E eu que pensei ter ido ao teatro e encontrei uirapurus cantando Chico Buarque…

Foto: Renato Mangolin

 

Nossa História com Chico Buarque“, não sei por onde começar, são tantas as informações, tanta coisa linda para falar que me perco, porque, na verdade, dá vontade de falar tudo de uma vez só, e isso não é possível…

“Nas últimas seis décadas, a obra de Chico Buarque atravessou algumas gerações, foi trilha sonora de momentos icônicos da história brasileira e se eternizou na memória afetiva de milhões de pessoas. Este riquíssimo e diverso cancioneiro foi a matéria-prima de ‘Nossa História com Chico Buarque’, musical inédito, criado especialmente  por Rafael Gomes e Vinicius Calderoni, que estreia dia 29 de agosto no Teatro Riachuelo Rio para celebrar os 80 anos do compositor.”

O espetáculo começa com a entrada da canção “Paratodos“, interpretado sem leviandade pela atriz Soraya Ravenle, que nos traz sua voz doce e muito bem posta. Impossível não evidenciar a atriz nessa cena, ela está magnífica, brilhosa, pode-se dizer encantadora, e claro que abrindo uma obra com a força que precisa.

Elenco de “A Nossa História com Chico Buarque”. Foto: Ana Branco.

Quando Soraya sai do palco, entra o ator Odilon Esteves, o qual é o sinônimo da poesia, quem acompanha o artista, os fãs, sabem bem do que falo. Ele trouxe emoção, trouxe ao meu rosto as lágrimas, porque em seus personagens tem o jovem que foi contra a repressão e um professor, só isso já foi suficiente para me deixar arriada, lembrando de um passado sangrento. Personagens de ontem e de hoje, que representam as mudanças e o futuro. Um jovem sonhador pode ser o estopim de uma guerra e por meio de um professor a revolução e a ciência acontecem, trazendo avanços para a sociedade, pode-se dizer que para o mundo!

Pelo que entendi, o espetáculo conta a história de uma família, na verdade, as gerações de uma família, é preciso estar atento para entender que lugar do tempo estamos, embora sempre informado por um narrador.

Alguns desdobramentos na vida dessa família, se enlaça a história do nosso tesouro nacional Chico Buarque. Um jovem que estudava arquitetura, tráfico de livros, ditadura e festivais.

E tudo enredado as canções de Chico Buarque, e pergunto: teria como dar errado? Não! A orquestra que acompanha as vozes estonteante dos artistas não peca, vai direto para o  céu, aliás de céu esses musicistas entendem bem, pois nos fazem levitar.

A atriz Laila Garin interpreta inicialmente uma dona de casa, como sempre canta e desenvolve suas técnicas com perfeição, ela sempre é aguardada pelo seu público. Laila contribui muito em todos os espetáculos que trabalha e não foi diferente.

Elenco de “A Nossa História com Chico Buarque”. Foto: Ana Branco.

A atriz Heloisa Jorge apresenta uma cantora de rádio no primeiro bloco, uma artista e as gerações dela. Confesso que não a conhecia nos palcos e ponho-me a questionar como isso aconteceu. Ela está radiante, como um cometa que passa no céu, espalhando luz e fogo. A voz da atriz é clara, confesso que é um bálsamo aos ouvidos, e não só isso. Há nela elegância, sensualidade e tudo mais que um corpo precisa para atuar, impossível não se deleitar com a atuação dela, perfeita do início ao fim.

Ela encena a lado de Laila, há tanta harmonia entre elas, há encaixe certo, ficamos a espera das cenas de ambas juntas, porque há verde, há habilidade artística em ambas, e isso faz com que as cenas voem, e sejam aceitas por nós espectadores.

“A idealização do projeto é da Sarau Cultura Brasileira, de Andréa Alves (‘Elza’, ‘Suassuna, o Auto do Reino do Sol’, ‘Jacksons do Pandeiro’, ‘Viva o Povo Brasileiro’, ‘Azira’i’). Laila Garin lidera o elenco de dez atores e quatro músicos, que estarão sob a direção musical de Alfredo Del-Penho. As muitas canções de Chico – algumas já clássicas – vão embalar e contar a história de um épico íntimo sobre a saga de duas famílias ao longo de várias épocas, entre 1968 e 2022. Este é o segundo espetáculo em que Laila e Rafael se desafiam na obra buarqueana: o primeiro foi ‘Gota D’Água [a seco]’, em que fizeram uma releitura do espetáculo criado pelo compositor em 1975.”

