O enigmático “Impera” da banda sueca Ghost

Impera (estilizado em letras protegidas) é o quinto álbum de estúdio da banda sueca “Ghost”. Ele foi lançado no dia 11 de março de 2022 pela gravadora Loma Vista.  Ele foi anunciado junto com o lançamento do single “Call Me Little Sunshine” e tem como tema a ascensão e queda de impérios.

Baseado na obra de Timothy Parsons “O governo dos impérios: aqueles que os construíram, aqueles que os apoiam e por que eles sempre caem” , ele explica o que constitui um império e oferece sugestões sobre o que os impérios do passado podem nos dizer sobre nosso próprio momento histórico.

“Não sigo a linha King Diamond, com uma trama que tem começo, meio e fim. Não se trata de uma ópera rock. Para estabelecer uma relação, é algo mais na linha do Iron Maiden. Há uma conexão, porém, se trata de algo mais solto. Em ‘Powerslave’, por exemplo, eles não falam só de faraós. “Somewhere in Time” segue um elemento cronológico. ‘Impera’ joga uma luz em vários elementos diferentes do que constitui um império.” Tobias Forge

Decifrando os temas e as letras das músicas: 

Império/Kaisarion 

O disco começa com uma marcha imperial chamada “Imperium” abrindo caminho para um novo império e logo em seguida um grito de anúncio começa a música “kaisarion” que por sinal vem do nome “cesarião” o último faraó da dinastia ptolemaica do Egito Antigo. Nos trechos finais tobias faz um paralelo com Hipácia que defende  a liberdade de religião e de pensamento . Acreditava que o Universo era regido pelas leis de matemática. Tais ideias suscitaram a ira de cristãos fundamentalistas que, em plena decadência do Império Romano, lutaram pela conquista de uma hegemonia cultural.

‘Kaisarion’ para explorar temas de decadência moral, a busca por mínimos e a crítica às estruturas autoritárias, tudo enquanto isso mantém uma sonoridade envolvente e misteriosa. É claro um forte crítico a igreja e suas práticas.

Spillways/ Call me  Little Sunshine

A música ‘Spillways’ navega por um mar de emoções conflitantes, explorando temas de luta interna, redenção e a busca incessante por se sentir vivo. No início, a letra aborda a tentativa de purificação através da vitória, uma alusão à busca por expurgar maldições ou aspectos negativos da própria mente. A repetição do esforço para ‘descascar’ essas camadas de negatividade sugere uma luta contínua e desgastante.

A desolação do indivíduo o leva a uma ‘encarnação vil’, que pode ser interpretada como acessível de um lado mais sombrio ou pecaminoso em busca de satisfação plena. A necessidade de sentir-se vivo é enfatizada, porém, apesar dos esforços para se livrar de certos aspectos negativos, há uma atração irresistível para eles. A música sugere que a fé, a raiva e a dor são emoções que persistem e não podem ser simplesmente perdoadas ou esquecidas.

“Call Me Little Sunshine”, revela uma dualidade entre conforto e inquietação, alternando entre promessas de apoio incondicional e referências a Mefistófeles, criando assim uma atmosfera tensa e intrigante na música. A repetição da garantia de que o ouvinte nunca estará sozinho, mesmo após a morte, reforça a ideia de uma promessa eterna, mas também pode ser vista como uma alusão à imortalidade da alma ou à influência perene de forças ocultas.  Ghost é conhecida por explorar temas relacionados ao ocultismo, à religião e à mortalidade, e ‘Call Me Little Sunshine’ parece ser mais um exemplo dessa abordagem temática, misturando o reconfortante com o sinistro de maneira poética e provocativa.

Mefistófeles  é o nome de uma entidade diabólica nascida durante a Era Medieval, e apresentado como uma das manifestações do mal, companheiro de Lúcifer, seu assessor na apreensão de almas aparentemente puras. Em muitas tradições culturais isso é associado ao próprio Diabo. Ao longo do período renascentista ele foi chamado de Mefostófiles.

