Na Turquia, vi o sol nascer num vôo de balão.
Chegamos de madrugada ao campo aberto onde se deitavam dezenas de balões. Estava frio, escuro, mas nos sentíamos excitados com a possibilidade travessa de voar sobre as montanhas rochosas da Capadócia. Talvez não faça sentido para quem recentemente leu minha crônica sobre medo de avião…mas voar de balão é diferente.
Não é pragmático, funcional ou entediante como as horas de que a “bota de sete léguas”, se existisse, nos pouparia. Não vem acompanhado de protocolos de segurança, enunciados sobre máscaras de oxigênio ou objetos proibidos.
Voar de balão é mágico. Uma pausa no tempo.
Há um fascínio infantil em ver o fogo ser aceso e rasgar a madrugada com luz. Há vida em perceber-se o envelope ganhar volume com a massa de ar quente a preenchê-lo. Os sutis movimentos suaves que descolam o cesto do chão, seguro pelos braços dos homens que decidirão o momento de libertá-lo. O som do maçarico aumentando a chama quebra o silêncio e grita potência, como um comando, o limite e a marcação de alguma força. Tudo soa único, segredo a ser contado aos que ficaram para trás, dormindo em suas camas quentes e protegidas.
No balão, planamos, sensação bem mais próxima de voar do que a de viajar numa cabine de avião. Ignoramos o baloneiro e fantasiamos, sem dar-nos conta, que o vento nos carrega e estamos soltos no ar, desenhando no céu, para cima, para baixo, pequenos riscos da nossa passagem. No horizonte, outros se enfileiram, desenhando pontos coloridos contra a geografia e o céu. Parecem parados mas também lhes carrega uma brisa leve.
Os balões vendem ilusão. A suspensão do tempo, da vida. Não precisam levar-nos, de verdade, a lugar algum, permitindo-nos olhar o mundo de cima, ver o horizonte à distância, enquanto pintamos com gotas azuis, vermelhas, amarelas, o cenário do fundo, de barro, pedra e cal.
Quando a poesia assalta a alma, não há medo, nem se requer coragem. O corpo se entrega, a mente relaxa, os olhos se encantam. Deixa-se de lado o razoável: os números de estatística apontam a fragilidade maior do objeto poético e coroam como seguro o pássaro de aço. Mas, fora dos números e noticiários, no terreno sensível da (minha) alma, abraço a ilusão: seguro é o colo que me abriga.
Sedutor, o balão me deixa livre, permitindo ao vento brincar com meus cabelos. Afasto os pensamentos lógicos, emoldurada pelo cesto de vime trançado em que me debruço para guardar na memória o mapa sob nossos pés.
Você não me reconheceria. De certo, me perguntaria de onde veio a ousadia? Aí está: não é necessária. O gesto é, apenas, de entrega. Sinto o sol queimando meu rosto. Faz silêncio. Com os braços abertos, voo.
(*) Nota do editor: A crônica sobre o medo de voar de avião está em https://artecult.com/as-quartas-espirito-gozador.
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com César Manzolillo
Lírico, tocante, poético, belo. Parabéns!