PORCO COM ORA-PRO-NÓBIS: uma delícia mineira, com gostinho caipira…

Entre uma viagem e outra – seja sem sair do Rio de Janeiro, seja andando por esse país – de vez em quando acho vale colocar uma receitinha por aqui, trazendo as diversas técnicas utilizadas ou insumos ainda pouco explorados dentro da enorme diversidade da nossa gastronomia. E um desses ingredientes, pelo qual tenho um grande carinho, é a ora-pro-nóbis, considerada uma planta alimentícia não convencional (PANC), com grande teor de proteína.

Pereskia aculeata, popularmente conhecida como ora-pro-nóbis, orabrobó, lobrobó ou lobrobô, é uma cactácea trepadeira folhosa. É uma planta, rústica, perene, desenvolvendo-se bem em vários tipos de solo, tanto à sombra como ao sol. Muito usada em cercas-vivas, com frutos do tipo baga, amarelos e redondos. Wikipédia

Vou contar uma pequena historinha.

Meu primeiro contato com a ora-pro-nóbis foi na cidade mineira de Tiradentes, onde lá, como nas demais cidades históricas de Minas Gerais, é utilizada como ingrediente de receitas tradicionais. Por ser uma planta da família dos cactos, ela cresce como arbusto, com espinhos agudos distribuídos ao longo dos caules e ramos, o que dificulta o seu manuseio. Por isso, ela costuma ser utilizada somente como cerca-viva, no que pese seu alto valor nutricional,  que foi como eu tive o primeiro contato com a planta.

Consegui uma pequena muda e a levei para Itanhandu, no sul das Minas Gerais, para a casa de minha mãe. Plantamos lá, e ficamos na expectativa para ver se iria vingar. E não é que deu certo? Ficou linda e cresceu muito – tanto que, vez ou outra, a duras penas, é preciso dar uma podada.

De Itanhandu, fiz uma nova muda e plantei em um sítio, localizado no município de Magé/RJ e, mais uma vez, ela vingou. Porém, talvez por causa do clima ou da insolação, não sei dizer, adquiriu características diferentes. A coloração não se mostrou, assim, de um verde tão intenso e surgiram frutos, como não ocorrera com a planta matriz. Infelizmente, não tenho uma foto recente da ora-pro-nóbis do sítio, essa é de janeiro/2019. Hoje ela está tão grande quanto a de Itanhandu…

É um  ingrediente que considero muito relevante, que deveria ter sua utilização mais difundida, inclusive por conta de seus inúmeros benefícios para a saúde, como prevenção da anemia, melhora do funcionamento do intestino, perda de peso, prevenção do envelhecimento precoce e diminuição do colesterol, já que ela é rica em fibras, proteínas, ferro, vitamina A e vitamina B3, que são nutrientes com propriedades antioxidantes, hipolipemiantes, laxantes e hipoglicemiantes.

fonte

Não vou passar uma receita, com quantidades ou com todos os ingredientes que usei – mesmo porque essa, pra mim, é uma tarefa quase impossível, na medida em que não as sigo. Geralmente, os pratos que faço são criados com o que tenho à mão. Às vezes, na falta de um, pego outro, ou surge um novo, do nada, e é acrescentado na hora.

Mas vou passar a técnica – isso é o mais importante! –  e um modo geral de preparo. É lógico que é algo aberto, você pode, por certo, acrescentar novos ingredientes, como batata, tomate, milho, ou temperos diversos, como cominho, pimenta. Certamente eu fiz isso, mas vou passar só um preparo básico. Usem a criatividade, explorem a enorme biblioteca de sabores que todos nós temos armazenada…

Portanto, mãos à obra.

