Já falei bastante, aqui no ARTECULT, em diversos artigos, sobre os queijos da Serra da Mantiqueira. Já contei aqui sobre a Rota do Queijo de Itanhandu/MG, complementando com a expedição de bike e a matéria sobre Passa Quatro/MG. Não custa lembrar que o queijo dessa região – Serra da Mantiqueira – teve origem, segundo levantamento dos estudos realizados pela Emater-MG, a partir da mudança de um casal de imigrantes italianos, Luiza Altomare Poppa e Pascoal Poppa, para o município de Alagoa no ano de 1920. Ao perceberem as semelhanças climáticas da Região com sua terra natal – Parma, na Itália – iniciaram a produção do queijo parmesão, hoje reconhecido como patrimônio cultural brasileiro pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Vale lembrar que dez cidades da Serra da Matiqueira produtoras de queijos artesanais são reconhecidas. Entre os municípios está Alagoa, agora reconhecido como produtora de Queijo Artesanal de Alagoa, e Aiuruoca, Baependi, Bocaina de Minas, Carvalhos, Itamonte, Liberdade, Itanhandu, Passa Quatro e Pouso Alto, como fabricantes de Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas.
Mas ali mesmo em Minas Gerais, especificamente na região da Serra da Canastra, se produz há mais de duzentos anos um outro tipo de queijo, assemelhado ao queijo de São Jorge, dos Açores, em Portugal, conhecido por ter uma casca amarela por fora e por ser macio e saboroso por dentro e é, também, reconhecido como patrimônio cultural imaterial brasileiro desde 2008 pelo mesmo Instituto.
O Parque Nacional da Serra da Canastra é uma área formada por 200 mil hectares, localizada no Sudoeste de Minas Gerais. Foi criado em 1972 para preservar as nascentes do Rio São Francisco. No entorno da área da Canastra estão 7 municípios: Capitólio, Vargem Bonita, São João Batista do Glória, Piumhi, Delfinópolis, Sacramento e São Roque de Minas, considerada a “capital” da Serra da Canastra.
No site www.queijodacanastra.com.br encontramos diversas informações interessantes. Por ali ficamos sabendo que na região o queijo é feito do mesmo jeito, mantendo-se uma tradição de mais de 200 anos, que remonta ao século XVIII:
o queijo é feito do leite de vacas que nascem e vivem livres no campo, se alimentando de pastagem natural. Feito com leite cru, não sendo utilizado leite pasteurizado na fabricação. É feita apenas uma ordenha por dia, na parte da manhã. A produção de leite da tarde é destinada aos bezerros; depois do coalho, é hora de se colocar o “pingo”, um fermento natural feito pelos produtores a partir do soro que escorre dos queijos que estão descansando, o que contribui para que o queijo de cada produtor seja diferente um do outro, porque cada um usa o seu próprio “pingo”; já com a massa na forma é hora de cada produtor dar o seu toque especial no tempero do queijo. Apenas o sal grosso é utilizado e mais nada. A quantidade de sal é que vai fazer a diferença. Após o sal, chega a hora de “grosar” o queijo. Nessa parte do processo, cada peça é lixada por fora para fazer o acabamento; para conseguir o sabor, a textura, a coloração do tradicional Queijo da Canastra, cada queijo é colocado na tábua de maturação até curar. Assim ele ganha a sua identidade. O segredo nessa parte é virar o queijo todos os dias para que ele cure por igual dos dois lados.
O Queijo da Canastra é um só. O que muda é o tamanho e o sabor, de produtor para produtor. O menor queijo produzido recebe a denominação de QUEIJO MEREDEIRO.
Já aquele mais conhecido, o tradicional QUEIJO DA CANASTRA pesa cerca de 1 kg, enquanto que o CANASTRA REAL pesa de 5 a 6 quilos e precisa de um tempo maior de cura.
No que se refere à maturação, também temos uma divisão. Quando estamos tratando de um queijo bem novo, com sabor de leite fresco e textura macia, que derrete na boca, temos o QUEIJO FRESCO. Já quando nos referimos ao conhecido QUEIJO MEIA CURA, estamos tratando de um queijo que possui aproximadamente dez dias de maturação. E, por fim, temo o QUEIJO CURADO, que é o queijo da Canastra como era antigamente, com mais de 22 dias de maturação, com seu sabor marcante, sendo o único que pode ser comercializado com o sela da IP Canastra.
