Analógico Lógico: Reminiscências

Peguei o pendrive com uma seleção de músicas, pus no som e sentei aqui para escrever algo que recordei-me em um sonho, esta noite. Nessa época em que estamos, isolamento social e tudo o mais, pego-me recordando fatos, não apenas de minha vida, como da história. Aí vocês me perguntam, o que isso tem a ver com fotografia? Nada. E tudo. Poderia dizer simplificadamente que a vida é dual, mas só quem não chegou aos cinquenta tem essa verdade. Quem deles passou sabe que a vida é múltipla. E o somatório dessas experiências, erros (muitos), acertos, dúvidas e (in)certezas é o que nos forja. O que nos faz fortes e, por que não, fracos.

Meu avô era o pintor paisagista Altamiro Oliveira. Seus pais eram artistas, no sul. Da minha geração apenas eu puxei às artes, evidentemente em parte influenciado por ele, em parte por clamor interno, mesmo. Dito isto vêm-me as lembranças das andanças que fazíamos num Rio, hoje, antigo. Num Centro com carros estacionados nos dois lados da Av. Rio Branco, uma Copacabana sendo aterrada para ganhar outra pista, uma orla de Botafogo repleta de letreiros de neon gigantes, um Aterro de barro bege, fincado de postes de luz e mudas e a cidade iluminada nos finais das tardes de verões que garoavam impreterivelmente as 17h, com a Galeria dos Comerciários coalhada de lojas cintilantes de câmeras de todas as marcas, modelos, tipos e cores em que eu, no alto de meus seis anos, babava, levando-me a montar a equação que genética, influências do meio, educação, oportunidades e lembranças, muitas lembranças, formam o que nós somos e seremos um dia.

Não sendo fotógrafo, meu avô fotografava as cenas e os lugares que gostava, em diapositivo de pequeno formato, vulgo slide, já ouviram falar? Kodachrome, para ser exato. Depois juntava a família aos domingos e projetava as fotos na parede com um velho projetor que ele tinha. Isso era a coisa mais próxima de uma Netflix naquela época, além de ver a Sessão O Pica-Pau aos sábados, na AABB. Esperar a TV Phillips de porta de madeira esquentar por sete minutos até ligar, nem se fala. E olha que era colorida, heim!? A única do prédio! E que juntava toda a vizinhança para ver Odorico Paraguaçu e Zeca Diabo, em cores

Às vezes íamos, toda a família, para a casa de tio Newtinho, em Guapi, passar o dia. Meus pais e eu íamos no fusquinha placa amarela da Guanabara BA-7174 e meus avós no Esplanada placa BA-7147 (nunca esqueci essas placas) e assim que chegávamos meu avô ia dar uma caminhada e fotografar alguma coisa para pintar depois, pois já não se sentia seguro de pôr um cavalete nas ruas para pintar.

Ironia do destino, não me lembro qual era a sua máquina (logo eu!) e, começando nas artes pelo desenho e pintura, aperfeiçoados no Oberg da Uruguaiana, acabei na fotografia, talvez para dar vazão a um porão e um sótão repletos de lembranças e imagens de uma época que foi simplesmente… Bonita. Simples, assim. Bonita.

Assim como a estória de Heráclito em que ninguém pode entrar no mesmo rio duas vezes, o tempo passou. E com ele as pessoas mudaram, morreram, nasceram, se melhoraram ou pioraram, mas não são mais aquelas pessoas MEIXMO! São lembranças. Apenas isso. Lembranças. Em que, como dizia meu décimo sétimo psiquiatra, “querem que você vista aquela roupinha do personagem que criaram para você ou você quer que elas vistam a roupinha que você criou para elas”. Há que se ter muito cuidado com isso. O rio passou, colegas.

Então, com essas reminiscências, levantei-me da mesa e fui pegar uma câmera. Peguei a Praktica Super TL com uma lente Helios 44 e pus um rolo de Ilford HP5 Plus 400. Queria algo épico, tátil, lindo e cromado, que reluzisse como as antigas lojas de câmeras do Centro e, tendo a minha idade, tivesse o condão de me levar de volta à infância, com todas as cores que só o preto e branco têm, me conectando com meu passado, minha história e quem eu era, lembrando-me de quando me embrenhava no mato seguindo os passos de meu avô, naqueles finais de semana naquele rio do tempo que passou, naqueles momentos em que eu sabia que logo após o “clic” tudo estaria bem e seria perfeito…

No som, Old L.A. Tonight, está terminando. Começa a chover lá fora, o vento a balançar as árvores faz as folhas caírem no quintal. Relampeja. O rio se enche em fúria, rugindo e urgindo e passa…passa…passa…

Those summer nights when I look in your eyes
I’m falling to pieces, pieces out of my mind
And I’ll never know why
I’m falling to pieces, pieces

It’s gonna be all right in old L.A. tonight…

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Author

Vitor Oliveira é dono de uma visão poética sobre a vida e o mundo que o permeia. Fotógrafo experiente e autodidata, fotografa desde os 10 anos de idade influenciado por seu avô, o pintor paisagista Altamiro Oliveira, de quem, além da pintura clássica, o influenciou no desenho e na literatura, arte que exerce escrevendo romances ambientados no submundo de uma São Sebastião do Rio de Janeiro do final do Séc XIX e começo do Séc XX que não mais existe. Pesquisador de métodos, técnicas e equipamentos fotográficos e colecionador, Vitor Oliveira fotografa principalmente em película, por considerar que, após quase 200 anos de evolução desta forma de arte, esta ainda oferece os melhores resultados, ao depurar a técnica artística, quase que alquimicamente. Sendo um dos únicos fotógrafos de nível mundial a participar, usando filme, no maior concurso fotográfico do mundo, o Sony World Photography Awards, da World Photography Organization, Vitor Oliveira inaugura seu Canal Analógico Lógico!, no YouTube, através do qual procura compartilhar um pouco de uma aprendizagem que nunca finda. Hare Hare! Canal Analógico Lógico! : https://youtube.com/channel/UCom1NVVBUDI2AMxfk3q8CpA Video de abertura: https://youtu.be/N_cuYPi6b4M

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