AC Entrevista – Braz Chediak: Porque também gostamos de pegar um cineminha de vez em quando

 

Nosso convidado de hoje é mais conhecido como cineasta. No entanto, é também escritor, roteirista e ator. Depois de muito rodar pelo mundo, voltou a morar em Três Corações (MG), sua cidade natal. Nesta entrevista exclusiva, você vai conhecer detalhes da vida e da carreira de Braz Chediak.

Confira abaixo a entrevista exclusiva do canal AC Literatura:

 

ArteCult: Como se deram seus contatos iniciais com o cinema?

Braz Chediak: Eu tinha 4 ou 5 anos quando, levado por meu pai, assisti a Ali Babá e os 40 ladrões. Como meu pai era ferroviário, morava numa estação de roça onde a visão do mundo era restrita, foi um encantamento imediato. De repente, descobri um mundo diferente, de sonhos. Depois, já adolescente, um mundo para onde eu poderia fugir, esquecer nossa vida, que era muito dura, difícil.

 

AC: E seu encontro com a literatura como foi?

BC: Também muito cedo. Aprendi a ler com 4 anos e, aos 9 ou 10, li Dom Casmurro e me apaixonei por Capitu. Paixão que dura até hoje. Depois, vieram os romances folhetins. As aventuras de seus heróis me fascinavam. Muitos anos depois, conversando com Nelson Rodrigues e Rubem Fonseca, descobri que os dois eram grandes leitores de folhetins. É um gênero difícil. Ontem, vi que o Sesc Pompeia convidou Eliane Alves Cruz para publicar um capítulo semanal de uma história folhetinesca. Li o primeiro e gostei muito. Vou seguir até o fim. É muito prazeroso.

 

AC: Você é responsável pela direção de filmes baseados em obras escritas por Nelson Rodrigues e Plínio Marcos. Por que optou por esses autores?

BC: Gosto de Teatro da Agressão, como o do Nelson, do Plínio, do Edward Albee, do  Tennessee Willians, etc. O Plínio e o Nelson eram grandes amigos e me incentivaram a filmar obras deles. O Plínio queria que eu filmasse também Homens de papel, mas os produtores ficaram temerosos da censura. Nelson praticamente me obrigou a dirigir Álbum de família. Com aquele jeitão dele, me ligava 3, 4 vezes por dia, ou por noite, e dizia: Chediak, se você não dirigir, vou considerar uma traição.  Que ser humano maravilhoso era o Nelson. Sinto muita saudade dele. Que grandes amigos, o Plínio e o Nelson.

 

Baseado na peça homônima de Nelson Rodrigues, o filme Perdoa-me por me traíres foi dirigido por Braz Chediak e estrelado por Vera Fischer. Foto: Reprodução internet.

AC: Você é conhecido por ter roteirizado todos os filmes que dirigiu. Por que decidiu proceder dessa forma?

BC: Fica mais fácil para o diretor, quando ele participa do roteiro. Eu sempre participei também da produção, da montagem (edição), da sonorização… Tudo tem que ter a presença do diretor.

 

AC: Ao longo de sua carreira como cineasta, você enfrentou alguns problemas com a censura. O que poderia nos dizer sobre essa questão?

BC: A Censura sempre foi perniciosa, castradora.  Ela me prejudicou muito. Como vivia só de cinema, e tinha um filho para criar, etc., me desviei da rota traçada e fui muito espancado pelos críticos da época. Um dia, quando disse ao Millôr Fernandes que a crítica estava me esculhambando, ele fez um haikai na hora: O Crítico é um impotente/que quer proibir o orgasmo da gente. A Censura prejudicou muita gente. Toda Censura.

 

 

Braz Chediak dirigiu, e Lucélia Santos estrelou Bonitinha mas ordinária, lançado em 1981. Foto: Arquivo pessoal.

AC:  Agora falando de literatura, vemos que você já escreveu peças, romance, contos e crônicas. Alguma preferência por um desses gêneros?

BC: Gosto de todos para ler. Gosto muito dos romances de Dostoiévski, gosto dos contos de Rubem Fonseca, de Gogol. Tenho muita admiração e carinho pelas crônicas do Rubem Braga, que escritor extraordinário. E que pessoa doce, apesar da cara zangada. Para escrever, prefiro as crônicas. São menores, às vezes saem num estalo. E o público lê mais facilmente.

 

AC: Que autores mais o influenciaram artisticamente?

BC: Não sei como distinguir. Além dos citados, penso muito em Henry Miller, em Faulkner, em bons poetas e, sempre, em Nelson Rodrigues. Que diálogos maravilhosos os do Nelson.

 

AC: Um livro marcante. Por quê?

BC: Os irmãos Karamazov. Porque me revelou que o escritor deve ter piedade para com todos os personagens, todos os Seres Humanos, compreender as grandezas e misérias de cada um. Os irmãos Karamazov  é um monumento à raça humana.

 

AC: Depois de passagens por alguns lugares do mundo, atualmente, você voltou a viver em Três Corações, sua cidade natal. O que anda fazendo por aí?

