CESAR CARDOSO: Escritor e roteirista de programas de humor da Globo é nosso convidado do AC Encontros Literários. Confira a entrevista exclusiva!

 

Cesar Cardoso, nosso convidado de hoje, além de escritor, é um roteirista muito experiente. Integrou a equipe de programas humorísticos que você certamente conhece: TV Pirata, Casseta & Planeta, Urgente!Sai de Baixo, A Grande FamíliaToma Lá, Dá Cá e Zorra.

CONFIRA A NOSSA ENTREVISTA !

ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?

Cesar Cardoso: Quando eu tinha uns quatro anos, meu avô paterno me contava histórias, que eu adorava escutar. Depois, entrei para a escola e aprendi a ler. No quarto onde eu vivia com meu irmão e minha irmã, havia um armário cheio de livros. Ali, eu descobri Monteiro Lobato e, numa coleção chamada Tesouro da juventude, as fábulas de Esopo e La Fontaine e outros textos. E meu primeiro contato com a poesia foi num anúncio na rodoviária, que dizia: Para São Paulo? (Ou para outra cidade qualquer) “Vá e Venha pela Penha”. Escrevi um poema para meu avô, no meu livro chamado Você não vai abrir? Seguem dois trechos dele.

nas costas tinha um par de asas

que ele nunca mostrava

e uma vez por ano no Natal

meu avô voava no quintal

(…)

nasceu com duzentos anos

e ficava um ano mais novo

a cada mês até virar um bebê

e nascer outra vez

 

lá vai meu avô pela rua

transparente como o vento

meu avô parece invento

 

AC: Escritor e fotógrafo. No seu caso, essas atividades se harmonizam ou se chocam?

CC: Minha literatura e minha fotografia sempre se harmonizaram, porque são duas formas de expressão da minha criação artística. Várias vezes eu juntei as duas numa criação só. De uns anos pra cá, parei de fotografar. Me faz falta, fico sempre querendo voltar, mas cadê tempo? Tenho tantos projetos que quero realizar e, ao mesmo tempo, preciso ganhar dinheiro pra pagar as contas. Não é bem que falte tempo, o problema é administrá-lo.

 

 

AC: Fale um pouco do seu lado roteirista.

CC: O roteiro entrou na minha vida pelo humor. Eu escrevi no Pasquim e no Planeta Diário. O Reinaldo, do Planeta, foi quem primeiro me chamou para escrever na TV. E lá eu comecei a fazer roteiros. Escrevi programas como TV Pirata, A Grande FamíliaCasseta & Planeta, Urgente!, Sai de Baixo, Toma Lá, , Zorra, entre outros. Fui um dos roteiristas do primeiro filme do Casseta & Planeta: A taça do mundo é nossa. E sigo nessa área. A literatura é, na maior parte das vezes, um trabalho solitário. Já o roteiro para TV é, quase sempre, um trabalho coletivo. Essas duas experiências conversam e se somam. Dessa conversa eu aprendi, por exemplo, que o principal instrumento de trabalho de um escritor e roteirista não é a caneta, o papel, a tela do computador, nada disso. É a lata de lixo. A maior parte do que a gente escreve não é aproveitado, é um ensaio para o resultado final. Que nem sempre chega ao fim. É como um iceberg. Você vê aquela ponta de gelo imponente ali, flutuando, mas abaixo dela tem uma montanha muito maior.

 

ArteCult: Poesia prato do dia. A expressão lhe é familiar?

CC: Hahaha. Sim. Desde o começo da pandemia, eu resolvi fazer uma leitura de textos literários que eu batizei de Poesia Prato do Dia / Poesia Pra Todo Dia. Até o final do ano passado, era diário; depois, eu passei a fazer às segundas, quartas e sextas. É uma leitura de 3 a 4 minutos, em média. Eu posto no Facebook, no Instagram, no WhatsApp e mando por e-mail. Ali, eu trago um clássico da literatura, apresento uma autora ou um autor novo, crio um tema, junto textos em torno dele etc. E também publico alguns textos meus. Vou dar uns exemplos: sexta, 17 de setembro: “Muito Prazer, Daniela Galdino”. Fiz a leitura de cinco poemas dessa poeta baiana. Quarta, 15 de setembro: “Ciúme: Substantivo Plural e Líquido”. Juntei para leitura um trecho de Otelo, de Shakespeare, a letra de “Codinome beija-flor“, um poema de Antônio Cícero e a letra de “Ciúme“, de Caetano Veloso. Também tem o “Fla-Flus da Literatura: Grandes Clássicos”, onde já apresentei Camões, Nelson Rodrigues e Noel Rosa. (Às vezes, eu canto também. Não que eu seja cantor, mas adoro cantar e tenho cara de pau suficiente.) Já fiz mais de 350 leituras. Quem quiser conhecer, aí vai o link: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtFUw6g9y3jEeJCX_9aczW188XyivsUYB

 

AC: Como o escritor Cesar Cardoso se relaciona com seus leitores?