Hunter’s Moon

“Hunter’s Moon” fala sobre um retorno, um reencontro com um amigo de infância em um lugar onde costumavam se esconder. A repetição da frase ‘Estou voltando para buscá-lo, meu amigo’ sugere uma promessa ou uma determinação de reatar um laço que foi importante no passado. A menção de esconderijos de criança evoca uma sensação de inocência e de tempos mais simples, mas que agora parecem distantes e desbotados pela memória. “Hunter’s Moon” traz uma tradicional mistura de som pesado, apelo pop e inspiração em temas ocultistas, que se tornou a banda popular com diversos públicos em uma faixa escrita para a trilha sonora de “Halloween Kills”, o 12° filme da franquia “Halloween “

Na música, a ‘hunter’s moon’ pode ser uma metáfora para um momento de clareza ou revelação, onde o passado volta à tona, permitindo que o narrador ‘cace’ ou recupere as memórias perdidas. A lua também pode simbolizar mudança e transição, indicando que o narrador está em um ponto de sua vida onde ele sente a necessidade de confrontar e talvez reconciliar-se com seu passado. A  linha ‘Estou morrendo de vontade de ver você, meu amigo’ pode ser interpretado literalmente como um desejo de reencontro após a morte, ou figurativamente, mostrando um anseio profundo pelo passado. A música cria um ambiente gótico e reflexivo, onde o ouvinte é convidado a ponderar sobre a passagem do tempo, a perda e o desejo de reconectar-se com partes esquecidas de si mesmo.

Watcher in the Sky/ Dominion

A letra de “Watcher in the Sky” traz uma busca inquietante pelo observador celeste (Deus), destacando a comunicação como peça fundamental, envolvendo elementos visuais e referências a outra dimensão, promovendo uma reflexão sobre implicações e questionamentos sobre a existência de um ser celeste ou seria mesmo uma busca por algo que as pessoas não conhecem. Logo em seguida chega algumas trombetas (dominion) anunciando a chegada de uma música muito importante desse disco;

Twenties

A música ‘Twenties’ é uma crítica ácida aos excessos e à busca pelo poder que marcou a década de 1920, conhecida como os ‘loucos anos vinte’. A letra utiliza uma linguagem provocativa e imagens fortes para pintar um retrato de ambição e decadência.  O refrão ‘In the Twenties, we’ll canting in a reine of pennies’ sugere uma era de riqueza superficial, onde o dinheiro é abundante, mas seu valor é diminuído, talvez uma referência à inflação ou à desvalorização da moeda. A expressão ‘soaring in disfarce of Bevies’ pode ser interpretada como um voo alto mascarado por bebedeiras, diminuindo uma sociedade que se eleva através de aparências e indulgências. A banda parece estar descrevendo um período de indulgência e hedonismo, mas também de corrupção e manipulação.  A música também aborda temas de poder e controle, como visto em ‘You’re the next in the chain of command’ e ‘We’ll be smooching at the foot of Da Rulah’. Essas linhas sugerem uma direção de poder e uma disposição para bajular aqueles no topo para ganhar favores ou vantagens.

Curiosidade sobre Twenties:  As bateria desse som foram baseadas em algumas batidas de funk que o Tobias tocou em um programa de TV que conhecia sobre a música brasileira onde tocou MC Guimê – Plaquê de 100, MC Brinquedo- Roça Roça, MC Bin Laden – Tá Tranquilo, Tá Favorável e MC João – Baile de Favela.

Darkness At The Heart Of My Love

A música explora a complexidade do amor e a participação de aspectos sombrios que podem representar sentimentos intensos.  É conhecido por suas letras que frequentemente tocam em temas de ocultismo e espiritualidade, e ‘Darkness At The Heart Of My Love’ não é exceção. A menção de ‘derramar o vinho’ e ‘convocar o divino’ pode ser interpretada como um ritual de invocação, indicando que o amor descrito na música possui uma dimensão transcendental, mas também obscura. A escuridão mencionada repetidamente serve como uma metáfora para os aspectos mais profundos e talvez perturbadores do amor, que são ao mesmo tempo ‘frio’ e ‘profundo’, mas também ‘ousado’ e ‘doce’.

