MARIAS E MADÔS

Coluna de ROSE ARAUJO 

Outone-se – Foto de Rose Araujo

 

 

AQUELA ERA MARIA, Maria das Dores. Nunca soube o porquê de dores tantas em seu nome e às vezes nem via-se tão Maria assim. Eram tempos difíceis nas nuvens de dentro e mostrava-se pouco disposta a grandes imersões existenciais: que o clã das Marias a protegesse de si e de toda gente era o que – de fato – ela desejava.

Ser Maria e introjetar o das Dores a deixava pouco confortável.  E vinham-lhe frases atravessadas, sem sujeito, em verbos enxutos ao extremo. Parecia outro idioma, talvez um dialeto – ao sul de longínquo lugar – e tudo isso orvalhando palavras, debulhando semânticas.

 

AS ETIMOLOGIAS DESLIZAVAM em sua mente fértil, holofotes potentes iluminavam súbitas associações de ideias, involuntárias, lançando-lhes feixes precisos, como em antológica decisão de campeonato. E o sono que não vinha, e não vinha, e nada de vir. Morfeu a quilômetros, sem aceno nem pressa de chegar. Na inquietude crepuscular, bem gostava da balbúrdia estética, reminiscências que a deixavam mais elétrica, entre um sonho e um súbito cochilo. E seu nome composto, ali, ano a ano ecoando força poética e lírica, em poesia de dias, de histórias, de memórias, sob o olhar de mulheres tantas em labutas cotidianas, forjando novas marias.

 

DAS DORES CRESCEU, trazendo nos ombros a face de dor e de amor, em cotidiano estranhamento particular. Nos tempos de colégio era Mariinha, aquela de maria-chiquinha e na faculdade fez-se Madô, onde sua maria se [re]afirmou, pontuando e honrando sua afro linhagem ancestral. Ela vinha de várias Marias negras e mestiças e um buquê de todas elas trazia-lhe maior força, fala e sentido. Mas, de vez em quando, encucava com tal sina, embutida em seu segundo nome. Cismava, cismava mesmo, na verdade encasquetava. Era muita responsabilidade assimilar Maria, que multiplicava-se ao trazer por toda a vida suas dores.

 

TUDO ISSO SENDO REBOBINADO em lapsos de memórias, aguçando os cinco sentidos e intimando o sexto e o sétimo: a memória e a intuição. Tudo se passando em uma fila de banco, aguardando a gerente, abstraindo tempos, absorvendo gentes, tempos e espaços, em filas de Baco, de empregos, de fututos, calhamaços e mercados, sonhos, fazeres, ministrando menestréis, humores e amores.

Sua mente baila, alada, revoa e pousa em naves e oásis. Sim, filas nos rebobinam.

 

MARIA DAS DORES, do Socorro, das Graças, nomes são nomes, ela elucubrava, tatuam-se na pele, apreendem o sujeito e marcam-lhe a vida, ditando-lhe o tempo, revelando-lhe prismas. Mas Madô tinha maiores planos e voos, querendo mais, expandir-se muito mais. E o impulso era todo dela, ao alcance de cada uma delas, de cada uma de nós: em saltos primeiros a vida lhe/nos espera em contínuo ritmo de estreia. Vida é primicia e também trampolim.

 

E lançando-nos no outono, encerrando março,  que lava e leva o verão, dedico esse poema às marias que nos habitam e suas singulares estações, em quilts de dentro.

 

OUTONE-SE

                 Rose Araujo

Outonos, assim, intraduzíveis.

Dias plúmbeos, chuviscantes.

Vento gelado no rosto

contorna o existir

: súbita alegria inspira e expira,

aguçando as narinas.

Ah, o Outono,

o tempo parece expandir-se

a vida se mostra mais larga,

e a alma acalma, em retinas diárias.

À melodia do tempo amarelamos folhas

e passarelamos chãos.

E a alma engrandece, o olhar enternece

e a vida acontece: outone-se!

 

ROSE ARAUJO 

Rose Araujo. Foto: Divulgação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Author

Londrinense-carioca, poeta de inspiração e designer gráfico de profissão, Rose Araujo coordena o Espaço Cultural da CasAmarElinha, em Itaipu - carinhosamente batizada de ItaiPAZ - na Região Oceânica de Niterói- RJ. Realiza lives, saraus e entrevistas sob o projeto itinerante da Passarela da Poesia (@rose_araujo_poeta ), projeto premiado pela APPERJ-RJ e Troféu Arte em Movimento, onde já passaram significantes nomes da poesia contemporânea brasileira. Estreou com o livro Quando Vida Poesia (Editorial Casa, 2022) em precioso prefácio de Tanussi Cardoso e grande receptividade de público e crítica. Membro da APPERJ-RJ, UBE-RJ, IICEM e PEN Clube do Brasil, Rose segue nas feituras do seu próximo livro, Poemas de Aguçar Sentidos, com lançamento em breve. E vamos juntos, evoé!

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