Falando em espectadores, Andrea Alves foi bastante ousada, ela apresenta duas mulheres que se apaixonam e se amam com o passar do tempo. Senti a plateia quieta demais, será que isso foi a não aceitação da homossexualidade, de um público amadurecido de modo a escutar execuções musicais perfeitas ou encantamento, acho tudo possível. Uma senhora sentada perto de mim dizia em algumas cenas: credo! Outras diziam estar impactadas, sei que o silêncio era grande. Andrea não errou, muito menos Rafael Gomes e Vinicius Calderoni no texto, afinal Chico Buarque é isso, sempre a favor da liberdade, lutou por ela, teve que sair do país que nasceu por ser perseguido por não aceitar o autoritarismo, o golpe, a ditadura, os assassinatos cometidos pelo exército na época da sua juventude. E temos muito a agradecer por isso. 

Vale também mencionar a produtora Sarau, que carrega no seu nome cultura brasileira, sempre prorizando em seus espetáculos a nossa identidade, nossa cultura genuína.

Não há no espetáculo posicionamento político, como determina a lei de incentivo, e olha que falamos de um letrista vermelho, petista mesmo!

Na história, Arthur Volpi e Luisa Vianna interpretam jovens que se casam, também há conexão de sobra entre eles. Com vozes belíssimas, atravessam o tempo. Volpi apresenta um personagem muito bem montado, uma excelente criação, com movimentos corporais e tons de voz durante o texto que se destacam. Muito bom mesmo!

Cyda Moreno, também faz participação especial no espetáculo, em uma das cenas, queima o público, que explode em palmas. Ela trabalha para a família, durante a ditadura perde o marido, ele falece após ser espancado. O texto que ela apresenta na cena é muito bem escrito e a atriz traz a alma para ele, defendendo as questões dos negros atualmente, quando ela para de cantar a canção “Construção“, o elenco continua cantando, enquanto ela parece continuar brigando com o sistema, uma belíssima cena.

Felipe Frazão e Larissa Nunes, formam também outro jovem casal, também são sadios em suas performances, vozes lindas. Felipe é divertido em cenas do futuro, pois traz um jovem que está muito conectado as redes sociais, ele faz muito bem o papel, um papel do tempo dele, da juventude do artista. Os vovôs e vovós da plateia apenas dizem em suas poltronas: é assim mesmo! Eu só ria das reações diante das cenas. 

Flávio Bauraqui, interpreta um chefe de família, já sem tanta juventude, sem muita fé, pareceu desistimulado, com receios. O artista está ótimo, tem gesticulações potentes demais, emana do artista uma elegância em sua postura teatral. Ele é um ator concentrado, isso é notável, quando atua como personagem da outra geração da família. A música “Apesar de Você” trazida por ele, nos leva a outra dimensão,  a canção que costura a história do personagem conta com gestos lentos fenomenais, junto a iluminação, uma riqueza. Posso afirmar que ele canta e atua por todos nós também,  faz pouco tempo atravessamos o perigo de um poder menos democrático. Essa canção foi bem cantada em bares, com toda nossa força, nos agarramos a esperança, tínhamos a sensação de jogo perdido, mas saímos dessa! O texto também contribui com a cena, é um grito que sai de nossa garganta. Essa cena é uma das melhores do espetáculo. 

Eu gostaria de parabenizar a direção do Rafael Gomes, embora eu saiba que o artista no ensaio contribui demais para muitas cenas, mas sem a autorização do diretor artístico, não seria possível ver o que vi. O diretor musical Alfredo Del-Penho, é muito bem-vindo. A direção trouxe muitas canções, as mais importantes, as menos conhecidas, as que amamos, alguns hinos que carregamos conosco.

Quanto ao cenário e figurinos, posso dizer que vi uma cenografia que trouxe dinamismo ao espetáculo, e junto ao desenho de luz, auxilia muito nas cenas, trazendo emoção. A iluminação não é delicada, mas potente, parece ter vida própria. O figurino foi inteligente, trazendo as gerações no seu tempo, foi inteligentemente contida. Posso também afirmar que muito bem trabalhada, afinal as peças não sobravam no corpo, nada sem qualidade. Se não me engano tem um efeito especial na cena que a personagem de Laila sonha com uma atuação ao lado da sua idala Lindalva. Dois dos figurinos da atriz Heloísa Jorge que fogem dessa assinatura contida, por se tratar de uma cantora importante da época, essas mostram refinamento e ótimo gosto, empregada na cena certa!