Na panela da minha mãe, de pedra, coloquei pedaços grandes de carne de porco, previamente temperados com sal e (muita) pimenta do reino. Antes, porém, me utilizei da técnica da salmoura, que é o processo de submersão de um corte de carne em uma solução de sal e água, geralmente utilizando a concentração de 2%. Ela adiciona sabor, tempero de dentro para fora, mas também muda a natureza física da carne. O sal em salmoura desnaturaliza as proteínas da carne para permitir que as células retenham mais umidade. Dessa forma, não corremos o risco de ter uma carne seca no nosso preparo…

A química por trás da salmoura é simples. Sal e água já fazem parte da composição das carnes. Ao mergulhar a carne em uma solução com maior concentração de sal, a salmoura é absorvida pela proteína, assim como os sabores que foram incorporados na solução, como ervas, especiarias e etc. O objetivo desse processo é aumentar a retenção de líquidos, pois a perda de massa será menor durante o cozimento, proporcionando uma maior suculência no resultado final. (fonte)

Acendi o fogo. Ao lado, deixei uma panelinha com um caldo caseiro de legumes fervendo – você pode utilizar água – para utilizar durante o preparo.

Aqui, vamos utilizar a técnica do “pinga e frita“, típica da gastronomia mineira. É um método bem familiar e de origem simples, que consiste em cozinhar a carne lentamente, sem a utilização da pressão ou imersão em água ou caldo, mas tão somente colocando, aos poucos, água fervente (caldo de legumes, no meu caso) e deixando que a carne cozinhe e ganhe uma linda coloração em seu próprio suco e em sua própria gordura.

Colocamos um fiozinho de óleo, banha ou azeite para começar a brincadeira…

Depois, na medida em que frita e faz o fundo de panela, pingamos um pouco do caldo e mexemos, para deglacear. Toda a coloração do fundo começará a ser incorporada à carne, trazendo a reboque um sabor incomparável. Quando secar, esperamos aquele barulhinho da fritura, fazemos um novo fundo de panela e repetimos o processo, pingando o caldo, tantas vezes quanto necessário. Paciência, aqui, é primordial!

Ah, e não esqueça de acrescentar bastante cebola picada. Pode ser toda ela na primeira vez que secar ou, como costumo fazer, a cada vez que começar a secar e fritar, entro com mais um pouco de cebola. A maior parte entrou lá no começo, pois a cebola ajuda a formar um delicioso caramelo no fundo da panela… E uma pimentinha de cheiro e dedo-de-moça são sempre bem-vindas aqui.

No final – e apenas no final – entramos com folhas de ora-pro-nóbis e cheiro verde para completar o prato.

E, agora, é só servir, acompanhado de um arroz branco, uma saladinha de couve crua ou qualquer outras das infinitas possibilidades da cozinha mineira…

Acho que deu pra fazer uma pausa das viagens, né? Uma receitinha rápida, pra abrir o apetite para as nossas próximas aventuras. Sempre é bom voltar ao fogão e às panelas…

E continuo aguardando as sugestões de vocês para os próximos artigos.

 

Até a próxima!

 

DEL SCHIMMELPFENG

@del.schimmelpfeng

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Author

Del Schimmelpfeng é Analista Judiciário do TJERJ, mas desde que se lembra - e coloca tempo nisso! - ama cozinhar! Apesar de ter feito as faculdades de arquitetura e direito, é se misturando aos pratos, panelas e temperos que se sente inteiro, completo, pleno. É autodidata, nunca fez curso de culinária, tampouco se imaginou um profissional da área. Considera-se apenas um curioso, que procura o conhecimento em tudo e que tenta, de todo jeito, viver da melhor forma possível - apesar de todas as dificuldades. Afinal, não haveria graça se elas não existissem... Participou da seletiva da segunda edição do Masterchef e da décima nona edição do reality "Jogo de Panelas", apresentado por Ana Maria Braga no programa "Mais Você" da Rede Globo, na qual sagrou-se campeão. Possui, ainda, textos publicados em livros de conto e poesia. Blog: http://delschimmelpfeng.blogspot.com Instagram: @del.schimmelpfeng

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