A música também aborda a ideia de transformação e liberdade pessoal (‘Tell me who you want to be / And I will set you free’), indicando que o amor pode ser um avanço para o crescimento e a mudança. No entanto, a presença constante da ‘escuridão’ sugere que, mesmo dentro de um amor libertador, existem elementos inescapáveis ​​que podem ser desafiadores. A dualidade entre a luz e a escuridão no amor é um tema central da música, refletindo a complexidade das emoções humanas e a acessibilidade de que o amor verdadeiro envolve aceitar tanto a luz quanto a escuridão no coração do ser amado.

Griftwood

A música traz uma narrativa que explora temas de sacrifícios, redenção e busca por uma existência sem sofrimento. A letra sugere um diálogo entre uma entidade poderosa e um indivíduo que busca rompimento e orientação espiritual. A repetição do ‘Sim’ pode indicar uma espécie de confissão ou acessibilidade de termos propostos por uma autoridade superior, talvez em um contexto religioso ou espiritual.

Uma referência a ‘sofrer pelo senhor’ e ‘sacrifício para a horda’ pode ser interpretada como uma crítica à ideia de que a devoção e o sofrimento são necessários para alcançar a pureza ou a salvação. A banda é conhecida por suas letras que frequentemente abordam temas religiosos com um olhar crítico, e ‘Griftwood’ parece seguir essa linha, questionando a legitimidade e o preço da fé e da devoção. A figura de ‘Santa Mãe’ que ‘lava o pecado dos pés’ e ‘brilha como o Sol e a Lua’ pode ser uma alusão à Virgem Maria, simbolizando a pureza e a redenção que o narrador busca. ‘Griftwood’ é uma continuação dessa tradição da banda em questionamento e oferecendo uma reflexão sobre a natureza da fé e o desejo humano de encontrar um propósito e interrupção das aflições da vida.

Bite of passage / Respite on The Spitalfields

Bite of passage é uma música de introdução idêntica aos filmes de terror dos anos 80 que se interliga com a música  Respite on The Spitalfields onde o  título sugere um momento de descanso ou colapso nas “Spitalfields”, uma área de Londres conhecida por sua história rica e, em alguns períodos, tumultuada.

A letra menciona um ‘criador assassino’, que pode ser interpretado como uma referência a um assassino histórico, talvez Jack, o Estripador, que aterrorizou Londres no final do século XIX , especialmente nas áreas de Whitechapel e Spitalfields . A menção ao ‘outumnal reaper’ e ao ‘creeper’ reforça essa conexão, estabelecendo a figura de um assassino que deixa marcas de dureza. A música também aborda a ideia de que os sonhos e pesadelos podem se tornar realidade, assim como o sangue derramado pelas vítimas do assassino. Outro ponto que podemos observar é uma referência aos anos da “Santa Inquisição” onde ocorreram torturas, assassinatos, tudo em nome da igreja católica. O momento de descanso ou colapso pode ser abordado como a posse do Papa Francisco onde ele tenta ser menos fervoroso e mais humano.  A música termina com uma melancólica acessível de que nada dura para sempre e um convite para deixar para trás o passado e seguir adiante, ‘softly into the night’.

**A capa mostra uma imagem do Papa Emeritus  IV construída a partir de fios e fazendo uma pose que é associada a Crowley e seu conceito da  Noite de Pan , também conhecido como NOX, um “estado místico que representa a fase de ‘morte do ego’ no processo de realização espiritual”.

JEFF FERREIRA

 

Author

Meu nome é Jeff Ferreira e a música sempre foi minha maior paixão. Desde jovem, fui envolvido pelo maravilhoso mundo dos sons e das melodias, encontrando na música uma forma de expressão e conexão com o mundo ao meu redor. Além disso, meu lado nerd sempre esteve presente, alimentando minha curiosidade e minha sede por conhecimento em diversas áreas. Há 7 anos, embarquei em uma jornada incrível escrevendo sobre música e desenvolvendo pautas de entrevista. Essa foi a maneira que encontrei de unir minha paixão pela escrita com meu amor pela música, compartilhando insights e histórias fascinantes com o público. Ao longo desse tempo, pude me aprofundar no universo musical, conhecendo bandas incríveis e explorando diferentes sonoridades.

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