Às Quartas – Caetano, Bethânia, antropofagia cultural

Foto: Divulgação

Assisti a “Uma noite em 67”, sobre a final icônica do III Festival da TV Record. Uma noite de vaias aos participantes, com a famosa cena de Sérgio Ricardo atirando seu violão no público.

Há anos, apaixonada pelos movimentos dos anos 60 – Bossa Nova, Jovem Guarda e Tropicália – li artigos sobre o surgimento daqueles artistas. Sei, por isso, que o festival foi chamado de “Festivaia”. Os ânimos giravam não só em torno de gostos e talentos mas de posicionamento político e cultural, na efervescência antecessora do AI-5.

É curioso o relato dos bastidores da “Marcha contra a Guitarra Elétrica”, organizada por Elis Regina. Vários artistas participaram do movimento de proteção à música nacional de uma “americanização”. Caetano conta que ele e Nara Leão assistiram a tudo da janela, certos do equívoco e de sua inocuidade.

Caetano subiria ao palco do festival, meses depois, cantando “Alegria, Alegria” com os Beat Boys, num arranjo emoldurado, propositalmente, pelo som das guitarras. Gilberto Gil cantaria “Domingo no Parque” com “Os Mutantes”, apesar de o artista ter participado da marcha. É engraçado vê-lo dizer, na maturidade, ter participado da passeata pela gente interessante ao lado de quem marchou.

As atitudes de Caetano e Gil sinalizavam as tendências de antropofagia cultural, características tanto do movimento tropicalista como de toda a carreira desses artistas. No contexto dos anos 60, configuraram gesto revolucionário: a música popular brasileira rompia barreiras e fundia conceitos.

“Alegria, alegria” foi a quarta colocada numa noite que tinha “Roda Viva”, com Chico Buarque e MPB4, em terceiro, “Domingo no Parque”, com Gil e Os Mutantes, em segundo, e “Ponteio”, com Edu Lobo e Marília Medalha, em primeiro lugar. Só clássicos. Jovens. Geniais.

Imagem: montagem do site mundodemusicas.com

Mas Caetano foi vaiado. Li que uma repórter perguntara a Caetano como se sentia saindo sobre vaias. Aproveitando-se do erro linguístico, ele teria respondido: “me senti saindo sobre as vaias”. E sua canção virou um clássico.

Relembro a sagacidade de Caetano, em frente ao palco do show dele ao lado de Maria Bethânia. Sinto uma alegria enorme por estar ali, por ter nascido nesse tempo e lugar, testemunhando a relação que possuem com a arte.

Vivemos uma época de rótulos, grupos e separações culturais, sociais, ideológicas. Sofrem patrulha ideológica nossa miscigenação, nossa diversidade, nossa liberdade de expressão. Há vezes em que, sob o impulso de proteção, nos portamos como censores.

No bloco religioso do show, falou-se dos símbolos do candomblé, católicos e, até, evangélicos. Cantou-se samba, balada, afoxé, rock e funk. Chico Buarque, Peninha e Iza. Havia critica social e havia amor. Sofrência e poesia. Heterossexualidade, homossexualidade ou simples sexualidade.

Essa geração de artistas, antropofágica, liberta e libertadora, não caminha pela superficialidade do debate mas mergulha na essência de nossa riqueza. O Brasil diverso se revelou naquele palco. Eis o país que amo! Um privilégio poder enxergá-lo da plateia.

ANA LÚCIA GOSLING

@analugosling

 

 

 

DICAS DA SEMANA:

Foto: Divulgação

Nesta semana, no sábado, 24/8, haverá o lançamento da coletânea de crônicas da Oficina Literária Eduardo Affonso: “Nuvens de Palavras“.  Dois livros, com textos dos integrantes da oficina do querido mestre Eduardo, que é também o organizador da coletânea.

Estou entre eles, toda orgulhosa.

Os livros são um projeto coletivo, sem vinculação editoral. Os prefácios foram escritos por Martha Batalha e Cora Ronai.

O evento reunirá 30 dos seus 60 autores. Apareçam!

Será no Espaço Farinha Pura, na Cobal do Humaitá, a partir das 17 horas.

 

 

 

 

 

Foto: Divulgação

 

 

Também no sábado, 24/8, o livro do projeto “Mundo Cão“, divulgado há meses nesta coluna, será lançado.

Será de 11 às 13 horas, na Livraria Janela, no Jardim Botânico, situada na Rua Maria Angélica, 171-B.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Divulgação/Gingers

 

Com a partida do icônico Silvio Santos, o Domingão do Huck do último domingo fez uma homenagem ao apresentador.  Em razão disso, a participação das Gingers no programa, dica da semana passada, foi transferida para o próximo domingo, dia 25/8.

Repito a sugestão, então: não deixe de assistir ao grupo no quadro “The Wall” e, na sequência, a uma curta apresentação das integrantes.  Duas colunistas do ArteCult integram o grupo: esta, que os convida, e Rafaeli Mattos, da Editoria de Dança, que é a idealizadora e coreógrafa do projeto.

Curta a página das Gingers no Instagram e apoie o projeto e o sonho de montar seu primeiro espetáculo:

@grupodesapateadogingers

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:


com Ana Lúcia Gosling

com César Manzolillo


com Tanussi Cardoso

 

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, aqui no ArteCult, há texto novo da autora. Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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