O Um, os uns, nós todos. As religiões e a vida – Parte I: Confira a primeira parte do artigo de Carlos Fernando Galvão sobre as principais religiões e seus ensinamentos

Se você ainda não entende a vida, como pode querer entender a morte?
Aprenda a aproveitar os seus dias.                                                                                                                 
Confúcio (552 a.C. – 489 a.C.), filósofo e líder chinês

 

A vida, notadamente, a humana, não é fácil, levando o escritor João Guimarães Rosa a afirmar em “Grande Sertão: veredas”, que viver é muito perigoso, mas aprender a viver é que é o verdadeiro viver e coragem é o que a vida espera de nós. Muitos buscam a sabedoria para viver nos ensinamentos religiosos que são, realmente, no geral, belos, mesmo para quem não segue esta ou aquela religião, mesmo para quem é ateu ou agnóstico, mas entende que a vida é para ser vivida na base do amor e não do ódio. Deste modo, mesmo ateus e agnóstico podem aprender muito com os ensinamentos das religiões que são, a bem dizer, fenômenos geográficos, históricos, sociológicos e filosóficos, antes mesmo de serem espirituais.

Este longo artigo, “O Um, os uns, nós todos. As religiões e a vida“, está focado na questão da religiosidade ou, como prefiro chamar, da humanidade, em seus aspectos espiritualistas, os quais, de algum modo, concernem aos  religiosos, claro, mas também aos ateus e agnósticos que têm o desejo como se diz, “fazer o bem, sem ver a quem”. De pronto, vamos aqui estabelecer, ao meu juízo, em que pesem opiniões em contrário, o que considero ser uma diferença básica: religião não é o mesmo que espiritualidade.

Espiritualidade, entendida de modo mais amplo, é o sentimento que temos, ou não, de amor, bondade, respeito, generosidade e solidariedade que existe em nós, em todos e em cada um, ou que pode vir a existir, quer acreditemos ou não em divindades. Já a religião é um fenômeno humano, por nós criada para explicar o que não conseguimos entender racionalmente e para guiar nossos sentimentos e ações, nesta vida, ao menos de alguns de nós, daqueles que creem no divino. Religião é sentimento e interpretação de vida e isso é pessoal, não pode ser imposto; além disso é falha, porque somos nós quem estabelecemos seus parâmetros e rituais. Religião é, pois, uma interpretação do que achamos que Deus quer ou que os Deuses desejam. Neste sentido, você pode ser espiritualista, sem ter religião, tanto quanto pode não acreditar em nada disso e ser uma pessoa boa e honesta. E todos têm que ser respeitados. Ou deveriam ser.

A partir daqui, até a conclusão deste artigo, fracionado que está em 4 partes, farei um breve resumo de algumas das principais religiões planetárias e também de alguns cultos que há quem desacredite como religião, sem ainda assim são, sem dúvida, ao menos, filosofias espiritualistas e de vida. Para tanto, adianto, além de meus parcos conhecimentos sobre cada uma dessas religiões, não lancei mão de livros, senão de sítios on line, facilmente acessíveis a qualquer um, como é a regra na rede mundial, a partir dos quais pude realizar os resumos aqui mencionados, posto, como dito, não ser um religioso ou um especialista em História das Religiões.

A cada parte do artigo corresponderá certo número de religiões e, ao final, dividirei com você(s), caro(a) leitor(a), alguns sentimentos e uma poucas reflexões acerca de alguns dos aspectos ora pesquisados e transcritos.

 

 

Umbanda e Candomblé

O PRIMEIRO DEUS DO PANTEÃO IORUBÁ, OLORUM

Um dos povos africanos que mais influenciaram a cultura afro-brasileira foram os Yorubás, vindos, especialmente, da Nigéria e do Benin e que, em suas tradições, nos legaram sistemas matriciais religiosos como a Umbanda e o Candomblé, que são parecidos em seus fundamentos como, por exemplo, a crença nos Orixás (entidades espirituais), como Oduduá (mãe-terra e deusa da fertilidade), Olokun (deus do mar), Ogun (deus da guerra), Oke (deus das montanhas) e Xangô (4º Rei Yorubá, que foi deificado após sua morte); são mais de 400 orixás, segundo pesquisadores e seus “sacerdotes” são os Babalaôs. São, ambas, religiões monoteístas e que se baseiam em três pilares: luz, caridade e amor, além de crerem no homem como corpo e mente e em ações como a limpeza espiritual dos lares e na eliminação da contaminação espiritual dos crentes. Seus cultos são realizados com danças rituais, ao som de atabaques e, em regra, não há separação espiritual entre pessoas e animais.

