UMA DELICIOSA VIAGEM PELAS REGIÕES DO BRASIL. SEGUNDA PARADA: MAIS UM POUCO DO NORDESTE…

 

Antes de contar pra vocês tudo o que aconteceu na retomada do Festival Gastronômico AROMAS e SABORES de Itanhandu, objeto do meu artigo anterior, retomo uma série que comecei lá atrás (http://artecult.com/uma-deliciosa-viagem-pelas-regioes-do-brasil-bahia/), quando visitei a Bahia, na qual eu me propunha conhecer a gastronomia brasileira in loco.

Por que não aproveitar uma viagem de férias, aquela que se esperou com ansiedade por um ano inteiro, para conhecer os pratos típicos e peculiaridades de cada lugar visitado? Um mundo de possibilidades e sensações que se abre, um mergulho de cabeça na cultura local – sim, a gastronomia nos permite isso. E (muito) mais.

E viajar, seja pra que canto do mundo for, além de todo o vasto conhecimento – histórico, geográfico, antropológico –  que é possível extrair dela, ainda nos traz essa incrível possibilidade “de brinde”. Faço sempre assim, sendo que todo o meu planejamento leva em consideração esse aspecto, e não consigo conceber, sob nenhuma hipótese, que alguém deixe passar esse tipo de oportunidade. Seria mais ou menos como comer pizza no Japão, hambúrguer na Tailândia ou batata frita na Bahia… Inaceitável!

Antes de ir, faço um  estudo exaustivo do que devo experimentar, inclusive pesquisando acerca da origem dos pratos. São incontáveis buscas no Google e nos inúmeros livros de gastronomia regional e internacional que possuo, fazendo um apanhado geral acerca do destino da viagem e traçando um verdadeiro “roteiro”. Ora, achou isso esquisito? Talvez seja mesmo, tanto quanto aquelas pessoas que se programam para conhecer todas as lojinhas de artesanato ou de vestuário existente pelo caminho…

Pois bem, dessa vez o passeio era pro Nordeste, região de gastronomia riquíssima – seriam dois dias em João Pessoa, dois dias em Natal, dois dias em São José do Campestre, dois dias em Recife e dois dias nas proximidades de Maragogi. A ideia seria esticar até Maceió, mas como já dá pra perceber, tudo foi bem corrido. E eu tinha que encaixar meu roteiro dentro do roteiro da família – e quem viaja assim sabe que, vira e mexe, os conflitos de interesse surgem, né? Por isso é tão importante contemporizar e achar um meio termo que agrade a todos. Portanto, fui incluindo minhas “degustações” entre praias, passeios e lojas variadas.

Vamos, então, pra primeira parada: JOÃO PESSOA.

Em primeiro lugar, antes de qualquer coisa, gostaria de deixar registrado que fiquei bastante encantado com a capital paraibana, carinhosamente apelidada de Jampa. A orla urbana é muito bonita, permitindo boas caminhadas, com diversas opções, da gastronomia ao artesanato.

Nas minhas pesquisas, fiz uma relação de pratos típicos da Paraíba – porém sabia que seria praticamente impossível, em dois dias, sair à caça de tudo. Listei o RUBACÃO (que é uma espécie de baião de dois cremoso, feito com feijão verde ou macassar, temperos verdes, arroz, leite de gado, leite de coco, queijo coalho e carne de sol), ARROZ DE LEITE (arroz cozido com manteiga e leite), MUGUNZÁ (chamado de canjica no sudeste e em outras regiões), CUSCUZ (prato à base de massa de milho flocada, cozida no vapor), entre tantas outras coisas. Por sorte, já tinha a indicação de um restaurante que servia culinária regional, o Mangai, e onde, certamente, eu encontraria (quase) tudo da minha lista. E lá fui eu, e a experiência não poderia ter sido melhor – no que pese não ter dado conta de experimentar tudo que ali estava disponível…

