O Um, os uns, nós todos. As religiões e a vida – Parte IV: Confira a quarta e última parte do artigo de Carlos Fernando Galvão sobre as principais religiões e seus ensinamentos

O Um, os uns, nós todos – parte IV

Sejamos tranquilos como as montanhas e fluamos como os grandes rios.
Lao Tsé (século VI a.C.), filósofo chinês, fundador do Taoísmo

Não maltrate muito a arruda, se não lhe cheira a rosas.
 Machado de Assis (1839-1909), escritor realista brasileiro – no conto, O enfermeiro

 

De que maneira podemos aproveitar os ensinamentos de tantas e diversas religiões, independente da crença que cada um de nós tem ou não, independente do nosso nível de espiritualidade? Em verdade, pouco deveria importar de onde vem aquilo que abre nossos olhos, que enternece nossa alma e que deveria guiar nossas ações, desde que nos ajude a construir os caminhos de uma vida boa, digna, honesta, respeitosa e feliz. Assim sendo, divido com você, caro(a) leitor(a), algumas coisas que fui aprendendo com meus pais, com amigos, com a vida e com os estudos, embora nem tão aprofundadas quanto gostaria, sobre as religiões humanas. Há muito o que se aprender com as tentativas humanas de entender sua espiritualidade, ainda que você não seja, propriamente, um espiritualista, contudo, desde que seja um humanista, por assim dizer, como é o meu caso.

“Sejamos tranquilos como as montanhas e fluamos como os grandes rios.”
Lao Tsé.

Estudando, ainda que superficialmente, as religiões de matrizes afro-brasileiras, uma grande lição que podemos tirar é o sincretismo, ou seja, a mistura, a quase fagocitose cultural e espiritual, que cultos como a Umbanda e o Candomblé realizam, o que implica em respeito pela diversidade das visões de mundo e a adequação da nossa visão, às visões do outro – ainda que admitamos que tal sincretismo foi, em seu início, forçado, por uma questão de sobrevivência.

O movimento Rastafari e o Vodu mostraram que a resistência às formas originárias de opressão da diversidade humana pode e deve ser combatida com obstinação, mas preferencialmente, sem violência.

Se pensarmos nas religiões de matriz indígena, podemos rever nossa visão de mundo, de um sistema exploratório e depredatório, para outro, colaborativo e preservacionista,  com respeito à vida em todas as suas formas, simplesmente, viver e deixar viver.

Com o Islamismo, ao contrário do que entende o senso comum e talvez para a surpresa de muitos, podemos aprender a tolerância religiosa, como mostrou o profeta Maomé, ao fundar a Umma, a primeira república islâmica, onde todas as crenças eram não apenas toleradas, como incentivadas, inclusive as politeístas.

O Judaísmo, uma religião não missionária, em sua essência, pode nos mostrar o valor da não imposição de nossas crenças e/ou posicionamentos vários, como os políticos, aos outros.

Com o Catolicismo, passamos a amar o próximo como a nós mesmos e a perceber que a espiritualidade é um sentimento que não poderia ser comercializado, como muitos o fazem, ação contrária, na prática, à Jesus, quando expulsou os vendilhões do templo. Com seus “primos”, por assim dizer, os Protestantes, podemos extrair a lição de que, mesmo crendo no divino, somos nós que, individual, mas também socialmente, fazemos o nosso destino e não precisamos de “salvadores da pátria”.

Através do Hinduísmo, é possível entender pelo conceito do Karma, para quem nele acredita, como algo tão natural como a Terceira Lei de Newton, na Física, para toda ação existe uma reação equivalente, em sentido contrário, ou seja, que há uma forte relação entre causa e efeito, que nos leva, ou deveria levar, a pensar duas, três vezes, antes de agirmos. Também podemos aproveitar, do hinduísmo, a ideia do Dharma, que aponta para o fato de que devemos buscar um propósito para nossas vidas – e sempre um propósito voltado para o bem.

Analisando o Taoísmo, valorizamos o contato com a Natureza e o respeito a ela, na mais plena comunhão possível conosco, que dela fazemos parte, e com a qual devemos interagir para vivermos em equilíbrio conosco e com o mundo.

Com o Xintoísmo, aprendemos a tolerância para com o próximo e que não se pode chegar a nenhum tipo de harmonia, seja com o mundo, seja conosco mesmos, se não atingirmos, o mais plenamente possível, um equilíbrio entre corpo e alma (ou consciência, para os que não acreditam no espírito ou que, com boa vontade, consideram a alma como um epifenômeno, ou seja, um fenômeno secundário ou sem maiores efeitos sobre outro fenômeno, tido como principal, de um sistema fenomenológico associado, como, no caso, a vida e o corpo humano).

