CLARA
Aos 10 anos, Clara produziu o primeiro poema. A garota nunca se comportou como as outras de sua idade. Desde muito cedo, admirava as flores do jardim e os pequenos insetos que lá viviam. Contemplava os pássaros do bosque e conversava com eles, banhava-se de sol e de lua e regalava-se com o brilho das estrelas. Colecionava conchas e passava horas observando os movimentos delicados dos peixes no aquário. E os textos iam se avolumando numa pasta de cartolina marrom escondida embaixo do colchão. Deixa eu ver o que você guarda ai, menina, pedia a mãe. Em vão. Por que esse mistério todo, perguntava o pai. Clara se esquivava. Ela se interessava mesmo era por criar. Ansiava por despejar emoções no papel, preenchendo o branco do nada representado pela folha desprovida até de linhas e margens. Não fazia questão que lhe conhecessem a obra. Trazer a público seus escritos era como despir-se diante de estranhos. Tinha 15 anos quando resolveu se arriscar na prosa. Aquele enredo, aquelas personagens a perseguiam havia muito tempo. Era chegada a hora de mostrar ao mundo sua arte. Lembrou-se então de um tio-avô, jornalista aposentado, autor de artigos, crônicas e contos publicados por aí, textos bem recebidos pelos leitores e, o mais importante, valorizados pela crítica. Me diz o que você acha, tio Hélio. Seja sincero, eu não quero que você fale coisas só pra me agradar, que fique me iludindo. Ao final da leitura, uma sensação de desconforto era visível no rosto do homem. Hélio refletiu por alguns instantes. O tio finalmente falou isso não está bom, você precisa lapidar mais o seu conto. Não deve usar tantos adjetivos nem metáforas tão desgastadas. Por que tantos advérbios? As imagens são pouco impactantes, e os personagens, rasos. Seu texto não emociona, é asséptico, frio mesmo, eu diria. Depois desse dia, Clara nunca mais escreveu uma linha sequer.
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Triste, real, humano. Às vezes, escritores reagem de forma positiva, como um incentivo; outras, perdem-se, através de críticas cruas, objetivas, frias, enormes talentos. Continuo torcendo por Clara. Tomara que a escritora dentro dela reaja!, rs
Boa observação! Nem o tempo sabe quantas Claras foram perdidas pela interpretação impiedosa dos tios Hélios!
Caro mestre, sempre que escrevemos, algo vem a tona do nosso passado repousado no subconsciente. É preciso coragem para expor as emoções, quaisquer que sejam. Durante a escrita surge o momento de continuar ou paralisar a exposição, porque fica sujeita à possíveis interpretações maldosas. Mesmo que estejamos expondo na ficção algo que nos aconteceu involuntariamente, tememos a crítica destrutiva que nos paralisa. Surge a pressa de encerrar o conto. É o que aconteceu com a personagem do seu conto. Tivesse o escritor continuado, aliviando as pressões do campo emocional, a resultante poderia ser uma sublimação da vida, tanto pessoal quanto da personagem, com um final feliz e sucessos.