CC: Menos do que gostaria. O livro vai, e eu tenho pouco retorno. A não ser quando vou a eventos literários. Mas, com a pandemia e o pandemônio brasileiros, tudo isso ficou muito restrito. Desde 2019, temos um governo que prega e pratica a destruição da cultura. Então, o que já era complicado fica beirando o impossível. A conversa com as leitoras e os leitores é sempre enriquecedora. Por vezes, eu descubro coisas que não tinha me dado conta quando escrevi.

 

ArteCult: Você também escreve para o público infantil. Especificamente, como interage com esse público?

CC: Ah, na literatura infantojuvenil, a interação é maior, por conta das visitas às escolas e dos papos em todo tipo de evento literário, como as feiras de livro. Em geral, o que determina a minha forma de agir, a minha conversa, é o livro que eles e elas leram e as perguntas que fazem. Isso vai mostrar um determinado interesse que tem algumas diferenças e algumas semelhanças com a de um público adulto. E me faz sempre refletir sobre meu trabalho como escritor.

 

O escritor e roteirista Cesar Cardoso. Foto: Divulgação.

 

AC: Que livros e/ou autores andam frequentando sua mesinha de cabeceira atualmente?

CC: Acabei de ler Classificados e nem tanto, poemas da Marina Colasanti, ilustrado com xilogravuras de Rubem Grilo, e Manual do Minotauro, quadrinhos da genial Laerte, um livro pra você ler e reler sempre. Comecei Peter e Wendy, a história do Peter Pan, de J. M. Barrie, numa edição linda da saudosa Cosac Naify, com tradução do Sergio Flaksman e ilustrações do Guto Lacaz. Leio também Discurso sobre a metástase, do André Sant’Anna e 50 contos, uma antologia de um de meus escritores favoritos, o mineiro Luiz Vilela. Na fila pra leitura, estão quatro antologias poéticas publicadas pela revista Cult, de onde pretendo selecionar poemas para o meu Poesia Prato do Dia; Lili, novela de um luto, de outra escritora que gosto muito, Noemi Jafe, e Risque essa palavra, da poeta Ana Martins Marques.

 

AC: Sei que você é formado em Letras pela UFRJ. Coincidentemente, também me licenciei em Letras nessa mesma instituição. Em que medida sua formação acadêmica influencia seu trabalho como autor?

CC: Ah, a Letras! Eu estudei lá de 1974 a 79, quando a faculdade funcionava no barracão da Avenida Chile, onde havia sido jogada pela ditadura militar. Havia uma censura enorme de livros e atividades universitárias, o que transformou a minha formação numa espécie de queijo suíço, não pela qualidade mas pela quantidade de buracos. Mas eu escolhi fazer Letras pela minha ligação com a literatura e, na faculdade, fui aluno de mestras como Heloisa Buarque de Hollanda e Marlene de Castro Correia (que faleceu recentemente) e algumas outras e outros, que lutavam para produzir um ensino de qualidade. Tudo isso influenciou, sim, meu trabalho como autor. Não só no conhecimento de literatura, mas no aprender a ter uma visão crítica e criativa na literatura e em tudo na vida.

 

AC: As primeiras pessoas, um de seus livros de contos, foi bem recebido por público e crítica. Como surgiu a ideia do livro?

CC: Quando comecei a selecionar meus contos para o livro, percebi que havia vários narrados na primeira pessoa. E escolhi esse caminho para o livro, como mostra o próprio título – As primeiras pessoas. É um mosaico de personagens vivendo, de alguma forma, um momento decisivo na vida. Isso me permitiu também uma pluralidade de vozes nos contos. Depois, escrevi Urubus em círculos cada vez mais próximos, um livro de contos curtos que trafegam entre o fantástico e um humor cáustico. Agora, estou escolhendo os caminhos do terceiro livro de contos. Além disso, tenho dois livros de poesia – A nossa moranguíssima paixão e coisa diacho tralha, um romance para o público jovem (seja lá o que isso for) chamado Você pensa que água é H2O?, cinco livros de humor e doze livros de literatura infantojuvenil.

 

Coletânea de contos As primeiras pessoas, de Cesar Cardoso. Foto: Divulgação.

 

AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult,?muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?

