EFEITOS DA PANDEMIA e FESTIVAIS GASTRONÔMICOS: Uma pequena (e necessária) reflexão. Confira entrevista exclusiva com chef Omar Barroso.

 

No meu último artigo, passeamos – juntos! – pelo RIO GASTRONOMIA , um dos grandes acontecimentos da área de gastronomia do país e nele, ainda que en passant, mencionei dois tópicos – a grande importância dos eventos  e a influência da pandemia no setor – que gostaria de discutir com um pouquinho mais de profundidade.

Os Eventos Gastronômicos, na minha opinião, possuem uma importância fundamental na medida em que são capazes de integrar uma cadeia de valor complexa, composta de inúmeros agentes, sejam eles a indústria de alimentos, o pequeno produtor, o prestador de serviço ou o varejo. Quando bem planejados e geridos, são capazes de revitalizar, de desenvolver, de dar visibilidade, tornando-se um espaço de interação e troca de experiências.

Eu tive a honra de participar do Festival Gastronômico AROMAS e SABORES, que aconteceu em novembro de 2016 no município de Itanhandu/MG, convidado pelo chef Omar Barroso (@omarbarrosobrito). E, acreditem, não me encontrava só nessa empreitada, mas muito – Muito! – bem acompanhado, já que, ao meu lado, estavam chefs de renome como Mariana Palmeira (@mapalmeira), Marcelo Henrique (@chefmarceloh), Adriana Machado (@adrianeamachado), Rodrigo Machado (@chef_rodrigomachado) e Leonardo Simim (@chef_leonardosimim).

É uma pena que o evento tenha sido descontinuado, uma vez que ele já estava conseguindo ajeitar-se como uma data no calendário da cidade. É inconcebível que as administrações municipais não avaliem, de forma metódica e coerente, o impacto negativo que o cancelamento, sem uma justificativa aceitável, de algo que está dando certo e que conta com o respaldo da população, acarreta à imagem do município.

É fato que a superveniência da pandemia deu um nó em todo e qualquer planejamento –  de curto, médio ou longo prazo – deixando o gestor mergulhado num emaranhado de incertezas. Medidas tomadas a fim de controlar a transmissão da Covid-19 forçaram o mundo a uma mudança radical no estilo de vida.

As inúmeras restrições impostas levaram a uma redução de 80% na taxa de abertura da indústria de Alimentos e Bebidas (A&B) em alguns mercados, bem como obrigou restaurantes, cafés, bares e lanchonetes a recusar clientes e muitos deles se viram obrigado a fechar as portas. O delivery e as vendas on-line em segmentos que ainda não apostavam nos modelos, surgiram como alternativa e impactaram fortemente a indústria.

Para que estes dois assuntos não ficassem carentes de um embasamento prático, já que me falta a experiência necessária para emitir uma opinião que possa ser considerada – seja experiência na participação e organização de festivais gastronômicos, seja na condução de um negócio vinculado ao setor – resolvi atacar de repórter e entrevistar o chef Omar Barroso – com quem já tive a oportunidade de “dividir as panelas” – acerca dos tópicos abordados, já que ele, além de ter participado de inúmeros festivais e ter ajudado na organização de tantos outros, é também empreendedor do ramo gastronômico e enfrentou – e ainda enfrenta – todas as consequências danosas da pandemia.

Gentilmente, o chef aceitou meu convite.

Então, com ele, a palavra.

Quem é o chef OMAR BARROSO?

Sou um cozinheiro apaixonado pelo que faço. O status de “chef” é uma condição do momento, já que gerencio e chefio uma cozinha profissional. Essa paixão me levou a buscar uma formação específica e, posteriormente, uma especialização em qualidade.

Estudo, estudo e mais estudo. Não é só pegar uma panela e sair fazendo de qualquer forma e qualquer jeito. É sério e envolve muita responsabilidade.

Pratico uma gastronomia autoral despojada, mas, ao mesmo tempo, metódica, prezando por bases, técnicas, segurança alimentar e em busca constante da excelência.

Conte-nos sobre sua experiência no ramo, desde o Bistrô D´Artagnan até o Butiquim do Bistrô.