Com a limitação que tinha, tanto do espaço físico no prato quanto no espaço “interno”, acredito que consegui montar um panorama da culinária, não apenas paraibana, mas nordestina como um todo. Afinal, em sua origem colonial e litorânea, a Paraíba teve a mesma base comum das outras culinárias litorâneas brasileiras da região Nordeste, sobretudo a do Nordeste Oriental (Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Sergipe, Alagoas e Paraíba). Tinha, no prato que fiz, o Rubacão, arroz de leite, creme de queijo, cuscuz, paçoca de carne de sol, feijão verde, carne de sol na nata

Aqui vale um adendo: cheguei no aeroporto de Recife, aluguei o carro e parti para Jampa. No caminho, pude experimentar algo que já rondava meu universo de vontades há muito tempo: CAJUÍNA. Que tal acompanhada de uma tapioca de carne seca? Ah, uma curiosidade: a Cajuína, que é preparada a partir do suco de caju, sem álcool, clarificada e esterilizada, de cor amarelo-âmbar resultante da caramelização dos açúcares naturais do suco, foi inventada nos idos de 1900 pelo o farmacêutico Rodolfo Teófilo com o objetivo de combater o alcoolismo. E quer saber? Apesar de seu sabor peculiar, fiquei apaixonado pela bebida…

Outro insumo bastante presente, com preço bastante acessível se comparado ao nosso aqui no Sudeste, é o Camarão. Nos quiosques da praia, nos cardápios dos restaurantes, lá está ele – seja na forma de petisco, seja em pratos mais elaborados. Por certo, se já estou por aqui, lá fui “cair dentro”…

Nossa próxima parada será em NATAL.

Se posso fazer a mesma consideração que fiz acima, aqui a orla da praia urbana já não é assim tão afável. Comércio de um lado e de outro e uma faixa estreita pra se caminhar entre eles. Confesso que é meio “claustrofóbico”…

A culinária nordestina é, de fato, um dos símbolos mais forte do elo com as tradições africanas, indígenas e europeias, e esse caldeirão de culturas resultou em pratos únicos – e deliciosos! – e o Rio Grande do Norte não ficaria de fora, né?

Dentre as iguarias potiguares da minha lista estavam a paçoca de carne de sol, o feijão verde cremoso, o baião de dois, o escondidinho, o cuscuz potiguar, o arroz de leite, a carne de carneiro e a cartola. Muitos desses, tive a oportunidade de provar em João Pessoa, como contei acima. Outros, como a buchada de bode e o picado de porco (ou sarapatel), já havia experimentado em uma estada anterior. Mas ainda estava faltando…

Antes de começar, uma paradinha pro típico café da manhã nordestino…

Nas minhas pesquisas, descobri que um dos pratos mais consumidos em Natal é a GINGA COM TAPIOCA, tornado patrimônio imaterial do Rio Grande do Norte. Primeiro, fiquei curioso com o nome e quis adentrar ainda mais nas origens do prato e onde poderia encontrá-lo.

O prato é resultado da combinação de pequenos peixes fritos como recheio para a tapioca. Descobri que “ginga” é o apelido dado a esse peixe que são, na maioria, filhotes ou juvenis de duas espécies de sardinha, possuindo um tamanho médio de 7 centímetros. Por ser basicamente um filhote que ainda não se reproduz, torna-se imprescindível o monitoramento e controle da espécie, de modo a evitar que haja ameaça de extinção, já que a ginga tem uma importância cultural muito grande para o natalense.

E fui até ela, após descobrir que para comer uma boa Ginga com Tapioca eu deveria ir até a Praia da Redinha. Não me arrependi…

Bom, apesar de não ser muito a minha praia, acho que tá faltando doce nas minhas experimentações, né? Pois bem, fui atrás da típica CARTOLA, que nada mais é do que tiras de banana fritas ou cozidas, cobertas por uma camada de queijo coalho e polvilhadas com açúcar e canela. Há algum tempo, eu já até fiz uma versão, em que fritava banana nanica na frigideira com manteiga de garrafa, flambava com cachaça, acrescentava  queijo manteiga ralado (muito comum na região) e creme de leite, fazendo camadas e, por cima polvilhava açúcar e canela, finalizando no maçarico…

De Natal, fiz uma parada na casa de um amigo, localizado no interior, em São José do Campestre. Teve tempo pra comprar coisinhas…

Fui pelo litoral sul e, logo depois da Barreira do Inferno, tem a Feirinha de Frutas de Pium. Não se pode deixar de experimentar o abacaxi, com raspas de limão e mel. É, simplesmente, divino! Principalmente, sob céu azul e sol escaldante…

Após esses dois dias no interior do Rio Grande do Norte, peguei a estrada, de novo, indo em direção à RECIFE, com uma paradinha estratégica em OLINDA.

