Uma das grandes alegrias da vida é minha varanda ser frequentada por passarinhos.
Nossa aproximação começou na pandemia quando, em isolamento, resolvi interagir com os visitantes arredios. Quis agradá-los com frutas e, se no início só um se aproximava, desconfiado, alternando-se com outro, logo a novidade se espalhou e mais vieram e começaram a comer aos pares e aos trios.
Não que sejamos íntimos. Se me vêem, voam. Mas se sentem à vontade para cobrarem, pela manhã, o atraso no fornecimento da frutinha gelada. Piam, em protesto, à beira da janela. Sabe como é: dá-se a mão, já se espera o braço.
Observo que a sociedade da varanda possui uma hierarquia. Em baixo patamar, estão os sabiás-laranjeiras, abrindo espaço para os sabiás-pocás e para os bem-te-vis. Estes, quando pousam ao lado do prato de mamão, dominam a cena. Ninguém ousa aproximar-se. Ficam lá pipilando, olhando para os lados, enquanto os sabiás se enfileiram na grade esperando a hora de, também, deleitarem-se. Impõem sua autoridade sobre os demais.
É preciso dizer: lindos! Fofoqueiros, alegrinhos, agitados, passam rapidamente, voam, voltam, cantam, pousam na planta, lançam-se no ar deixando sua presença no balanço das folhas. Ninguém os nota, além de mim. Enriquecem minha vida com essa movimentação.
A parte complicada da relação é a sem-cerimônia com que se servem dos frutos da jabuticabeira. Não sobra nem um pra contar a história. Se me perguntam se as jabuticabas são doces, não posso dar testemunho. Os passarinhos comem, sempre, todas. Conhecedores profundos, enquanto vigio os frutos, esperando o amadurecimento, eles identificam o dia, a hora, o momento. Encontro-os bicados, para minha frustração.
Até agora, provei um. Nascido na parte mais baixa do tronco, dentro do vaso, protegido do assanhamento do passaredo. Os outros foram parar em bico de ave. Mas não fico triste; alegra-me saber que nova expectativa os trará de volta, tornando habitual a visita.
Efeito colateral inesperado: na cola, os morcegos vêm, atrás de frutas, no fim do dia. É preciso lembrar de recolher os restos para evitar os vôos rasantes das criaturas da noite. Sob protestos do irmão que, de sua casa, me diz que morcegos também têm lá sua dignidade, sonhando convencer-me a alimentá-los à distância. Sem chance.
Moro num apartamento pequeno e aconchegante. Tenho uma varandinha que me traz horizontes. O verde da mata, as rochas da reserva florestal, um pico em destaque. Abre espaço às plantas e flores. Vira maternidade de lagarta e de percevejos de mato. Lá, alimentam-se passarinhos. Caminham, juntos, jabutis. Nessa rotina “besta”, meu coração se dilata e a vida desacelera. Construo momentos de ser feliz.
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo
Que leitura gostosa, a da crônica “Ah, os passarinhos!”!
Ninguém precisa ser um birdwatcher, nem, muito menos, um ornitólogo, para apreciar essas pequenas joias vivas que vivem ao nosso redor. Basta acompanhar o olhar amoroso como o de Ana Gosling, que nos descreve cenas com uma linguagem leve e delicada e ainda nos brinda com lindas fotos. Que prazer!
Mais um momento mágico e poético do ÀS QUARTAS. Parabéns a Ana. Que continue nos brindando com essas lições de vida e delicadeza. Precisamos todos.
Obrigada, Luiz Edmundo e Tanussi, pela leitura e pela devolutiva carinhosa de vocês! Muito honrada aqui.