 

O Deus maior recebe o nome de Olorum ou Olodumaré. Contudo, a Umbanda, tal como a conhecemos, atestam os historiadores, nasceu no Brasil, mais especificamente, no Rio de Janeiro, no início do século XX. O termo “Umbanda” vem da língua do povo Quimbundo, de Angola, e quer dizer algo como “a arte de curar”, sendo que a cura aqui é a espiritual; é uma religião que sincretiza elementos e doutrinas do Candomblé (Orixás), do Catolicismo (Deus maior) e do Espiritismo (reencarnação e imortalidade espiritual). Os locais onde são realizadas as cerimônias da Umbanda são chamados de Casa ou Terreiros ou Barracões, momento em que são realizadas sessões de “descarrego”, quando eventuais energias negativas dos presentes procuram ser eliminadas. Ao contrário do Candomblé, na Umbanda não se sacrificam animais. As cerimônias aqui referidas são realizadas mediante o “ponto”, canções de louvor e empregadas na comunicação com os Orixás. Nem a Umbanda, nem o Candomblé têm um livro sagrado como a Bíblia católica, a Torá judaica ou o Corão muçulmano.

O Candomblé, por suposto, é mais antigo do que a Umbanda e, segundo historiadores, é mais próximo das matrizes originais africanas. A estimativa de alguns é que a versão brasileira tenha surgido na Bahia e baseia-se, também, no batuque, nas danças e nas oferendas (comidas típicas do local) aos Orixás. Nesta matriz, é comum a prática da incorporação (mediunidade), quando um Orixá se confunde com um médium, que atua como se fosse um receptor do mundo espiritual. O transe (como os xamânicos de tribos indígenas) é a regra, aqui. Cada fiel tem seu próprio Orixá. O sacerdócio no Candomblé não é monopólio masculino e os condutores das cerimônias, nos terreiros, são chamados de Babalorixá (se homem) ou Yalorixá (se mulher). O álcool e o tabaco, durante os cultos, não são permitidos.

Iemanjá

Os Orixás, aqui referidos, na mitologia africana, são entidades sagradas, divindades, espíritos guias que criaram e ordenaram o mundo – e ainda o fazem. Em seu sincretismo, por exemplo, na Umbanda, Iemanjá é identificada como Nossa Senhora da Conceição; Xangô com São João; Ogum, com São Jorge; Oxalá com Jesus etc. Os espíritos são classificados por características. Assim, Exus (masculinos) e Pombagiras (femininos), ao contrário do que muitos imaginam, não são demônios, mas apenas espíritos. No Candomblé, Exu é um Orixá e na Umbanda, apenas uma entidade espiritual, não um guia (Orixá). Existem os caboclos (espíritos de índios e guerreiros), os pretos-velhos e pretas-velhas (espíritos de ex-escravos), os Erês (espíritos de crianças, alegres e sábios), dentre outros.

 

Existem variações dessas matrizes religiosas, como a Quimbanda ou, como é mais popularmente, e pejorativamente, conhecida, Macumba. Em seus rituais, pode-se operar com forças ditas negativas ou malignas que são endereçados, em “trabalhos”, para animais ou outras pessoas.

 

Rastafari

Halie Selassie I

Religião originada na cultura negra do Caribe, notadamente na Jamaica, nascida a partir dos anos 1930. Muitos que seguem esta crença são vegetarianos e professam a não violência; a cultura Rastafari chega a influenciar penteados chamados Rasta (dreadlocks), túnicas/toucas/turbantes coloridos e o uso da canabis (maconha) com fins ritualísticos. Na década aqui mencionada, foi coroado como Imperador da Etiópia, Halie Selassie I, que era considerado herdeiro do Rei Salomão e da Rainha de Sabá e incorporou a profecia de um Deus negro, na África.

Selaissie foi considerado, por seus seguidores, como o representante desse Deus, na Terra, chamado de Jah, especialmente pela pregação pacifista e anti-racista que fazia, o que o levou, também, a ser conhecido como “Ras Tafari”, ou seja, “Príncipe da Paz”. Prega-se “Black Power” ou Poder Negro.

