Faço descobertas de madrugada. Achando que os pássaros vinham de manhã cobrar-me as frutas, descobri que cantam freneticamente às 4 horas. Sem pretensão de que queiram chamar minha atenção, penalizo-me por esguelarem-se à toa, por horas, até que se inicie a manhã.
Conheci o silêncio da madrugada quando meu filho era bebê. Eu o amamentava, depois de ele acordar-me, chorando, e sempre havia, ao fundo, um pássaro cuja espécie não identifico. Em espaços de tempo quase iguais, ele piava longamente. Não era um lamento, era vibrante. Mas as notas se espalhavam madrugada adentro.
Hoje, quando as noites são insones, ele ainda me lembra: a escuridão é passageira, o silêncio não é solidão e o dia amanhecerá.
Mas este pássaro não se mistura à algazarra que mencionei. Às 4h, são muitos, uma agitação, que, em nada, combina com minha vontade de continuar dormindo. O silêncio da rua faz suas vozes transportarem-se vividamente até o quarto: parecem estar à beira da janela e estão nas árvores.
Entre os sons da noite, há o da caminhada do rapaz maltrapilho, a remexer o lixo. Sei que ele está na rua quando escuto o barulho das latas reviradas. Uma ou outra vai ao chão. Curiosa, um dia, fui até a janela e foi aí que o vi pela primeira vez. Ele as selecionava com cuidado e, quando uma caía no chão, se não a guardasse no enorme plástico preto que porta, ele a punha de volta na lixeira. Depois, seguia, pela rua, invisível e discreto.
Sentada na varanda, se me falta a movimentação do dia, distingo os ruídos. A mais leve brisa é percebida como vento, se sacode os sinos pendurados. Um cão ladra solitário no quintal da esquina, sabe-se lá o que terá interrompido seu sono. Espero pelo pássaro conhecido. O homem, só na véspera da coleta do lixo, em seu próprio cronograma de trabalho.
Se há lua cheia, penso em magia, talvez romance. Ainda que nada ocorra, a espera preenche o vazio deixado pela esperança. Contra as luzes do bairro, desenha-se o contorno da montanha e, mesmo no escuro, posso adivinhar-lhe em detalhes. A rua vira céu com seus pontos iluminados.
O céu negro não se torna azul com facilidade. Tons laranjas se desenham por volta das 4h, forçando-se contra a barreira da negritude. Às 5h, o céu, às vezes, é meio rosado. Quase sempre, a lua espera pelo sol. E, quando ele está no alto, o azul domina. Sendo outono, em tom especial, quiçá pintado à mão pelo Arquiteto.
Só sei disso porque me tira o sono a incerteza. Porque não enterro a preocupação. Quando a fina camada de equilíbrio desmorona, abro os olhos na madrugada. Reclamo dos olhos pesados, do cansaço no corpo, tendo contemplado o abismo da noite e o subjugado ao raiar do dia. Em dias tranquilos, esquecerei de tudo.
A essa beleza, só acessam os sentinelas.
gostei muito do site parabéns pelo conteúdo e pelo texto
Obrigada, Marcelo! Volte sempre.