Com Ana Lúcia Gosling

Foto: Shakib Uzzaman, em Unsplash
Sorte, dirão. Digo: resiliência.
Para não chegar atrasada, termina a maquiagem no caminho.
Se recusam o projeto, incrementa o relatório com dados reais apoiando suas ideias.
Se não tem companhia, arruma-se para o teatro, paga-se um sorvete e repara a lua, a rua, as gotas da última chuva evaporando, desenhadas pelos raios de luz vindos dos postes.
Sorte, insistirão. Eu: atitude.
Não se atrasar. Para o trabalho. Para o amor que precisa ser demonstrado para tornar-se real. Para a conversa difícil. Para a reciprocidade ao gesto solidário. Para a mensagem do dia seguinte. Para o próximo convite.
Saber escolher. A hora do despertador tocar, entre a vontade do corpo e o tempo do compromisso. Entre a paz da manhã e o dever que chama. O tempo de sair, por morar distante. O tempo de voltar, suficiente para criar memórias, trocar carinhos, contar histórias.
Aprender a aceitar. Nem tudo está sob seu comando. Muita coisa não possui comando algum. O amor pode pouco. A eternidade em vida é uma fantasia; na morte, uma aposta, não uma certeza. Coisas boas passam; as ruins também.
Sorte? Ousadia!
De apontar o desconforto para não sucumbir à mentira. De abrir sorrisos, mesmo após chorar no chuveiro. De garantir a casa, a comida, o afeto, mesmo sem saber como sobreviverá ao dia seguinte. De obrigar-se a realidade, mesmo atraída pela fantasia. De recomeçar depois do fracasso, da decepção, da impossibilidade, do medo. Recomeçar sempre.
Sorte, sei…
Apontam-lhe os que nunca precisaram arriscar-se. Os que têm o peito blindado. As costas quentes. O privilégio garantido. Os covardes que, contando com seu amor, sabem-se protegidos por ela, sem precisar protegê-la.
Aqueles que lhe cobram em ouro sem nunca conhecer o dourado despertar na madrugada. Que lhe exigem cuidado sem nunca lhe cobrir nas noites frias. Que amam sua utilidade, rejeitam suas imperfeições, alienam-se das suas necessidades individuais.
Sorte têm eles. Dirão ser dela.
Ela se esgueira pelos vazios afetivos, pelas encruzilhadas de angústia, pelos desafios enfrentados em solidão. Levanta-se no meio da batalha. Protege-se e à cria. Cuida dos seus amores, mantém-se em pé mesmo a correnteza lhe puxando para o fundo.
Abre os braços para aninhar seus tesouros; os olhos, para não se deixar enganar pelo que lhe sopram aos ouvidos. Resiste aos desafios, constrói nova realidade e continua no caminho.
Sorte? Resiliência, atitude, ousadia? Talvez.
Mas, de perto, perceba: o que não falta no silêncio, no passo pequeno, na lágrima contida, no corpo recolhido à cama no fim do dia. O que nunca lhe falta, mesmo, é a coragem.


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com César Manzolillo