Aqui vale a gente fazer algumas observações importantes, conforme vimos no site www.queijodacanastra.com.br:
TIPOS DE QUEIJO: Muita gente acha que Canastra é um tipo de queijo. Mas, na verdade só podem ser chamados de Canastra os queijos feitos aqui na Região do Queijo da Canastra, de forma artesanal, com leite cru, seguindo a tradição. Então, na hora de comprar um Queijo da Canastra procure saber em qual cidade ele é produzido.
CURA NA SUA CASA: Como o Queijo da Canastra é um alimento vivo, você pode continuar o processo de maturação em casa e ter um queijo que também acaba sendo um pouco seu. É só deixar o queijo em um local fresco e arejado, lavar a cada três ou quatro dias e não se esquecer de virar todos os dias.
ALIMENTO SEGURO: Algumas pessoas não conhecem o modo de produção artesanal e acham que só os alimentos industriais são seguros. Quando o queijo é feito com boas práticas de higiene, a maturação se encarrega do resto. A maturação nada mais é do que a briga entre as bactérias boas e más. No final, o bem vence. É por isso que a gente chama o queijo maturado de curado.
ALIMENTO VIVO: É importante entender que o processo de cura não para, mesmo depois que o queijo sai da fazenda. Mas se você quiser interromper o processo de maturação, você pode embalar e resfriar seu queijo na geladeira.
Este é o selo que identifica que o queijo foi feito na área delimitada pela Indicação de Procedência Canastra, o que lhe garante a origem e traz a segurança de que o produto obedeceu ao modo de produção indicado pelo regulamento de uso e está regularizado pelos órgãos de inspeção. A utilização do selo de Indicação de Procedência dificulta que produtores de outras regiões utilizem o nome Canastra indevidamente, garantindo que o consumidor adquirira, realmente, um queijo com origem.
Para representar os produtores e proteger a produção do queijo da Canastra foi criada a APROCAN Associação dos Produtores de Queijo da Canastra, tendo como seus objetivos:
- Proteger a origem do queijo da Canastra e tudo o que ele representa: a cultura, história e tradição.
- Certificar o registro de Indicação Geográfica do Queijo Minas Artesanal Canastra.
- Garantir que somente os queijos artesanais produzidos em determinados municípios possam utilizar a denominação “Canastra”.
- Salvaguardar os produtores da região do uso indevido da marca Canastra.
Com certeza está no meu planejamento ir até a região da Canastra e explorá-la, buscando encontrar toda a identidade e o sabor dos seus queijos. Mas enquanto ainda não surgiu a oportunidade, tive o prazer de conhecer o Rogério Junio Santos, que é um parceiro guardião da Canastra. O Programa Parceiro Guardião do Queijo Canastra é uma iniciativa que aproxima os produtores do queijo com os lojistas e seu objetivo é apoiar a produção do queijo artesanal, um dos símbolos da região.
É importante ressaltar que ser um Parceiro Guardião significa que todos os queijos vendidos no estabelecimento possuem a garantia de sua origem, qualidade e procedência e você pode consultar AQUI a relação dos estabelecimento que fazem parte do programa. A missão desses parceiros é resgatar a tradição, cultura e história da produção do queijo mineiro, que atravessa gerações por mais de 200 anos. É, certamente, um trabalho árduo em prol do pequeno produtor rural, para que suas tradições sejam mantidas e preservadas.
Vale, também, destacar o trabalho da APROCAN Associação dos Produtores de Queijo da Canastra, que é uma associação constituída para representar o produtor e proteger a produção. São múltiplas as ações na área: QUEIJO NA FEIRA – com apoio do Sebrae, a APROCAN participa de feiras e eventos gastronômicos em todo o Brasil; ASSOCIATIVISMO – a APROCAN promove encontros mensais para desenvolver a cultura do associativismo entre os produtores da região, sempre em parceria com o Sebrae e com o apoio do Sicoob – Saromcred; PROTEÇÃO – responsável por proteger o uso do nome Canastra, a APROCAN cuida para que outros produtores não se apropriem do nome da região; EDUCAÇÃO -a APROCAN desenvolve ações educativas sobre Queijo da Canastra para conscientizar produtores, revendedores e consumidores; NOVOS MERCADOS – A APROCAN promove experiências para visitantes à região, recebendo chef’s de cozinha, comerciantes, formadores de opinião e turistas às fazendas dos produtores associados; VISITA TÉCNICA – Os veterinários da APROCAN visitam as fazendas, orientam e prestam apoio técnico aos produtores associados.
