
O Estado brasileiro está falido! Está mesmo?
A competição é a lei da selva, mas a cooperação é a lei da civilização. Piotr Aleksêievitch Kropotkin (1842-1921) Geógrafo, historiador, economista, filósofo, zoólogo e ativista político russo.
Foi um dos principais pensadores Anarquistas.
Quando as pessoas falam sobre “lei das selvas”, referem-se a um estado de coisas onde não há regras claras e acordadas por todas as partes, mas por um sistema de relações onde quem tem mais poder e força manda e faz o que quer, ainda que os benefícios que, por ventura, advenham do exercício deste poder e força sejam obtidos por intermédio do sacrifício de outros. O oposto desta situação caótica e nada agradável é o que Kropotkin chamou, na frase em epígrafe, de “lei da civilização”, onde o que impera, ou deveria imperar, é a cooperação solidária que leva a acordos coletivos e mútuos, que a todos ou, ao menos, que a maioria beneficiem. Algo próximo ao que o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) propôs em seu “Contrato Social” e a gestão de uma sociedade que se baseie nele e não na barbárie, que o filósofo, advogado e diplomata britânico Thomas More (1478-1535) chamou de “Estado de Natureza”, tem sua organização parecida com o que vivemos, na Era Moderna, com os Estados Nacionais, com formas político-institucionais lastreadas na divisão dos Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, nos conformes do propugnado pelo filósofo francês Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu (1689-1755). Evidente está que, em se tratando de uma proposta Anarquista, tais estruturações políticas não seriam exatamente essas, posto que o verdadeiro Anarquista prega o fim do Estado e a Auto-Organização das sociedades, mas, pragmaticamente falando, é o que mais se assemelha à propostas como as que pregavam pensadores como Kropotkin.
Qual dessas duas “leis” mencionadas por Kropotkin, a dele e a de Rousseau, vige, no mais das vezes, em praticamente todos os lugares, desde sempre, nas ações comezinhas dos brasileiros? Analisemos, como exemplo, alguns aspectos econômicos da gestão orçamentária do Estado e que afeta toda a população brasileira, pobre ou rica. Foquemos, por agora, na tão falado, quanto pouco compreendida, crise fiscal brasileira. O total de isenções fiscais do Brasil é da ordem de R$860 bilhões. Como este montante está dividido? Os dados abaixo listados são oficiais e podem ser conferidos, por exemplo, no Orçamento Geral da União, no sítio do Ministério do Planejameneto (https://portaldatransparencia.gov.br/orcamento).
1 – Para montadoras de veículos (Programa Mover): R$3,8 bilhões.
2 – Para companhias aéreas: R$567 milhões.
3 – Para redução de impostos das pequenas e médias empresas: R$120 bilhões (22% do total).
4 – Para entidades filantrópicas e/ou sem para fins não econômicos: R$45,5 bilhões.
5 – Para a Zona Franca de Manaus: R$30 bilhões.
6 – Para a produção de livros: R$2,5 bilhões.
7 – Para benefícios dos trabalhadores: R$18,4 bilhões.
8 – Para o financiamento habitacional: R$6,5 bilhões.
9 – Para a cesta básica: R$51 bilhões.
10 – Para a educação e saúde privadas: R$35 bilhões.
11 – Para as aplicações populares em caderneta poupança: R$ 12,4 bilhões.
12 – Para o subsídio aos planos de saúde empresariais: R$10 bilhões.
13 – Para as aposentadorias das pessoas pobres acima de 65 anos: R$42 bilhões.
14 – Para a produção de remédios e equipamentos médicos: R$20 bilhões.
15 – Para as Sociedades Anônimas de Futebol (SAF): R$148 milhões.
16 – Para isentar os rendimentos de pessoas físicas e dividendos: R$57 bilhões.
A receita anual do Estado brasileiro foi de R$2,65 trilhões em 2024. Isentar de impostos o montante de R$860 bilhões, é renunciar a, aproximadamente, 35% de arrecadação, o que é uma renúncia elevadíssima.
O PIB do Brasil em 2024 foi de R$11,7 trilhões e, de impostos, conforme acima, arrecadamos algo como 20% do PIB, o que também é um valor elevadíssimo. Onde está o erro desta afirmação?