E Odilon Esteves? O deixei por último para fechar essa escrita. Em um dos seus primeiros textos, ele fala sobre as músicas que estão em nós, estão em nossas memórias afetivas, que como bússola nos leva a momentos de nossas vidas, fazendo-nos reviver o passado saudoso, que excelência e verdade de texto e atuação nesse momento específico.

Quantos não cantaram em uma banheira de motel  as canções “Folhetim” e “Sob Medida“, se não o fizeram, tá mais que na hora de fazer!

Quem nunca ouviu em um cabaré “Geni e o Zepelin“? Cabarés são lugares de conversar sobre política, exatamente por isso, Hitler destrui todos eles!

Quem não cantou a “A Banda” ou “Os Saltimbancos” para uma criança? Elas adoram!

Quem em uma roda de samba não cantou “Partido Alto“, “Sem Compromisso“,  “Deixa A Menina” e “Pelas Tabelas“, se não, você precisa frequentar outro lugar, para entender de samba ou dançar uma boa gafieira…

Quantas mulheres nunca se viram cantando “Cotidiano” diante de seus afazeres?

Quem não cantou “afasta de mim esse calice de vinho tinto e sangue” diante de um desgraçado que imitava nossos familiares morrendo sem ar, durante uma pandemia que matou milhares brasileiros, entre eles a minha mãe?

Quem não sonhou em cantar “Amanhã há de ser outro dia” em dois mil e vinte dois? Se não o fez, certamente você está do lado errado, infelizmente.

Quantos nomearam a filha de Luiza por conta da musica do Chico? Eu mesma conheço um advogado que o fez e até hoje com quase oitenta anos canta para sua filha a belíssima melodia.

Quantos não cantaram Chico? Quantos nunca se alimentaram das canções desse letrista?

Somos uma nação grata a Chico, por suas canções que atravessam os lares, porque quando nos reunimos em casa, é com orgulhos que nossos pais nos apresentam um dos homens mais incontidos musicalemente que temos.

Chico faz parte da política brasileira, mas o que não é político? Viver é um ato politico caro leitor, abaixar o som enquanto ouvimos  “Vai Levando” para não atrapalhar o vizinho é política da boa vizinhança, por exemplo.

Chico é tesouro nacional sim, é a história do país que nasci, ele é a efervescência do nosso intelecto, como uma lagarta que queima, assim são suas canções que causam movimento e calor, porque falam com TODOS nós, há vida em suas letras!

Vá assistir, se não gosta de teatro vá pela música, se não gosta de música, aí você precisa aprender a gostar, porque não gostar de arte é um problema sério…

Eu gostaria de agradecer a assessoria do teatro Riachuelo, a MNiemeyer pelo convite.

 

Algumas imagens do Espetáculo

Fotos: Renato Mangolin

 

Ficha Técnica

  • Argumento Original: Rafael Gomes
  • Texto: Rafael Gomes e Vinicius Calderoni
  • Músicas: Chico Buarque
  • Direção: Rafael Gomes
  • Direção Musical e Arranjos: Alfredo Del-Penho
  • Idealização e produção artística: Andréa Alves
  • Diretora de Projetos: Leila Maria Moreno
  • Desenho de som: Gabriel D’Angelo
  • Cenografia: André Cortez
  • Iluminação: Wagner Antônio
  • Figurino: Kika Lopes e Rocio Moure
  • Direção de Movimento: Fabrício Licursi
  • Coordenação de Produção: Vivi Borges

Com Laila Garin, Flávio Bauraqui, Heloisa Jorge, Artur Volpi, Felipe Frazão, Larissa Nunes, Luísa Vianna e Odilon Esteves. 
Participação Especial: Cyda Moreno e Soraya Ravenle

 

Compras de ingressos

https://bileto.sympla.com.br/event/95490/d/263533

 

De verdade?

Os meteoros Valéria Barcellos e Charles Fricks estarão no teatro Léa Garcia no Centro Cultural Correios, no espetáculo “A Palavra que Resta” do autor Stênio Gardel. Estive no ensaio, que também conta com o elenco da Cia Atores de Laura, com a direção do Daniel Herz. A montagem está fantástica, posso já dizer que imperdível. Quem assina a cenografia e figurino é o artista paraibano Wanderley Gomes e a iluminação é do mestre Aurélio de Simoni. Ponha na agenda!

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

Facebook: @PortalAtuando

 

 

 

 

Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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