Somos todos um só

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O clarão dos relâmpagos revelava, de um lado e de outro, olhos arregalados pela prudência ou pelo medo. Metais reluziam impondo a força esmagadora das armas, a soberania engalanada afiançada pela história.

Do outro lado, acuados, sem defesa, o reflexo das peles negras garantiam e eternizavam o mito de uma luta que estava apenas no começo, longe do final. Apesar da desproporção de forças e números, a vitória, aquela que ficaria para sempre, como exemplo, foi alcançada.

Entre as forças militares, homens bem armados tremiam e se benziam. Ali, bem próximo, estava uma lenda. O praça rangia os dentes, embora ignorasse a chuva fria, e tinha como missão dar fim a mais de um século de resistência. A todo instante, receava a ordem de ataque, pois enfrentaria, frente a frente, a imortal força de um povo.

No frágil amparo oferecido pela vegetação, o negro mais jovem apertava um dos facões, únicas armas do grupo, e pensava: “somos um só”.

O estrondo no céu finalizou o cerco. Vinte homens foram cercados e subjugados. A maioria doente, todos fracos e famintos, depois de meses metidos pela serra. O comandante girou em volta do amontoado, seu sotaque lusitano tinha um laivo de soberba: “Quem, dentre vós, é conhecido como Francisco, que dizem saber latim, ser guerreiro e imortal e é também chamado de Zumbi?”

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Depois de um silêncio, apenas cortado pela água que banhava a cena, como se fertilizasse a resistência, um dos negros levantou a cabeça e disse com voz limpa e potente: “Eu sou Zumbi”. No momento em que o comandante caminhava em sua direção, outro fez o mesmo, e depois outro e outro. Todos eram Zumbi.

“Tragam-me o prisioneiro”, gritou o lusitano. Um homem, até então mantido ao largo, foi trazido à sua presença e a ele foi ordenado que reconhecesse o verdadeiro Zumbi dos Palmares, em troca de sua própria vida e de sua família.

A cabeça foi cortada para que fosse exibida em praça pública, como prova da condição mortal do negro revoltoso. Era a noite de 20 de novembro do ano de 1695.

 

Essa história não é contada nos livros oficiais. Contra ela existem as muitas dúvidas levantadas ao longo dos séculos, e as poucas discussões fomentadas nos bancos escolares. Um herói brasileiro, assim como Tiradentes, inventado ou não, que deveria nos instigar na luta diária pela liberdade.

Na literatura, alguns trabalhos buscam desvendar o homem, o mito, a figura histórica de Zumbi dos Palmares. Mas é preciso atenção e cuidado para os falsos especialistas.

Vejam alguns dos bons:

 

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. “De olho em Zumbi dos Palmares – Histórias, Símbolos e Memória Social”, de Flavio dos Santos Gomes

. “O quilombo dos Palmares”, de Edison Carneiro

. “Zumbi”, de Joel Rufino dos Santos

Author

Marco Simas é cineasta, escritor e roteirista. Mineiro de Nepomuceno, radicado há muitos anos no Rio de Janeiro. Sempre ligado ao cinema, como roteirista e diretor, realizou vários filmes de curta-metragem,entre eles, os premiados "Um dia, Maria", "Solo do Coração" e "Com o andar de Robert Taylor". É ainda autor dos livros "Barbara não quer perdão", "Último Trem" e "Aqui Estamos Nós - Identidade".