Sérgio Rodrigues: o ficcionista, jornalista e roteirista é o convidado desta semana do AC Encontros Literários

 

Sérgio Rodrigues (@sergiotodoprosa) é mineiro e vive atualmente no Rio de Janeiro. É autor, entre outros, do romance O drible, eleito Livro do ano em 2013 no Prêmio Portugal Telecom, atual Oceanos. Tem obras publicadas na França, em Portugal, na Espanha e nos EUA. Além disso, assina uma coluna sobre língua e linguagem na Folha de São Paulo e é roteirista do programa Conversa com Bial, da TV Globo.

Confira abaixo nossa entrevista exclusiva com Sérgio.

 

ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?

Sérgio Rodrigues: Na infância, da forma mais natural possível. Meus pais tinham muitos livros em casa, eu os via lendo, comecei a ler também. Passar da leitura à escrita foi um passo talvez menos óbvio, mas que me pareceu lógico na época. Decidi que seria escritor aos 13 anos, simplesmente por querer fazer parte de um mundo, o dos livros, que me parecia melhor do que o mundo fora dos livros. Havia muito de ingenuidade naquilo, claro. Um pouco como quem decide que quer ser astronauta ou jogador de futebol. Mas, por alguma razão, acabei indo em frente.

 

AC: Especificamente com relação ao ato de escrever, que procedimentos costuma adotar? Escreve todos os dias? Reescreve muito? Mostra para alguém durante o processo?

SR: Escrevo todos os dias, mas isso inclui trabalhos jornalísticos, roteiros, textos sob encomenda de gêneros variados. Sou um profissional da escrita. Gosto de reescrever e posso chegar a fazer isso de forma bastante obsessiva, mas na maior parte das vezes não há tempo para tanto. A reescrita mais profunda acaba sendo quase exclusiva da ficção, que é de elaboração mais lenta. No caso dela, tenho alguns primeiros leitores importantes, gente próxima, em especial minha mulher e meu filho. Não sou muito de mostrar ao mundo o que não considero pronto.

 

O drible, de Sérgio Rodrigues. Sucesso no exterior. Foto: Divulgação.

AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?

SR: Não acredito muito em inspiração. Alguns dos meus escritos que mais me agradam nasceram da simples necessidade de escrever, fosse por demanda externa ou por uma determinação minha mesmo de dar uma resposta literária a determinado aspecto da realidade. A indignação, a raiva, o sentimento de injustiça, no meu caso, são estados de espírito que costumam pôr em marcha a escrita. Mas às vezes tudo começa de forma bastante inexplicável, palavra puxando palavra, sem que a princípio fique claro para onde aquilo está indo. Como se a própria linguagem fosse a autora, e o escritor, só um intermediário. Isso talvez seja parecido com o que chamam de inspiração.

 

 

AC: O fantasma da página em branco: mito ou realidade? Isso acontece com você? Em caso afirmativo, como lida com a questão?

SR: Já houve momentos em que me vi travado, tentando escrever e não conseguindo fazer nada que prestasse. Acredito que aconteça com todo mundo. Às vezes vale a pena insistir: pode ser que seja apenas uma questão de vencer a inércia, a preguiça; escrever é o mais braçal dos trabalhos intelectuais, e o modo como tendemos a romantizá-lo pode atrapalhar. Mas quando o bloqueio é realmente grave, o melhor a fazer é desistir, mudar de assunto, cuidar da vida, voltar  depois de um mês ou dois. Quase sempre, se você não consegue escrever alguma coisa, das duas, uma: ou essa coisa ainda não está madura ou não vale a pena mesmo.

 

AC: Um livro marcante. Por quê?

SR: Ficções, de Jorge Luis Borges. Porque desde a primeira leitura, quando eu tinha uns 20 anos, e a cada releitura, ele tem sido uma fonte sempre renovada de alegria, de puro encantamento. Uma celebração do prazer e do mistério da literatura como talvez nunca tenha havido.

 

AC: Um autor marcante. Por quê?

SR: Machado de Assis porque é, disparado, o maior escritor brasileiro, um dos maiores do mundo, e ainda consegue a proeza de ficar melhor à medida que o tempo passa.

 

Viva a língua brasileira, de Sérgio Rodrigues. Foto: Divulgação.

AC: Ficcionista, jornalista, roteirista e crítico literário. Como consegue se dividir entre tantas atividades?

SR: É tudo escrita. O jornalista, o roteirista, o resenhista, o professor de escrita criativa representam o lado mais profissional do ofício, quer dizer, cabe a eles uma responsabilidade maior de prover o meu sustento. O ficcionista acaba tendo que se virar com o tempo restante, que muitas vezes é curto, infelizmente. É a vida.

 

 

AC: Você escreve contos e romances. Sente-se mais confortável produzindo narrativas curtas ou longas?

SR: Gosto de contos e de romances. Cada tamanho tem seus desafios específicos. Na minha história de escritor, o domínio da história de maior fôlego foi algo que demorou a chegar, a curva de aprendizado foi mais longa, e talvez por isso me dê mais prazer. Em junho, a Companhia das Letras publica meu quarto romance, chamado A vida futura, e já comecei a escrever o quinto.

 

AC: Seu romance O drible lhe rendeu um convite para escrever um folhetim ambientado no mundo do futebol. Fale sobre essa experiência.

SR: O drible é meu livro de maior sucesso internacional, foi traduzido em alguns países. A França foi um deles, e na ocasião o jornal Le Monde me encomendou um folhetim de temática futebolística. Escrevi uma novela policial inspirada no roubo da taça que o Brasil conquistou no México em 1970, chamada Jules Rimet, meu amor. Foram 24 capítulos que o jornal traduziu e publicou diariamente em seu caderno dedicado à Copa de 2014, enquanto ela se desenrolava. Uma experiência incrível. Em 2019, incluí essa novela em meu livro A visita de João Gilberto aos Novos Baianos.

 

A visita de João Gilberto aos Novos Baianos, de Sérgio Rodrigues. Foto: Divulgação.

AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?

SR: A gente deve tentar habitar a cena que descreve, se colocar dentro dela. Preferir o específico ao genérico. Esquecer (não é nada fácil) que aqueles personagens são inventados, e gostar ou desgostar deles como se fossem tão reais quanto nossos amigos, vizinhos, parentes. Se você não tiver uma fé profunda na verdade do que narra, como esperar que o leitor tenha? Mas ter fé não basta. Para convencer o leitor, é preciso investir um tempo imenso no acabamento da escrita, nos mínimos detalhes, na escolha do que é essencial. Reescrever, deixar um tempo esfriando e reescrever um pouco mais, quantas vezes for necessário. Não ter pena de cortar nem pressa de publicar.

 

 

 

 

 

 

ATENÇÃO: Confira a live realizada com Sérgio Rodrigues em 07/04/2022 :

Bem, é isso. Até a próxima!

 

César Manzolillo

 

 

 

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AC Encontros Literários tem curadoria e apresentação (lives) de César Manzolillo (@cesarmanzolillo).

 

 

 

Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de vinte e quatro antologias literárias. Autor do livro de contos A angústia e outros presságios funestos (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos.

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