UM FILME ARGENTINO: E dizem que o casamento é ruim, para o teatro não!

Letícia Colin e Michel Melamed em Um filme argentino. Foto: Rael Barja

 

Relações amorosas, para falar sobre elas, é preciso coragem, a meu ver. Está tudo muito complexo. Muitas vezes os espetáculos que eram levados ao teatro abordando o tema se tornaram clichês, e na contramão dessa sensação do passado, no teatro Prudential, Letícia Colin e Michel Melamed trazem aos espectadores um espetáculo totalmente diferente do que se espera, e creiam, são casados!

E quando o casamento acaba…

A obra “Um Filme Argentino” é o nome do espetáculo inteligente que assisti, com diversos personagens, um verdadeiro show. Eu confesso que estou em dúvida, se começo a falar do texto do Melamed ou se falo sobre uma das melhores atrizes que já vi em cena.

Vamos de Letícia, é ela que escandalosamente abre o espetáculo, literalmente, empurrando uma porta com rodinhas, ela começa dançando com uma porta, eu sei que parece estranho, mas é exatamente isso.

Ela canta, dança, interpreta, ela é polifônica, faz tudo e esse tudo é bem feito, bem elaborado, não sei o tempo que ela precisou de ensaio para nos apresentar a cena, só sei que é esplêndida. 

A atriz dança e canta em castelhano uma música nacional, tudo nela reluz, ela nos seduz e como ímãs ficamos presos a ela, porque há na Letícia todos os elementos artísticos que se precisa ter para deixar o público pleno. E atentem que não falei das cenas, somente de um dos atos cênicos.  

O espetáculo apresenta uma mulher que sai de casa e resolve morar na portaria, e pronto. Mas Patrícia é só isso mesmo? Basta pensar no que acontece durante 24 horas em uma portaria e você vai entender que existe dinamismo para dar e vender, e gargalhadas são tiradas de nós, sem nem ao menos pedirem licença. 

Michel Melamed e Letícia Colin. Foto: Jorge Bispo.

Quanto a Michel, eu não conheço a vida do artista, mas ele é um homem observador, porque se não o fosse, não teria tido a perspicácia de escrever um texto tão real quanto ao que ele apresenta no palco, a diversidade de histórias que entremeiam o texto. Rico em detalhes, aliás riquíssimo! Inteligente também, lembrou-me grandes dramaturgos, mas lógico que com a contemporaneidade do tempo de Michel, trazendo como personagens pessoas que nos rodeiam no dia a dia. Uma belezura de texto, além de fiel aos dias atuais e aos nossos comportamentos.

Uma das coisas que lavei a alma na peça, foi a sonoplastia, caramba, que delícia poder ouvir o tanto de som mecânico bem acolhido, tudo certinho, no momento certo, poxa, como valeu a pena ter ido assistir a essa obra. A escolha das canções foi sensacional e os personagens que passavam pela portaria? E o porteiro? E o texto que Leticia Colin e o porteiro, encenado por Michel trazem ao espectador durante um jogo que assistiam na televisão? Tão nacional, tão a gente, incrível!

Como é bom ver nosso teatro falando de nós, como somos, isso é prazeroso, porque nos colocamos em outro espaço e nos admiramos por milésimo de segundos. Isso é tão gostoso, tão humano. 

Existem trocas de personagens o tempo inteiro entre o ator e a atriz, eles vivem os mesmos personagens e a plateia se acaba de rir com suas performances, ambos estão em plena forma, porque entram e saem da tal portaria diversas vezes, com figurinos diferentes.

Michel Melamed e Letícia Colin. Foto: Jorge Bispo

Falando em portaria, o cenário da Marieta Spada é um deslumbre, levou-me aos prédios antigos, e quando ele se movimenta ficamos sem acreditar no que se vê, uma plasticidade que deixa a plateia deslumbrada. É realmente um dos melhores cenários que vi, as cores bem definidas, nada gritava, nada era over. Eu já conhecia o trabalho da profissional, mas dessa vez ela tirou o pé do freio. 

Os adereços de José Cohen e Lucila Belcic, também acompanham a beleza da obra, assim como os desdobramentos/acontecimentos no espetáculo. Um show de criatividade, muito bem-vindo para contar a história. Inclusive os cães de um dos moradores eram perfeitos, e latiam. Que cena meu Deus, que cena…

A figurinista, Luiza Marcier, foi exata, em todos os momentos, em todos os personagens. Sabemos que é raro um figurino falar, trazer tanta graça como Luíza trouxe, a profissional casou-se com o texto e seguiu, parecia estar ao lado do Michel quando escrevia. 

Saí do espetáculo meditando, lembrando da caçadora de borboletas, interpretada por ambos os artistas, a caçadora que vivia naquele prédio, quando ela aparecia, a música Lovin You de 1975, tocava. E no final a caçadora de borboletas se transforma em teatro de animação, muito bem executado em sua triangulação dos olhos, o que é exigido nesse estilo teatral.  

Que obra gostosa, debochada, divertida, inteligente, bem-humorada e tantos outros predicados. O teatro é sensacional, nos leva, nos traz, nos apresenta tantas formas de ver a vida e o outro, um despertar de novas concepções, até mesmo de relações. Uma obra incrível que quando acaba…

Você pode tirar suas próprias conclusões, pois é assim que eles começam! 

Bom espetáculo !

 

Foto: Rael Barja

Ficha Técnica:

Atuação: Letícia Colin e Michel Melamed
Texto e Direção: Michel Melamed
Cenário: Marieta Spada
Luz: Adriana Ortiz
Figurino: Luiza Marcier
Preparação Vocal e Arranjo Tango: Claudia Elizeu
Adereços: José Cohen e Lucila Belcic
Assistente de Direção: Luisa Espíndula
Trilha: Letícia Colin, Luisa Espíndula e Michel Melamed
Preparação Tango: Neuza Abbes
Fotos: Rael Barja
Arte: Pedro Colombo/ Estúdio Vírgula
Sonoplastia: Enrico Baraldi de Felippes
Secretária de Produção: Gabriela Newlands
Cenotécnico: André Salles
Direçao de Palco: Lucia Martinusso
Assessoria de Impresa: Eduardo Barata
Direção de Produção: Bianca de Felippes
Produção: Bianca de Felippes, Letícia Colin e Michel Melamed

Um Filme Argentino cumpre temporada no palco do Teatro Adolpho Bloch, na Glória, região central do Rio de Janeiro. As sessões acontecem de quinta-feira a sábado às 20h e aos domingos às 18h. Os ingressos custam de R$ 19,50 (meia) a R$ 120 (inteira).

Ingressos no Sympla: https://bileto.sympla.com.br/event/91959/d/244913?gad_source=1&gclid=CjwKCAjwnv-vBhBdEiwABCYQA7O1rmtZIU5n5voN_Pd4IB7_LVJe057plgm9Gi1r4nA57p2OQDoPcxoCkrsQAvD_BwE

 

 

 

 

Paty Lopes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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