Não sei por que cargas d´água eu me via em algum lugar da Bahia ao circular pelas históricas ruas de Olinda. Parecia que, a qualquer momento, eu seria abordado por alguém querendo amarrar um fitinha do Senhor do Bonfim no meu pulso. Ou é uma doideira minha ou, realmente, a cidade traz esse clima… Ainda não decidi qual a opção correta.

Pois bem. Depois de andar bastante pelos pontos turísticos, dei uma passadinha pelo Mercado da Ribeira, onde comprei um kit de cervejas artesanais fabricadas ali em Olinda mesmo e, depois,  aquela paradinha típica no Alto da Sé para comer a famosa tapioca


Aproveitando, já que constava do cardápio,  pedi o Bolo Souza Leão, um bolo brasileiro com mais de 150 anos de história, cujo nome que vem da família que criou a receita. Quando ele chegou na mesa, achei que seria algo semelhante a um quindim – já tinha dado uma olhada na receita e havia me impressionado a quantidade de gemas. – mas, ao levá-lo à boca, a textura me lembrou a de um bolo de mandioca.

Queria ter encontrado outro ícone da culinária pernambucana, o Bolo de Noiva, de massa encorpada que leva vinho, ameixa e frutas cristalizadas, típico dos casamentos de Pernambuco. Trata-se de uma releitura de um bolo de origem britânica – a criatividade do brasileira sempre presente! – que já tinha tido a oportunidade de experimentar mas que, infelizmente, dessa vez, não foi possível…

Mas pra não ficar na vontade, vamos de outra preciosidade de Pernambuco, o inigualável BOLO DE ROLO, reconhecido desde 2007 como Patrimônio Cultural Imaterial. Não, não é um rocambole e, por favor, jamais faça essa comparação! Originário de uma época da história em que a região era a maior produtora de açúcar no mundo, entre os séculos 16 e 17,  é uma adaptação do bolo “Colchão de Noiva”, trazido pelos portugueses na época da colonização. Como nozes e amêndoas, recheio tradicional da iguaria portuguesa, eram escassos ou inexistiam por esses lados, passou-se a ser utilizada uma mistura de água, açúcar e goiaba. E o resultado é surpreendente!

Ah, resolvi experimentar com um pouco de mel de caju… Só pra ficar diferente…

Já em Recife, como tinha alguns itens turísticos “obrigatórios” – e quem viaja em família sabe o que é isso – tive que me contentar em pedir por delivery um prato bem típico de lá, o ARRUMADINHO. O nome, obviamente, vem da arrumação dos ingredientes, lado a lado, na travessa – feijão verde, farofa, vinagrete e a carne de charque com manteiga de garrafa. Como não deu pra ir comer em um restaurante, não vi a tal travessa arrumada, mas até que veio bem ajeitadinho…

Li, em algum lugar, durante minhas pesquisas, que o Arrumadinho teve origem nos anos 70 quando, no final de noite, um grupo de amigos chegou em um botequim que estaria fechando para uma última cerveja. Indagado sobre o que havia para comer, a dona do estabelecimento informou que só havia um pouco de feijão verde e um resto de charque. Sem pestanejar, o grupo pediu que juntasse tudo o que sobrou, com um pouco de farofa e trouxesse para a mesa… Mas é possível que tenha surgido mesmo do costume dos cangaceiros de levar farinha e carne seca, que era “arrumada” para as longas viagens.

E pra acompanhar, nada melhor que uma cerveja local, né?