BC: Lendo, redescobrindo a natureza, meditando sobre o passado e sobre o futuro. Vendo o rio Verde passar. Aprendo muito com o os rios.

 

O livro de crônicas Uma corruíra na varanda, escrito por Braz Chediak, foi lançado em 2017. Foto: Reprodução internet.

AC: Para encerrar, por favor, deixe aqui uma amostra do seu trabalho como escritor.

BC: Uma crônica:

¨UMA CORRUÍRA NA VARANDA

Ontem, ao entardecer de um dia exaustivo, sentei-me na varanda e estava ouvindo “Casta Diva”, interpretada por Maria Callas, quando uma pequena corruíra, nascida ano passado nos fundos de minha casa, e que agora mora num vão do telhado, assentou-se num galho da trepadeira e, estufando o peitinho, soltou seu canto, ainda desafinado pela pouca idade.

A princípio não dei importância, era apenas mais um pássaro que cantava numa tarde de verão. Mas a jovem corruíra, se sentindo ofendida pela minha indiferença, assumiu um aspecto zangado, empinou seu corpinho, como se se preparasse para uma luta do MMA, e cantou mais alto.

Sei que os pássaros têm rituais, principalmente na época de acasalamento, e que estes rituais têm significados, mas confesso que não sou estudioso do assunto e, por isto, me concentrei na música, procurando me descansar do dia puxado, me desligar dos problemas naturais da vida que se acentuam com a velhice. Mas o passarinho não me deixou concentrar. Pulou de um lado para outro, com um um olhar altivo, eriçou as penas e, num esforço supremo, cantou numa altura em que eu nunca havia ouvido uma corruíra cantar.

De repente notei que havia um desafio entre seu canto e a melodia da ária que La Callas interpretava e compreendi que a avezinha estava chateada, enciumada porque outra voz invadia seu território, seus domínios.

Esta compreensão me fez rir, afinal sua raiva era tão delicada que chegava a ser engraçada. Mas ela, talvez achando que meu riso fosse de deboche, me olhou com desprezo e, caminhando sobre o peitoril com suas perninhas tortas, parou bem em frente ao aparelho de som, cantou novamente, tão alto e tão dobrado que parecia que ia explodir.

Confesso que fiquei comovido com aquele ser pequenino que, com orgulho e paixão, desafiava  a grande cantora, para um duelo musical. Um duelo que, tenho certeza, nunca, em nenhum lugar do mundo, fora visto ou ouvido por alguém, e do qual eu era testemunha. Por isto, por perceber a angústia daquele delicado passarinho, por perceber que era seu coração que gritava, desliguei o aparelho de som.

De início a avezinha me encarou desconfiada, como se eu fosse um deus com poderes de fazer cessar uma música tão bonita. Depois tornou a cantar seu próprio canto, e como se só então descobrisse sua voz, ergueu a cabeça, suspendeu o bico com ar de vitória, e caminhou orgulhosa para seu ninho num buraco perto do telhado.

Fiquei ali, sozinho, em silêncio, pensando em todos os seres que querem se expressar e não encontram sua própria voz. Imediatamente me veio à cabeça um trecho de Henry Miller em que ele fala de sua luta no início de carreira, quando passava fome pelas ruas de Paris:

 “Imitei todos os estilos na esperança de descobrir a chave do segredo torturante da arte de escrever. Finalmente cheguei a um beco sem saída, a um desespero que poucos homens conheceram, porque não havia divórcio entre o Eu escritor e o Eu homem. E eu fracassei. Percebi que não era nada – menos que nada. Foi então que realmente comecei a escrever. Lançando tudo ao mar, mesmo aqueles que amava. No momento em que ouvi minha própria voz fiquei encantado: o fato de ser uma voz isolada, distinta, única, me deu alento. Não me importava se o que escrevia pudesse ser considerado ruim. Bom e ruim saíram do meu vocabulário…. Encontrava uma voz, estava de novo inteiro…”

Foi, de certo modo, o que acontecera com a corruíra. Ela também tentara imitar Maria Callas. E também, por um instante, se sentiu fracassada diante daquela voz maravilhosa que não era a dela. Mas quando desliguei o som ela pôde ouvir a sua própria voz e tornou-se novamente a corruíra de minha varanda. Senhora de seu lugar e seu destino.

Agora, tenho certeza, ela está em seu ninho, junto à sua companheira, e ambas se entendem.

Dizem os pesquisadores que os pássaros, mesmo antes do nascimento, quando ainda estão em formação dentro do ovo, já aprendem a reconhecer os piados, os chamados das mães e os guardam para sempre em sua memória. E isto é uma coisa bela. É, mais ou menos, como nós, seres humanos que, quando reconhecemos o Chamado Cósmico percebemos a ligação entre as vozes dos homens, das aves, dos animais, das plantas, das águas… E temos a certeza que tudo é único, imenso, e que somos parte deste maravilhoso enigma que se chama Vida.¨

 

Bem, é isso. Até a próxima!

César Manzolillo

 

 

 

 

Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de vinte e quatro antologias literárias. Autor do livro de contos A angústia e outros presságios funestos (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos.

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