 

 

Bondyé

Vodu

Outra religião de matriz negra caribenha, é predominante no Haiti, sendo o resultado de intenso sincretismo religioso, como a mescla entre cultos de origem africana e o catolicismo. Tida por muitos como bruxaria ou culto demoníaco ou magia negra, entretanto, segundo pesquisadores, não cultua entidades malignas. No Vodu, há uma entidade suprema chamada de “Bondyé”, do francês “bon dieu” ou “bom deus” que, no entanto, não se comunica direto com a pessoas, senão através de espíritos chamados de Ioa ou Iua, detentores do poder das forças da Natureza. As pessoas, nos cultos, são “possuídas” (o que levou à história dos Zumbis) por essas forças para que os espíritos possam atuar. Seus cultos, ao som de batuques, levam, também, ao transe.

 

Matrizes religiosas indígenas e no Brasil

Tupâ. Arte de Jãnio Garcia

A História indígena brasileira é rica e há, segundo historiadores, quatro grupamentos linguísticos básicos no país: o Tupi-Guarani, o Jê, o Caribe e o Aruaque. A organização social desses brasileiros era e, em boa medida, ainda é, coletivista, sem a presença de um Estado formal e formalizado. No tocante à religião, eram, como são, com exceção dos convertidos, politeístas; o guia espiritual indígena, no Brasil, recebe o nome, em geral, de Pajé – a Pajelança é um ritual sagrado dirigido por esses guias espirituais encarnados, os quais, não raro, entram em transe para se comunicarem com os espíritos, com o auxílio de substanciais entorpecentes.

O respeito à Natureza é essencial nessas matrizes que são, deste modo, além de politeístas e, em parte, animistas. Animismo é a designação de religiões que atribuem divindades a elementos da natureza, e não apenas a animais, senão também ao Sol, aos rios, às montanhas etc., além de também serem animalistas, crença em que a identidade pessoal das pessoas se confunde com a identidade de animais. Em termos genéricos, muito embora cada etnia indígena brasileira tenha sua própria cultura, e na religiosidade, isso também é verdadeiro, há uma divindade bastante cultura no Brasil que é Tupã, o ser supremo, controlador das divindades naturais. Os Tupinambás, por exemplo, acreditam em uma destruição futura, com o mundo terminando com um dilúvio, tal como Noé, na Bíblia católica, ou como na história mitológica da Epopeia de Gilgamesh, descrita em livros sagrados dos Sumerianos (povo antigo do Oriente Médio, Mesopotâmia, mais precisamente, região hoje abarcada por países como o Iraque).

 

Xamanismo

Pajé Tata Txanu Natasheni. O grande pajé Yawanawa. Foto de Tashka Yawanawa.

Termo genérico, de origem russa, “saman”, o Xamã (homem ou mulher) incorpora espíritos da Natureza, em cultos espalhados pelo mundo afora, como entre os Gregos antigos, os Vikings… chegando. Os Xamãs, no Brasil, têm seu equivalente na figura dos Pajés. São cultos também animistas e animalistas, que buscam curas por intermédio de transes vários, com o uso de substâncias psicoativas. Nestes transes, em que homem e animal se confundem, ocorre a transmutação pelo contato entre corpos físicos e espíritos naturais, porém etéreos.

A primeira parte deste artigo versou sobre religiões que, tidas, não raro, erroneamente, como primitivas, nada têm de primárias, muitos menos inferiores, sendo a mais pura e linda manifestação da história, da memória e da diversidade humanas. Vamos descobrir um pouco mais sobre essa diversidade? Aguarde as outras três partes e as belezas que elas, igualmente trarão.

 

CONFIRA A PARTE I desse artigo

CONFIRA A PARTE II desse artigo

CONFIRA A PARTE III desse artigo

CONFIRA A PARTE IV desse artigo

 

 

Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana
cfgalvao@terra.com.br

 

 

 

 

 

 

 

Author

Carlos Fernando Galvão é carioca, Bacharel e Licenciado em Geografia (UFF), Especialista em Gestão Escolar (UFJF), Mestre em Ciência da Informação (UFRJ/CNPq), Doutor em Ciências Sociais (UERJ) e Pós Doutor em Geografia Humana (UFF). Autor de mais de 160 artigos, entre textos científicos e jornalísticos, tendo escrito para periódicos como O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Le Monde Diplomatique Brasil, também foi colaborador do Portal Acadêmico da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) entre 2015 e 2018. Atualmente, escreve com alguma regularidade no Portal ArteCult. É autor, igualmente, de 14 livros.

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