O Bistrô D’Artagnan  surgiu há 21 anos, embora tenha se confirmado juridicamente apenas em 2018, quando retornei ao município de Itanhandu, depois de residir por alguns anos em Belo Horizonte.

Havia encontrado um ponto maravilhoso, cheio de nostalgia e charme, quase um porão ao lado da linha férrea e de frente à charmosa estação ferroviária. E ali nascia o Bistrô D’Artagnan, com um cardápio simples, enxuto, mas cheio de criatividade, de sabores intensos, de experiência entre a simplicidade e o prazer ao degustar.

Durante a pandemia, recebi uma notificação extrajudicial do registro junto ao INPI da marca D’Artagnan, com cópia dos registros e tudo mais, me obrigando a mudar o nome de fantasia do estabelecimento. Mudei e nasceu, assim, o Butiquim do Bistrô (@butiquimdobistro).

Pouco depois apareceu  um novo ponto comercial e, junto com o proprietário, fizemos as reformas necessárias para acomodar o restaurante, que foi inaugurado, com muito esforço, no auge da pandemia, entre abril e maio de 2021 e estamos, até hoje, em nosso mosqueteiro endereço, Rua Nicolau Scarpa 312, Centro, Itanhandu, Minas Gerais

Como foi o processo de elaboração do cardápio para o seu empreendimento? O que levou em conta?

Foi um processo que começou muito antes.

O primeiro foco surgiu com a mentalização do que eu gostaria de preparar e servir. Coloquei tudo em um papel e comecei a fazer as fichas técnicas de cada um desses preparos.

Com a ficha técnica elaborada, o primeiro passo foi levantar os materiais necessários para o preparo, desde equipamentos até a louça e esboço do empratamento. Assim, consegui ter uma visão de como poderia iniciar, os insumos, os custos, a mão de obra e treinamento necessário, o valor final com todos os custos embutidos e, principalmente, se haveria público consumidor. Muitos foram descartados, outros surgiram e foram avaliados.

Vários de nossos preparos logo se tornaram  obrigatórios e referência e não podem faltar de maneira alguma, enquanto outros foram abolidos do cardápio mesmo havendo consumidores fiéis e outros, ainda, surgem na oportunidade e são apresentados como opção sazonal.

Como você avalia o impacto das redes sociais no seu negócio? Você pretende ampliar a utilização?

Del, são inovações tecnológicas que não podemos descartar. Com todos os impactos que os serviços de restaurantes sofreram desde o início da pandemia, o reinventar foi a opção mais avaliada por nós. E as redes sociais estão aí, divulgando nossos produtos em um piscar de olhos. Notamos, hoje, que uma das primeiras reações dos clientes é fotografar a elaboração servida e imediatamente postar em suas redes sociais. Isso gera um imenso fator de multiplicação, eleva o desejo de conhecer essa experiência, de viver também aquele momento.

Você tem conhecimento de algum levantamento econômico dos prejuízos com fechamentos de bares e restaurante devido as ações impostas para combater o Covid-19?

Claro! Os prejuízos foram enormes!

Até hoje ecoam os resultados no setor de A&B decorrente dos fechamentos impostos. Creio ter sido um dos segmentos mais prejudicados.

Inúmeros restaurantes, muitos deles tradicionais, fecharam as portas. São famílias e mais famílias que tiveram suas vidas completamente mudadas da noite para o dia. É um prejuízo irrecuperável!

Aqui mesmo, em Itanhandu, sentimos pesadamente. Diversos empresários do segmento caminharam em uma tênue linha entre o “permanecer” e o “fechar”.

Será que, após essa pandemia, as experiências gastronômicas dos restaurantes e bares vão mudar? Como você avalia o futuro do setor?

Creio que aprendemos muito com toda essa louca pandemia. Algumas tendências se fortalecerão e as inovações serão revisadas por todos os setores envolvidos.