São muitas as frutas endêmicas do Nordeste brasileiro. Durante essa minha estadia, pude tomar sucos de seriguela, de cajá, de mangaba, de cupuaçu e de graviola. Vi que se acha, com facilidade, picolés e sorvetes desses sabores. Vale a pena experimentar!

Apesar de já conhecer outros pratos e insumos típicos dali, como o queijo coalho, queijo do reino, a carne de bode, os caldinhos de feijão ou de peixe/camarão, o chambaril, o escondidinho de carne de sol ou charque desfiada, não consegui experimentar o Leite Maltado.

Aqui, também, os amigos indicaram um restaurante, cujo ingrediente principal era o Camarão. Posso dizer que tá aprovado!

E aí, de novo, era hora de pegar a estrada.

Aqui aconteceu uma pequena mudança de itinerário, como alertei acima, por conta da “descoberta” da existência de um lugar tão incrível como o Instituto Ricardo Brennand, que  se tornou visita obrigatória e uma dica de um lugar imperdível. Inicialmente, iríamos até Maceió – já até tinha feito toda a lista de pratos típicos de Alagoas: Sururu ao coco e no capote, Pituzada, Feijão de coco, Umbuzada, Bolinhos de Goma… – mas tivemos que modificar, e acabamos por ficar em São José da Coroa Grande, ainda em Pernambuco. É fato que esticamos até Maragogi e entorno, mas ficou faltando adentrar mais profundamente na culinária alagoana, com certeza.

Mas um prato, em especial, eu tinha que experimentar – e fui atrás dele. O CHICLETE DE CAMARÃO surgiu na Praia do Francês, localizada a pouco mais de 20 km de Maceió, sendo uma criação do mineiro Wilso Caliari. Acostumado a criar pratos de improviso, ele juntou camarão com molho de tomate e acrescentou fatias de queijo prato – que deu a liga, parecida com “chiclete”. A partir daí, surgiram inúmeras variações, seja adicionando dendê, seja modificando o queijo original para gorgonzola, ou parmesão, ou provolone, ou acrescentando ervas fortes como coentro e cominho…

Encontrei.. Pena que a foto não correspondeu ao sabor…

Depois desse tour, pingando dois dias em cada lugar, era hora de voltar pra casa. Mas não sem antes  comer mais um pouquinho de Nordeste no aeroporto. E lá foi mais um bolinho de tapioca e um cuscuz pra conta…

É fato que, ao voltar pra casa de uma viagem, seja ela qual for, trazemos sempre um pouquinho do lugar visitado, ainda que não se perceba. Porém, no meu caso, dificilmente passaria despercebido… E como na bagagem eu trouxe feijão macassar, resolvi fazer meu primeiro “ensaio” de carne de sol, contando com alguns ensinamentos que recebi durante a jornada. Deu super certo!

E voilá! Apesar de ser minha primeira vez, até que o prato ficou bem bão, viu? De alguma forma, parecia que a viagem ainda não tinha terminado…

Pra finalizar,  enquanto vou organizando o material para o próximo artigo, me vi preparando um café da manhã típico, com cuscuz e ovo…

Espero que tenham viajado junto comigo e que eu tenha despertado alguma curiosidade sobre as joias da culinária nordestina.

Até a próxima!

 

 

 

 

Author

Del Schimmelpfeng é Analista Judiciário do TJERJ, mas desde que se lembra - e coloca tempo nisso! - ama cozinhar! Apesar de ter feito as faculdades de arquitetura e direito, é se misturando aos pratos, panelas e temperos que se sente inteiro, completo, pleno. É autodidata, nunca fez curso de culinária, tampouco se imaginou um profissional da área. Considera-se apenas um curioso, que procura o conhecimento em tudo e que tenta, de todo jeito, viver da melhor forma possível - apesar de todas as dificuldades. Afinal, não haveria graça se elas não existissem... Participou da seletiva da segunda edição do Masterchef e da décima nona edição do reality "Jogo de Panelas", apresentado por Ana Maria Braga no programa "Mais Você" da Rede Globo, na qual sagrou-se campeão. Possui, ainda, textos publicados em livros de conto e poesia. Blog: http://delschimmelpfeng.blogspot.com Instagram: @del.schimmelpfeng

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