A memória de correrem, os dois, na direção do mar. A bronca do pai, ao fundo, por sujarem de areia os corpos estirados na praia. A excitação para alcançar o espaço mágico em que, leves, um poderia ser levantado pelo outro. O universo de conchas e peixes, ignorado na superfície, revelado a quem, como eles, tinha coragem de abrir os olhos debaixo d’água, sem intimidar-se com a ardência do sal.
O seu andar não tinha mais a potência de antes. O cansaço dos últimos dias fez diminuírem as cores na palheta dos seus olhos. Os pontos de luz solar sobre a água não se faziam notar. O caminho à frente era um tapete verde, outrora esmeralda. As ondas, de que brincou fugir tantas vezes, puxavam seu pé na direção do mar.
Para o irmão, o oceano nunca foi mistério. Amansava as ondas com a prancha, acariciava as águas com o remo da canoa, percorria distâncias em lanchas alugadas para descobrir o que haveria além do horizonte. Ela o esperava, ancorada na praia. Primeiro, detida pelo pai, por ser muito nova. Depois, adulta, ensinando limites, freando, à mão, os impulsos do filho. Sem perceber, perdeu o ritmo das braçadas. A vida lhe exauriu a habilidade de imersão. Sentara-se à beira. Até o irmão não retornar do último mergulho.
Por um momento, não se importou de encharcar a saia nem a blusa ou os cabelos. Permitiu ao mar decidir quando puxá-la e se a lançava, de volta. Afundou os ombros, a cabeça, deixou espalharem-se os cabelos, com os fios embaralhados pelas ondas. Abriu os olhos, sem distinguir formas no denso entorno que a cercava. Deixou as bolhas de ar subirem, mostrando a direção da superfície.
Desejou surpresas. Que surgisse um peixe, um golfinho ou o irmão, nadando, para mostrar-lhe a casa submersa que agora habitava. Que o mar a ajudasse a erguer-se sem pesos, anulando a lassidão diária. O acolhimento morno daquelas águas a fez ignorar, lá fora ,o sol apontando a porta de saída. Não é sempre que se tem a sorte de voltar ao ventre e de ser embalada. Sonolenta e cansada, entregou-se.
Sorriu, imaginando o irmão, criança ainda, a dar-lhe um caldo. Abriu os braços, esperando que ele a abraçasse, levando-a para cima. Mas, de novo, ele não veio. Ali, onde tudo era silêncio e ausência, chorou sem dar-se conta, confundindo suas lágrimas com o oceano que a cercava. Uma onda a arrastou, deixando-a num lugar onde seus pés voltaram a tocar o chão.
Na beira d’água, um menino lhe acenava freneticamente. Pareceu-lhe o irmão porque ela se sentiu menina. Era o filho, impaciente, aguardando montarem, juntos, um castelo de areia. Era ele a recordar-lhe seus limites. Sentaram-se à beira do mar, deixando a água invadir os corredores da frágil construção. Ela envolveu a criança num abraço e, assim, à margem de si, permaneceu segura.
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com César Manzolillo