo em êxtase a compreensão da articulação das letras em palavras, e desde então sempre foi meu melhor jeito de estar sozinha. Alguns pilares da minha infância foram marcados pela literatura, que desde sempre foi para mim ler e escrever: quando eu disse para a bibliotecária da escola, com uns seis anos de idade, que queria ler todos os livros do mundo, quando escrevi um poema em uma prova na primeira ou segunda série, e a professora decidiu fazer cópias daqueles versos para todas as outras classes. Era um poema sobre o circo, impresso em sulfite, batido à máquina, e me pediram para desenhar um circo debaixo das letras antes de distribuí-lo para os alunos. Meu avô guardou este poema no armário dos casacos da sua casa até sua morte.

 

A coletânea de contos Rachaduras foi indicada ao prêmio Jabuti. Foto: Divulgação.

 

AC: Como é sua rotina de escritora? Escreve todos os dias? Reescreve muito? Mostra para alguém durante o processo?

NT: Adoraria escrever todos os dias, mas as outras partes da minha vida me tragam para o correr do tempo, é impossível. Já fiquei anos sem escrever; por diversas vezes, já fiquei meses. Quando isso acontece, tenho a impressão de que algo se desalinha, fico perturbada pela sensação de que há algo fora de lugar. Atualmente, escrevo no mínimo toda semana e não tenho um horário nem um lugar específico para isso. Claro, tenho o horário e o lugar preferidos (de manhã, no computador do meu consultório, que era o computador do meu pai), mas nem sempre é o que dá, e eu escrevo quando dá, com barulho de criança em volta, de pijama antes de dormir. Escrevo também mentalmente, quando tenho um conto para entregar ou alguma ideia para desenvolver, na rua, no banho, no ônibus. Vou anotando onde posso, até o momento de organizar tudo em texto. Reescrevo muitas, muitas vezes, idealmente depois de algum tempo de gaveta, que pode ser de horas (se o prazo pede), dias ou até anos. Tenho alguns primeiros leitores preciosos, mas meu próximo livro foi escrito em boa parte sem ter sido lido por ninguém.

 

AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?

NT: De qualquer coisa. De uma cena, um pensamento, uma sensação que não consigo elaborar a não ser por meio da própria escrita, de uma frase de romance, um sonho, alguma dor que não tem lugar, e então apreendê-la com as palavras é sua possibilidade de destino.

 

Copo vazio é o primeiro romance escrito pela autora. Foto: Divulgação.

 

AC: O fantasma da página em branco: mito ou verdade? Isso acontece com você? Em caso afirmativo, o que faz para resolver esse problema?

NT: Quando não consigo começar, é porque as ideias ou o ímpeto ainda não estão maduros em mim. Eu espero, me coloco em modo de escrita, olhando para o mundo como uma esponja ávida, e talvez seja essa a minha fé: a de uma abertura através da qual a vida me presenteie com a cena certa na hora certa.

 

AC: Um livro marcante. Por quê?

NT: Um copo de cólera, Raduan Nassar. Algumas cenas sempre me voltam à memória: as formigas, o sítio. Foi em minha primeira leitura desse livro que aprendi o significado da palavra “proselitismo”, quando ainda precisávamos de dicionário para certos entendimentos, e ler a palavra em qualquer contexto tem até hoje algo de voltar no tempo, voltar para a minha primeira leitura do livro, a capa vermelha, pequeno e imenso.

 

AC: Um escritor marcante. Por quê?

NT: Annie Ernaux. Gosto muito de seu projeto de escrita, de sua postura como autora no conjunto de sua obra.

 

AC: Fale um pouco dos livros que já publicou até hoje.

NT: Desterros: histórias de um hospital-prisão foi o desdobramento do meu mestrado e o encontro entre a psiquiatria e a escrita, fruto do meu trabalho de oito anos no sistema penitenciário de São Paulo. Rachaduras, meu livro de contos, foi uma experimentação de vozes, com contos muito antigos e outros feitos durante a formação de escritores que cursei no Instituto Vera Cruz. Copo vazio é fruto dessa formação, um livro que se transformou muito até que chegasse ao mundo.

 

Desterros: histórias de um hospital-prisão foi o primeiro lançamento. Foto: Divulgação.

 

AC: Projetos em andamento: o que vem por aí nos próximos meses?

NT: Estou perto de terminar meu próximo livro, um romance que parte da experiência próxima da morte do meu pai.

 

AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?

NT: Diga a si mesmo que vai escrever de qualquer jeito, que será um esboço e então comece sem olhar para trás. Deixe o crítico de você mesmo para as releituras, senão ele pode não te deixar escrever nem uma palavra.

 

Bem, é isso. Até a próxima!

 

César Manzolillo

Colunista do canal LITERATURA

 

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Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de vinte e quatro antologias literárias. Autor do livro de contos A angústia e outros presságios funestos (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos.

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