Eu estava com uma viagem programada para Teresópolis, município mais alto do estado Rio de Janeiro, localizado na Região Serrana, de clima convidativo e temperatura amena e, segundo consta, capital do Montanhismo e do Lúpulo, Casa da Seleção Brasileira de Futebol e maior produtor de hortaliças do estado.
É fato que eu não deixaria de ir conhecer o EMPÓRIO PEDACIN DA CANASTRA (@queijos.canastra.teresopolis), de propriedade do Rogério, que fica localizada na Avenida Feliciano Sodré, 241 loja B, no bairro Várzea, bem pertinho do centro da cidade. Assim, eu teria a certeza de que estaria, seguramente, diante de queijos da região da Canastra. E posso garantir, com a toda a certeza, que a visita vale a pena e já deixo aqui a dica para quem estiver por Teresópolis.
Dando uma olhadinha na loja, é possível identificar uma variedade de produtos muito grande. Além dos já citados queijos da Serra da Canastra, sejam inteiros ou fracionados, lá também se encontra doces de leite, geleias, cachaças artesanais e muito mais!
Rogério me convidou para uma degustação guiada de alguns dos queijos premiados que fazem parte do seu portfólio. Não custa ressalvar de que se trata apenas de um recorte, uma pequena amostra, pois ele comercializa muitos outros queijos premiados disponíveis na sua loja. Mas para quem está conhecendo, tendo um primeiro contato orientado com os produtos da região da Serra da Canastra, acho que foi uma boa introdução… Vale lembrar que o queijo Canastra deve ser consumido curado ou meio curado, com pelo menos uma semana de maturação. Com o passar dos dias, ele adquire uma bela cor dourada e uma fina casca que o deixa cada dia mais saboroso, mantendo seu interior macio e suave.
Aqui vão alguns dos queijos da região da SERRA DA CANASTRA que experimentei… Será que vai dar água na boca de vocês?
O Queijo CAPIM CANASTRA é produzido em São Roque de Minas e foi o primeiro queijo artesanal brasileiro a ser premiado em competição internacional – medalha de prata na França em 2015. Tem como característica a casca amarela e lisa, por vezes rústica e enrugada, apresentando manchas brancas resultantes do mofo que se desenvolve no queijo, conferindo-lhe um sabor extremamente delicioso, maciez e cremosidade incomparáveis. A massa cremosa, textura macia e sabor suave fazem dele um exemplar notável.
O Queijo do JOHNE tem diversas premiações no Brasil e até um bronze na França! É um queijo Canastra do município de Vargem Bonita e é produzido há mais de 72 anos. Possui uma casca fina e amarelada, textura lisa, macia, sabor proeminente e levemente picante.
Premiado no Concurso Mundial da França em 2019 com bronze, o Queijo do CLÁUDIO, produzido em São Roque de Minas, é um queijo envolto por uma casca florida, mofo branco (comestível) e leve enrrugação. Com tais características, a massa fica bem macia e cremosa e o sabor suave. Contém sal de forma moderada em sua composição, o que acentua ainda mais o sabor, sendo ideal pra quem aprecia Queijos com acidez leve.
O queijo CAPÃO GRANDE é, atualmente, o queijo Canastra mais procurado, devido a sua qualidade e sabor. Produzido em São Roque de Minas, apresenta casca lisa amarela, consistência externa firme, interior super macio e possui um sabor suave, com leve acidez no final.