CC: Não vou usar a velha frase feita “não sigam conselhos de ninguém”. Sigam conselhos sim, mas sempre com uma visão crítica. O importante não são as respostas, mas as perguntas. Eu acho que qualquer trabalho, qualquer fazer humano, tem uma história, seus instrumentos e, na mistura desses dois, resultam várias formas do fazer. A literatura é um desses fazeres humanos. Então, precisamos conhecer sua história, seus instrumentos e suas várias formas. E é muito difícil viver de literatura, no sentido financeiro. Eu não vivo. Como disse, o que me dá dinheiro são os roteiros para a TV. A literatura e os roteiros têm semelhanças e interseções. E os dois me dão enorme prazer. Como disse Manuel Bandeira, no poema Testamento: Vi terras de minha terra / Por outras terras andei / Mas o que ficou marcado / No meu olhar fatigado / Foram terras que inventei. E como eu disse, conversando com esse poema: que as terras que eu não inventei me sejam leves.

 

AC: Para finalizar, deixe aqui uma amostra do seu trabalho.

CC: Seguem dois contos de meu livro Urubus em círculos cada vez mais próximos e dois poemas de meu livro coisa diacho tralha.

 

Livro de contos Urubus em círculos cada vez mais próximos, de Cesar Cardoso. Foto: Divulgação.

A LUTA DO SÉCULO 

A primeira Bienal do Livro do Rio de Janeiro aconteceu em 1923 e conseguiu uma façanha: juntar na mesma festa literária Jorge Luis Borges e Franz Kafka. Os dois vieram ao Rio aceitando um desafio: provar qual deles era o melhor. Não iriam esgrimir canetas, papéis ou máquinas de escrever. Não. Kafka e Borges vieram ao Rio de Janeiro para se enfrentar em uma luta de boxe, proposta por eles mesmos como a forma ideal de se decidir quem era o melhor escritor, senão do mundo ou do Ocidente, pelo menos da primeira Bienal do Livro do Rio de Janeiro.

Como Borges já estava praticamente cego, Kafka concordou que a luta fosse disputada em total escuridão. E na noite de 12 de maio de 1923, diante de um recém-construído Maracanãzinho inteiramente lotado e com uma multidão do lado de fora tentando entrar, as luzes se apagaram, um silêncio avassalador caiu sobre o estádio e Kafka e Borges subiram ao ringue, ajudados por seus segundos. Ouvia-se apenas o ruído dos tênis dos dois escritores, em seu atrito contra o chão emborrachado, as respirações ofegantes e os eventuais gemidos acusando algum golpe. Todos tentavam imaginar quem estaria levando a melhor. De três em três minutos o gongo soava, como que trazendo de volta à realidade aquela multidão. Até que o gongo soou indicando o final do oitavo round, o último. E as luzes voltaram de súbito, cegando por um instante a multidão. Todos esfregaram os olhos e finalmente puderam ver o ringue vazio. Os dois escritores haviam desaparecido.

 

O ARTILHEIRO 

Logo cedo, após o café da manhã, sou levado para a sala completamente às escuras. Me conduzem até a posição em que devo ficar, alguns passos antes da bola. Não muitos, para não correr o risco de perder a direção dela. Ao ouvir o apito, devo cobrar o pênalti imediatamente, sem usar o tempo para tentar enganar o goleiro que, eles me garantem, está lá à minha frente, sobre a linha do gol, tentando defender minhas cobranças. O apito, alto e prolongado, é a única coisa que nós dois conseguimos escutar enquanto chuto e ele tenta defender. Alguém, ou algum mecanismo que nem eu nem ele conseguimos ver, logo repõe uma bola na marca do pênalti, torno a me posicionar, a ouvir o apito e me movimento para uma nova cobrança.

E assim passo meus dias, com uma breve interrupção para o almoço, que deve acontecer por volta das duas da tarde, segundo meus cálculos. Quantos gols terei feito? Quantos perdi? Não sei, mas sigo tentando me aperfeiçoar.

 

A quadrilha de mata-cavalos 

bentinho amava capitu que amava escobar

que amava iaiá garcia que amava brás cubas que amava carolina

que não amava ninguém.

bentinho foi pra o engenho novo, capitu para a suíça,

escobar morreu afogado, iaiá garcia acabou na tv,

brás cubas foi o primeiro defunto-autor

e carolina casou-se com joaquim maria machado de assis

que sempre quis entrar para a história

 

Breviário da conjugação

eu casmurro

tu macunaímas

ele macabéia

nós miramamos

vós riobaldais

eles policarpam

 

Contato: cesaramericocardoso@gmail.com

 

Até a próxima!

César Manzolillo – Colunista do canal LITERATURA

 

 

 

 

 

 

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Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de vinte e quatro antologias literárias. Autor do livro de contos A angústia e outros presságios funestos (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos.