RISOTO: História, Técnica e Dicas de um verdadeiro coringa na cozinha


Gente, tava aqui olhando pra minha geladeira e conversando tête-à-tête com a minha fome, tentando entender a mensagem que estava, de alguma forma, me passando. Vasculhei, também, a despensa, buscando inspiração naqueles diversos ingredientes depositados nas prateleiras – sim, é assim que me inspiro pra criar minhas guloseimas.

Uma coisa, porém, era certa e imutável: tava querendo comer algo gostoso, que me desse prazer e não exigisse peripécias alucinadas na cozinha… Nesse momento, me lembrei, também, que já tava na hora de começar a escrever um novo artigo – seria o nono, mas acabou sendo o décimo, quem diria! – pro ARTECULT.

Pensei: como poderia unir essas duas coisas? Matar, com uma cajadada apenas, dois coelhos – ou duas outras coisas igualmente comestíveis – de uma só vez? Foi então que meu olhar encontrou uma caixa de arroz arbóreo.

Bingo! Vou fazer – e falar sobre – RISOTO.

 

Risotto – grafado em português com apenas um “T” – significa, literalmente, pequeno arroz. Trata-se de um prato típico italiano, que nasceu ao norte da Itália no século XI, na Lombardia, conhecida como “terra do risoto”, quando o sul da Itália era dominado pelos Sarracenos, povo que introduziu o grão utilizado na preparação.

A partir da Sicília, o produto tomou o rumo norte da Itália. No século XIV já entrava em sobremesas principescas, mas somente no século XVI, mais precisamente no ano de 1574, pelas mãos de Valerius de Flanders, mestre na fabricação de vidro e responsável pelos vitrais da catedral de Milão (Duomo di Milano), surgia o mais famoso de todos os risotos: RISOTTO ALLA MILANESE.

Dei uma rápida pesquisada na rede atrás da história da criação desse prato e percebi que existem muitas lendas, com diferentes matizes, todas envolvendo o mestre Valerius. Essa diversidade é comum quando falamos da criação de pratos, principalmente dos clássicos, já que fica mesmo muito difícil precisar o momento em que, efetivamente, alguma obra-prima gastronômica foi criada.

Mas vamos lá.

Algumas versões afirmam que o artista usava o açafrão para criar uma pigmentação amarelada para ser utilizada na confecção dos vitrais e que, graças a um pequeno acidente, deixou cair um pouco do pigmento em sua comida. Outras dizem que o mestre, por ciúmes da filha e objetivando estragar o almoço da festa de casamento dela, deixou cair, propositalmente, um pedaço de açafrão no risoto que estava sendo preparado.

E acabou? Claro que não. Há uma outra, tão pitoresca quanto as demais, que diz que Valerius implicava muito com um aluno seu, por conta da utilização demasiada de pigmentos de açafrão. Ciente disso e com o intuito de pregar uma peça, o aluno conseguiu subornar o cozinheiro para que colocasse açafrão no risoto de casamento da filha do velho mestre. Porém, o resultado foi diverso do esperado, na medida em que os convidados da festa adoraram aquele (inusitado) arroz amarelado…

Independente se há alguma verdade nas histórias que contam, é fato que os princípios do cozimento lento foram combinados com o arroz local – Milão ficou sob o reinado da Espanha por quase dois séculos, e o arroz se tornou um ingrediente padrão nas cozinhas o que enalteceu seu sabor. Ademais, aliado a isso, tem-se a inclusão de especiarias comuns da região, como o açafrão, dando ainda maior relevância ao prato.

Com a imigração italiana, em meados do século XIX, o risoto desembarca no Brasil e, aqui, ele encontra uma seara fértil, tendo em vista a já conhecida criatividade do povo brasileiro e a profusão de ingredientes existentes, inclusive aqueles típicos de cada uma das regiões desse país de tamanho continental. Porém, até a década de 80, o risoto comum era feito com o arroz do dia a dia, era mais conhecido por “arroz de forno” e servia, basicamente, como um acompanhamento. Com o passar do tempo, acabou por ganhar status de protagonista.

Quem nunca comeu um arroz empapado e chamou de risoto? Era batata! – e era também uma excelente desculpa pra quando não se conseguia aquele arroz soltinho… Aposto, sem medo de errar, que todo mundo, né?

Hoje se sabe que o segredo para a perfeição do prato é a escolha da sua principal matéria prima, o arroz italiano, cujos grãos liberem muito amido durante o cozimento.

No Brasil é possível encontrar três variedades de arroz próprio para a confecção de um belo risoto, sendo que a diferença entre eles reside no tamanho dos grãos, no tempo de cocção e na capacidade de absorção do caldo: o arbóreo, que possui o grão mais longo e é o tipo mais usado no país de origem, a Itália, garante cremosidade e é ideal para receitas com verduras; já o Carnaroli, arroz híbrido com mais amido que o arbóreo, demora mais para cozinhar, mas mantém melhor o al dente e é o preferido dos cozinheiros; já o tipo Vialone Nano é menor e arredondado, cozinha por igual e é indicado para o preparo com peixes e frutos do mar. O tempo indicado de cozimento é diferente, dependendo do tipo: o vialone varia entre 13 a 15 minutos, enquanto carnaroli e arbóreo demoram um pouquinho mais, entre 14 e 17 minutos.

ARBÓREO:

CARNAROLI:

VIALONE NANO:

O preparo básico de um risoto começa com a escolha do arroz. Feito isso, frita-se cebolas cortadas em brunoise na manteiga e no azeite, até que elas fiquem translúcidas. Nesse momento, acrescenta-se o arroz (pel´amor de Deus, não me lavem o arroz!!!), deixando-o fritar levemente. Hora de acrescentar uma taça de um bom vinho branco – algumas vezes, pode-se utilizar também do vinho tinto – essencial para adicionar a acidez necessária ao preparado. Lembre-se: o vinho deve ser aquele que, sem nenhuma ressalva, seja bebido com prazer e não aquele relegado ao fundo da geladeira por estar impróprio ao consumo…

Continuando: após ter o arroz absorvido o vinho, acrescenta-se, concha a concha, o caldo – de frango, carne ou vegetais – até que o arroz esteja cozido, o que varia de acordo com o tipo, mexendo sempre. Uma dica: faltando cinco minutos para o término do tempo indicado, adiciona-se o “sabor” escolhido.

Terminado o cozimento, é hora de se fazer a “mantecatura”: desliga-se o fogo, junta-se uma generosa quantidade de manteiga gelada, queijo parmesão (ou similar) e mexe-se vigorosamente, dando-lhe aquele brilho inconfundível de um risoto bem-feito.

Pronto!

Agora que passei o passo a passo, preciso colocar mãos na massa – ou melhor, no arroz – e, seguindo as instruções, finalizar o meu risoto, aplacar a minha fome e, finalmente, ter meu artigo prontinho pra ser enviado para publicação.

Primeiro de tudo, vi que não tinha um caldo – e não estava nem um pouco a fim de me socorrer com algum desses cubinhos industrializados. Mas isso não é problema, pois, pra minha sorte, tinha tudo ali na minha geladeira pra um bom mirepoix, inclusive o osso de um T-Bone que havia consumido na véspera. Piquei tudo grosseiramente – cebola com casca e tudo, alho, aipo, alho-poró, cenoura, grãos de pimenta do reino, talos de salsinha e de cebolinha e juntei numa panela grande, aquecida e com um fio de azeite.

Precisava disso? Não, mas eu tava querendo caramelizar tudo, queria esse nota defumada, um caldo mais escuro e resolvi queimar um pouco do fundo da panela pra, só então, acrescentar a água fria.

Assim foi feito e, enquanto o caldo borbulhava e reduzia, encontrei alguns ingredientes interessantes pro meu risoto improvisado: um pedaço de abóbora cabotiá, linguicinha mineira, alguns verdinhos, como salsinha e cerefólio e – não podia faltar! – pimenta dedo-de-moça. Ah, tinha manteiga também e o queijo parmesão, cujo pedaço tratei de ralar – é sempre melhor do que aqueles saquinhos com gosto de… Deixa pra lá.

O risoto é um prato que, se bem-feito, agrada praticamente todo mundo. É ideal pros dias em que você vai receber visitas, esperadas ou não – por isso é extremamente recomendável ter uma caixa de arroz próprio pra essa iguaria na despensa.

E para eventos, então? Ainda mais que existem métodos, como a utilização de panela de pressão, que abreviam todo o processo que mencionei acima. Certamente os puristas – e neles eu me incluo, de alguma forma – dirão que é um sacrilégio fazer risoto que não seja ficar estacionado ao lado da panela por vinte minutos aproximadamente, mexendo sem parar… Tudo bem, tudo bem, essa é uma particularidade lúdica desse prato, talvez até mesmo seu encantamento, mas saber que existem atalhos poder, em alguns casos, nos salvar de apuros…

Pois bem, vou ensinar esse pulo do gato. Testem e, se possível, coloquem nos comentários se deu certo.

Seguinte: faz-se tudo igualzinho ao que ensinei até agora, ou seja, refogamos a cebola, acrescentamos o arroz, depois o vinho, esperamos evaporar e entramos com o caldo, na proporção de 2 pra 1. Fechamos a panela de pressão e contamos 6 a 7 minutos. Interrompemos a cocção, levando a panela pra debaixo d´água. Abrimos e finalizamos o risoto, da forma tradicional, com um pouco mais do caldo, com a manteiga e o queijo. Se for entrar com o “sabor”, tipo camarão ou rabada, é nessa hora em que colocamos esses ingredientes. Talvez mais uns dois minutos de finalização e está pronto.

E agora, que tal abrir a geladeira, passar os olhos rapidamente por ela e vasculhar atrás de ideias pro seu risoto de logo mais?

Um grande abraço e até a próxima!!!

Author

Del Schimmelpfeng é Analista Judiciário do TJERJ, mas desde que se lembra - e coloca tempo nisso! - ama cozinhar! Apesar de ter feito as faculdades de arquitetura e direito, é se misturando aos pratos, panelas e temperos que se sente inteiro, completo, pleno. É autodidata, nunca fez curso de culinária, tampouco se imaginou um profissional da área. Considera-se apenas um curioso, que procura o conhecimento em tudo e que tenta, de todo jeito, viver da melhor forma possível - apesar de todas as dificuldades. Afinal, não haveria graça se elas não existissem... Participou da seletiva da segunda edição do Masterchef e da décima nona edição do reality "Jogo de Panelas", apresentado por Ana Maria Braga no programa "Mais Você" da Rede Globo, na qual sagrou-se campeão. Possui, ainda, textos publicados em livros de conto e poesia. Blog: http://delschimmelpfeng.blogspot.com Instagram: @del.schimmelpfeng

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