Uma tendência que já está sendo muito difundida é a busca por espaços ao ar livre. A implantação de parklets (miniparque, isto é, espaço compacto de convivência implantado em locais anteriormente utilizados como estacionamento ou em terrenos baldios e em sobras de terrenos) e jardineiras possibilitando a ocupação de ruas em determinados horários, é exemplo disso, especialmente se desejamos trazer ao município experiências gastronômicas mais livres, abertas, com participação popular e divulgação turística. Todo esse movimento gera alegria, descontração, informalidade e uma maior interação entre o público presente, mantendo o distanciamento necessário e seguro.

Existe hoje uma maior preocupação com as embalagens utilizadas devido ao incremento do delivery. Todos buscamos um diferencial e a sustentabilidade pode ser um caminho. Não podemos mais utilizar os famosos descartáveis plásticos ou de isopor que demoram anos e mais anos para se desfazerem e a busca por embalagens recicláveis e compostáveis, isentas de plásticos, deve se consolidar no segmento de A&B.

Todos desejamos ter a mesma experiência do restaurante também no delivery. Menus simples e enxutos, preços convidativos, esmero na elaboração e na apresentação, a valorização do sazonal, do produtor local, orgânico, sustentável, o “levar o restaurante para dentro de sua casa”, todos esses serviços devem estar, de alguma forma, agregados ao delivery.

Como os bares e restaurantes estão voltando à atividade econômica após o isolamento social? Como será o “novo normal”?

Vejo ainda que qualquer resposta incisiva a respeito deste “novo normal” e retorno das atividades ainda é mera especulação. O foco tem que ser o cliente, quais são suas expectativas e como poderemos suprir. Seja com uma maior transparência de toda a segurança alimentar envolvida e, embora as regulamentações ANVISA sejam bem corretas e satisfatórias quando aplicadas, elas devem ficar mais transparentes aos clientes. Todos buscam segurança em todos os aspectos, seja no distanciamento, na higiene, na simples oferta de produtos de assepsia, nos amenities individuais e descartáveis como molhos, azeites, temperos, pimentas e outros, na embalagem individualizada de talheres e guardanapos e assim por diante.

Esse retorno será gradativo, de muita cautela e extrema responsabilidade, não só por nós, estabelecimentos, mas também pela consciência dos clientes, que devem fazer o isolamento logo aos primeiros sintomas evitando, assim, a contaminação comunitária dentro dos estabelecimentos de A&B.

Como a pandemia afetou sua atividade?

As consequências são as mesmas de todos os outros. Por mais que tenhamos nos reinventado, as perdas foram enormes. O delivery, por si só, não mantém um estabelecimento, pode apenas contornar uma crise. O cliente pode pedir a alimentação em seu estabelecimento, a bebida em outro, e a sobremesa em um terceiro. Enquanto que, se estivesse fisicamente presente, certamente todas essas vendas seriam feitas em um único estabelecimento. Estudos apontam que a queda de receita é em torno de 27% antes da pandemia, valor extremamente considerável.

A manutenção durante o período de maior restrição foi apenas de administração dos prejuízos, realizada com muito esforço, muito cuidado na geração de despesas, na preservação da qualidade diferenciada e no foco total na satisfação do cliente, seja na modalidade presencial, take away ou delivery.

Na sua opinião, a realização de um evento de gastronomia – seja ele um Festival Gastronômico, um Circuito Gastronômico, uma Temporada Gastronômica, uma Semana Gastronômica, uma Feira Gastronômica, um Concurso Gastronômico, uma Mostra Gastronômica ou um Street Food – pode colaborar significativamente na recuperação do setor?

Claro!

Todo evento voltado para gastronomia impulsiona o setor e movimenta a cadeia produtiva de forma ímpar, transformando-se em ferramentas fundamentais de incremento.

Logicamente são festivais pensados e estruturados com todos os setores que envolvem o mesmo, com datas bem definidas e fixas e que acabam, por sua excelência, virando referência. Mas a estruturação tem que ser muito bem planejada, de forma a permitir a participação de todos, desde aqueles que desejam montar barraquinhas gastronômicas até os estabelecimentos que possuem estruturas impossíveis de serem deslocadas e o público é convidado, durante o evento, a ir ao seu local!

Mas agora não é o momento, estamos ainda em uma pandemia de futuro incerto e desconhecido.