Pelo Confucionismo, é possível vermos que os sábios e que o saber têm que ser valorizados, o que aponta para o respeito com relação a quem tem experiências de vida a nos transmitir.

A contemplação perante o que pode ser visto e percebido. Foto: Meteora, Mosteiro na Grécia.

Com o Budismo, temos as 4 nobres verdades que podemos sintetizar pela busca da verdade dentro de cada um de nós para que cessemos os sofrimentos que, em parte, nós próprios nos causamos. Também mostra a importância de entrarmos em harmonia e em equilíbrio internos, além dos 8 passos para a iluminação, os quais, de algum modo, também podem ser sintetizados pela busca em agir de modo correto e justo.

Como se percebe, além de podermos ter, de cada religião e culto espiritualista estudados, e mais, de outros tantos não contemplados na pesquisa que redundou neste artigo (muitos outros ensinamentos ainda existem) nenhuma das reflexões acima pode ser tida como exclusivo de religião alguma. Todas pregam o bem, a paz, a justiça, a harmonia e o equilíbrio, interno e externo aos seres humanos. Se muitos de seus adeptos têm dificuldade de passar do discurso à prática, e essa é uma dura verdade, essa é outra história. O que difere são as interpretações que, historicamente, os povos, em sua espacialidade (relação Homem-Natureza), fizeram, e fazem, do mundo e de suas vidas. Isso não deveria constituir-se em motivo para as lutas fratricidas que vimos desde sempre na humanidade. Pelo contrário, deveria servir para nosso regozijo e deleite, ou seja, interpretamos de modos diferentes o mundo, a vida e a nós mesmos, mas chegamos, de algum modo e em muitos sentidos, em épocas e em lugares diferentes, a conclusões bastante parecidas. Não é mais admissível, se é que foi, algum dia, que façamos de nossas diferenças de interpretação e modos de vida, obstáculos intransponíveis para vivermos em paz e amor, em comunhão conosco mesmos, com os outros e com o mundo.

Nasci e cresci na cultura ocidental judaico-cristã, mas sem professar religião alguma, desde meus 14 anos, creio que as 4 dimensões e as 5 virtudes de Confúcio sintetizam com razoável dose de generosidade, os ensinamentos de todas as religiões do planeta, das que aqui pesquisei e de outras mais. Repetindo a parágrafo acima, quando expus questões sobre o Confucionismo. Somos formados por quatro dimensões: o eu, a comunidade, a natureza e o céu. E cinco virtudes essenciais nos compõe como seres humanos:

1 – amar o próximo;

2 – sermos justos;

3 – comportar-mo-nos adequadamente;

4 – conscientizar-mo-nos da vontade do céu

5 – cultivar a sabedoria e a sinceridade desinteressadas.

Particularmente, como agnóstico que sou, retiraria a 4ª dimensão, o “céu”, e substituiria, na 4ª virtude, a palavra “céu” por Natureza, mas essa é minha interpretação, que não pode ser empecilho para que admire essa síntese de Confúcio, e efetivamente, não o é. Faço de minha diferença em relação ao modo de vida dos outros, mais um tijolo de sensibilidade e de sabedoria para ajudar a construir um novo mundo.

A vida não é, no dizer popular, um mar de rosas. Cultivemos as rosas, mas não maltratemos o que não é rosa, porque o diverso é belo e essencial à vida, como nos ensinou Machado de Assis. Também recordando o filósofo chinês Lao Tsé, devemos ter coragem para enfrentar o mar da lama obscurantista que voltou a nos assolar, no mundo e no Brasil, como se estivéssemos em épocas pré medievais, aprendendo com a História, para não repetí-la como farsa, como nos ensinou o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883). Temos que (re)construir esse mundo baseando-nos em valores de amor à vida e não à morte, de respeito ao outro e não de aniquilação da diversidade e de (re)valorização de ideias e ações que nos conduzam à formação de um grande ser coletivo, que respeite os seres individuais. Sejamos, como pregava Lao Tsé, ponderados e tranquilos como as montanhas, que abrigam a vida em todas as suas formas, ao longo de muito tempo, e deixemos fluir e confluir, em nossas mentes e corações, a iluminação para um sistema de vida justo, carinhoso e fraterno.

Somos, em verdade, um único povo que deveria tratar melhor o planeta e a nós mesmos.

 

Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana
cfgalvao@terra.com.br

 

 

 

 

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