O Queijo PINGO DO MULA é feito na Fazenda São Tiago Batatas que está localizada em São Roque de Minas, na região da Serra da Canastra. A propriedade pertence à família de Antônio de Melo Almeida (Mula Véia) e de Paulo Henrique de Matos Almeida (Mula Nova), sendo que há 20 anos a família se dedica a produção do legítimo Queijo Minas Artesanal buscando resgatar as verdadeiras origens do território do Queijo da Canastra. Possui sabor forte, levemente picante, denso e encorpado, possuindo tem textura semidura, manteigosa e compacta.
E pra fechar esse tour, foi a vez do Queijo PONTE VELHANO, produzido no município de Medeiros, na microrregião da Serra da Canastra, através de um processo artesanal a partir do leite cru de vaca, sal, pingo e coalho. Seu processo de maturação em caverna (com umidade e temperatura controladas) dura entre 22 a 45 dias, conferindo ao queijo uma casca rígida na cor amarelo ouro e interior ainda macio. De sabor intenso, ainda mantém uma leve acidez e apresenta sabor levemente adocicado.
Além desses, poderia ainda citar os queijos ROÇA DA CIDADE, VALE DA GURITA, MOLDURA DE MINAS, FAZENDA JACOB, DO ONÉSIO, DO IVAIR, DO MIGUEL, DO REINALDO, ROÇA DA CIDADE, DON´ANTÔNIA dentre outros. Afinal, a região possui cerca de 800 produtores artesanais espalhados pelos sete municípios, que produzem cerca de 576 toneladas de queijo por ano. E o mais legal disso é que você encontrar todos eles no EMPÓRIO PEDACIN DA CANASTRA!
Mas a história do queijo artesanal em Minas Gerais é ainda muito – muito, muito! – maior…
O Queijo Minas Artesanal é fabricado desde o século 18, mas o modo de fazer somente foi reconhecido legalmente em 2002, pela primeira vez para a região do Serro, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) concedeu o registro de patrimônio imaterial no Brasil.
Em 2008 veio mais um passo. O “Modo de Fazer do Queijo Minas Artesanal” foi reconhecido nacionalmente pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), contemplando as regiões do Serro, Serra da Canastra e Serra do Salitre/Alto Paranaíba. De acordo com o Iphan, esta é a primeira vez que um modo de produção tradicional do país tem esse reconhecimento internacional.
O “Modo de Fazer” significa que o queijo é feito de leite integral de vaca fresco e cru, ordenhado e beneficiado na propriedade de origem, que apresente consistência firme, cor e sabor próprios, massa uniforme, isenta de corantes e conservantes, com ou sem olhaduras mecânicas”.
A principal característica que diferencia o Queijo Minas Artesanal de outros queijos artesanais produzidos no Brasil, e mesmo de outros produtos mineiros, é a adição do chamado “pingo”, fermento natural composto por bactérias láticas endógenas (bactérias originalmente presentes no leite cru com cepas específicas da região) que levam ao produto final características próprias de aroma, sabor, odor e textura do local onde é produzido.
De modo geral, esse tipo de queijo é proveniente de pequenas propriedades. São cerca de 9.000 produtores. São 10 regiões reconhecidas como produtoras de Queijo Minas Artesanal. São elas: Araxá, Campo das Vertentes, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra da Canastra, Serra do Ibitipoca, Serra do Salitre, Serro e Triângulo Mineiro. No total, Minas Gerais tem cerca de 30 mil produtores de queijos, contando os demais tipos do produto.
Leia mais em: https://forbes.com.br/forbesagro/2024/12/queijo-minas-artesanal-se-torna-patrimonio-cultural-imaterial-da-humanidade/
O assunto é, realmente, bastante amplo. Mas iremos, aos poucos, conhecendo mais a fundo todas essa regiões produtoras de queijo. O nosso país possui uma bela diversidade: Regiões Norte e Nordeste, representadas pelo queijo de búfala Marajó e o queijo coalho, respectivamente; a região Sul e seu queijo Colonial; e a região Sudeste, como vimos, com a produção do Queijo Minas Artesanal.
Não se preocupem, pois trarei diversos outros artigos aqui no ARTECULT com esse tema inesgotável do queijo brasileiro, viajando por todas essas regiões e explorando todas as suas complexidades.
E, certamente, será uma grande (e inesquecível) viagem por sabores e texturas…
Até a próxima!
Excelente matéria, amo muito queijo artesanal