Você já participou de “festivais de gastronomia”? Como você avalia a experiência?

Participei de diversos deles e afirmo ser uma troca de experiência única, enriquecedora. Um contato estreito com o público e bastante diferente daquele do seu dia a dia. Uma incrível troca de conhecimento entre cozinheiros e profissionais da área, uma oportunidade de realização de oficinas culinárias, dentre outros tantos itens positivos e agregadores.

Como você entende que deva ser a estrutura de um evento de gastronomia que realmente gere resultados efetivos?

Del, essa estruturação é o mais importante. Em um evento buscamos divulgar a cultura local. E como digo, gastronomia é cultura. Ela envolve o conhecimento dos insumos e produtores locais, a oferta, diversificação e qualidade. Envolve o conhecimento dos profissionais locais que podem trabalhar com tudo isso criando, inovando e realizando uma cozinha autoral local. Envolve a capacidade turística municipal, os meios de hospedagem, de entretenimento e, lógico, segurança alimentar em todo o processo. Isso tem que estar disponível para proporcionar, a cada ano, uma experiência mais incrível!

O fato é que não existe um evento de sucesso se todos os envolvidos não participarem da estruturação dele, ao menos inicialmente.

Valorização dos pequenos negócios; aumento do faturamento em muitos casos, pós visibilidade do negócio; integração com a cadeia de valor do setor; valorização da cultura, dos ingredientes e das potencialidades locais; promoção do turismo gastronômico; identificação de talentos locais e regionais; inserção da ação no calendário de eventos da região; conquista de novos clientes e aprendizado de trabalho em grupo podem ser resultados efetivos da realização de um evento de gastronomia bem planejado?

Com certeza. A experiência de participação em festivais gastronômicos é gratificante e engloba, de fato, todos esses argumentos. Um brinde a eles!

 

 

Depois desse bate-papo, acho que podemos concluir algumas coisas:

  • O setor foi, certamente, o mais afetado pela crise sanitária e humanitária sem precedentes que assolou o planeta, mas ele vem se reinventando e retomando, aos poucos, o crescimento. Claro que ainda falta muito para voltar ao nível pré-pandemia, mas há um grande otimismo de que isso se faça com a maior brevidade possível.
  • Os eventos gastronômicos, em todas as suas modalidades, apresentam-se como uma grande ferramenta disponível ao administrador. Com persistência e um planejamento eficaz, é possível fixá-lo no calendário anual de atividades do município e, com o tempo – e a famosa propaganda “boca a boca” – tornar-se um grande captador de recursos e gerador de riquezas.

Espero, como todos, que a pandemia recrudesça e que a vida volte ao normal – ainda que seja um “novo” normal. Espero, também, que o retorno dos festivais gastronômicos, em todas as suas modalidades, dentro de seus padrões “normais”, com presença de público, incentive fortemente  os prefeitos dos municípios do país a promovê-los ainda mais, dando-lhes a merecida relevância e reconhecendo todo o potencial que possuem na divulgação da cultura local.

Estaremos – SEMPRE – na torcida!

Até a próxima!

DEL SCHIMMELPFENG

@del.schimmelpfeng

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Author

Del Schimmelpfeng é Analista Judiciário do TJERJ, mas desde que se lembra - e coloca tempo nisso! - ama cozinhar! Apesar de ter feito as faculdades de arquitetura e direito, é se misturando aos pratos, panelas e temperos que se sente inteiro, completo, pleno. É autodidata, nunca fez curso de culinária, tampouco se imaginou um profissional da área. Considera-se apenas um curioso, que procura o conhecimento em tudo e que tenta, de todo jeito, viver da melhor forma possível - apesar de todas as dificuldades. Afinal, não haveria graça se elas não existissem... Participou da seletiva da segunda edição do Masterchef e da décima nona edição do reality "Jogo de Panelas", apresentado por Ana Maria Braga no programa "Mais Você" da Rede Globo, na qual sagrou-se campeão. Possui, ainda, textos publicados em livros de conto e poesia. Blog: http://delschimmelpfeng.blogspot.com Instagram: @del.schimmelpfeng

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