ÀS QUARTAS – No fim, tudo dá certo

Foto: Saksham Gangwar, em Unsplash

 

Cláudia foi educada para ter um rumo na vida. Moça de família em busca de um rapaz direito, que a fizesse arder de amor. Constituir família. Nada de ficar para titia.

Reconheceu em Pedro sua alma gêmea, sentindo o coração acelerar. Foi flechada. Pedro era a pessoa certa na hora certa. O amor verdadeiro. Todos concordavam que haviam sido feitos um para o outro. Não demorou para casarem-se.

Cláudia quis vestido branco e aliança. Altar enfeitado com flor. Chuva de pétalas. Tapete vermelho e marcha nupcial. A família perguntaria “quando vem o neném?”, até o primeiro filho nascer. E, depois, “quando vem o irmãozinho?”, até a menina chegar. Filhos, os presentes de Deus. O menino no futebol. A menina no balé. Área de lazer aos domingos. Foto com Papai Noel no Natal. Viagem à Disney. O sonho completo.

O casal seguiu, por anos a fio, o roteiro traçado. Casa própria. Filhos na faculdade. Mas o tempo, aos poucos, distanciou os dois. Sentiram o amor morrer. Cláudia não queria acreditar. Pedro era o homem da sua vida. Que a trocou por outra, anos mais jovem, abraçando, feliz, o estereótipo.

Cláudia quase morreu de paixão. Como se o seu amor fosse castelo de areia que a onda do mar levou. Chorou rios. O coração sem direção, perdidas as referências que conhecia. “Não soube segurar o casamento”, disseram as tias. “O que tiver que ser, será”, conformou-se a mãe. “Dona do seu nariz”, vibraram as amigas, inspiradas em sua força de superação.

A vida arrumada, os filhos crescidos, precisou inventar saídas. E rompeu com os clichês.

Entregou-se ao vazio da casa, encaixando passatempos, sem pressa nem interrupção. Espalhou-se na cama de casal, deliciando-se no conforto de dormir sozinha. Ocupou o armário vazio com casacos de frio, próprios ao clima dos países que visitou. Fez família no mundo. Encontrou pessoas afins, semeando laços frescos. Com alguns homens, colheu felicidade mesmo onde não coube eternidade. Deixou seguir os que a machucaram, esquecendo-os entre os risos das descobertas. Por vezes, construiu sobre o movediço para deixar-se tragar. Reergueu-se, sempre, em novo chão.

Dizem a vida ser mais leve para quem tem companhia. Mas estar só não a paralisa. Conhece os perigos e enxerga além. Sonha futuros inimaginados e aposta no melhor. Se lhe prometem uma vida como a anterior, hesita. Aprendeu a negociar. Condiciona sua presença a cenários em que, mesmo cedendo, ainda possa experimentar-se.

 

ANA LÚCIA GOSLING

@analugosling

 

 

 

DICA DA SEMANA:

Foto: Divulgação – Fonte: sítio do BHV

A dica é, na verdade, um convite para vocês conhecerem o Podcast “Barman das Horas Vagas“. Realizado por Felipe Romano, Gustavo Zaparolli e Ale Stagetti, o programa difunde a cultura da coquetelaria para leigos.

Em cada episódio, um coquetel/drink é selecionado como tema e os rapazes falam do universo cultural em torno dele. Receitas, técnicas, impressões pessoais preenchem o espaço da boa conversa entre eles. O programa traz, ainda, o quadro “Beba que lá vem história”, em que um escritor é convidado a escrever um texto, tendo como mote o coquetel abordado no episódio.

No episódio 35 da quarta temporada, recente levado ao ar, a convidada sou eu! Há uma crônica minha no ar: “Caju amigo“.

Passem lá para escutá-la e aproveitem para conhecer o trabalho dos rapazes!

O “Barman das Horas Vagas”, além de estar em todas as plataformas digitais, tem os seguintes endereços:

Site – https://barmandashorasvagas.com/

Instagram – @podcastbhv

 

Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:


com Ana Lúcia Gosling

com César Manzolillo


com Tanussi Cardoso

 

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

3 comments

  • Ótimo texto. Reinventar-se é sempre necessário para enfrentar este mundo inconstante, em que nada dura a vida inteira. Isso vale para relacionamentos, filhos, trabalho e amigos. Abs!

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  • Leitura leve, fluida, sensível, como costumam ser os textos da autora. Acredito que tocará especialmente aqueles de meia idade, que trilharam/ trilham o mesmo caminho que Claudia.
    Parabéns, Aninha!

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  • BELO , triste, verdadeiro. Obstáculos foram feitos para serem ultrapassados e vencidos. A personagem entendeu que a felicidade não está fora dela mesma. E fluiu para a vida nova,, como sempre fluem em direção à boa literatura os textos da Ana. Parabéns, mais uma vez.

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