A arrecadação anual de R$2,65 trilhões realmente equivale ao percentual acima mencionado, de 20% do PIB. Entretanto, essa arrecadação representou apenas o montante de impostos, taxas e contribuições efetivamente recolhidos. Porém, a carga tributária total não é fruto apenas dessa arrecadação; nossa carga tributária é, também, a arrecadação direta de impostos, taxas e contribuições, somada àqueles impostos, taxas e contribuições que são devidos, mas que, por vários motivos, elisões e isenções fiscais (como as acima mencionadas) e corrupção, pura e simples, acabam por não ser recolhidos. A carga tributária, assim, é calculada não apenas em cima do montante efetivamente arrecadado, mas sobre o PIB, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país, ao longo de um ano fiscal (de 01 de janeiro a 31 de dezembro).
Elisão Fiscal é o resultado de um intrincado planejamento tributário de empresas que conseguem reduzir o valor devido através da omissão do fato gerados do(s) tributo(s); é uma ação legal, uma manobra que, dentro da lei, faz que com haja burla de valores devidos, por empresas, à Fazenda Pública.
Enquanto isso… as 5 pessoas, atenção, são apenas 5 pessoas, mesmo, mais ricas do Brasil têm o mesmo recurso que 100 milhões de brasileiros e os 5% mais ricos têm a mesma renda dos outros 95% dos brasileiros. Ou, outro dado estarrecedor: Elon Musk, diretor da Tesla, sa Space X e do X (ex-Twiter), vai receber 1 trilhão de dólares, quantia superior ao PIB de 170 países (a ONU tem 196 filiados).
Se você, querida leitora, prezado leitor, tivesse o poder para mudar o quadro caótico, antidemocrático e concentrador de renda e poder social antes descrito, o que faria? Eu, por exemplo, para não me alongar muito em outras medidas, também necessárias, como investir pesado em saúde, educação, segurança e meio ambiente, faria uma reformulação na prioridade de gastos. Vamos lá.
1 – Passaria um pente fino nos gastos correntes discricionários das máquinas públicas executivas federal, estaduais e municipais, nos legislativos desses 3 níveis, também, além dos judiciários federal e estaduais. Há muito desperdício.
2 – Uma reforma administrativa também é importante, com redução dos supersalários e os enormes penduricalhos, nos 3 poderes, mas especialmente, nos legislativos e, ainda, mais nos judiciários que custam aos cofres públicos R$73,38 bilhões, com 80% desse montante apenas em salários, de ativos e aposentados, além de outros benefícios (quando no poder público em geral a Lei de Responsabilidade Fiscal, a LRF, o máximo permitido é de 60%). Ressalva: a estabilidade do servidor público tem que ser mantida.
3 – Promoveria mudanças drásticas nas previdências dos militares, cujo custo anual é da ordem de R$133 bilhões (com também 80% em salários, da ativa, aposentados e pensionistas, quando não poderia exceder 60%) e dos legislativos e executivos dos três níveis federativos, antes de mexer nas previdências dos executivos e do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), ou seja, a previdência do setor privado.
4 – Levaria adiante uma profunda auditoria nas dívidas públicas dos três níveis federativos, o que, muito possivelmente, estancaria parte da sangria anual do pagamento de R$928,4 bilhões em juros dessas dívidas. Esse gasto é equivalente ao orçamento anual da previdência pública, que está, também, perto de R$1 trilhão, mas pouco se fala nisso.
5 – Reduziria enormemente a possibilidade dos deputados federais e dos senadores de emendar o orçamento da União, acabando com o “sequestro” que foi levado adiante pela pusilanimidade do (des)governo Bolsonaro e que não está nada fácil para o governo Lula desfazer. Só de emendas, os deputados e senadores têm R$58,4 bilhões para este ano de 2025, além de R$4,9 bilhões do Fundo Partidário atual, que também deve ser bastante reduzido e retirado das mãos dos “donos” de partidos.
6 – Outra medida muito importante seria mudar as isenções fiscais há pouco mencionado. Como? Pensemos juntos.
6.1 – Isenções fiscais que deveriam ser cortadas (sim, admito que minha proposta não é fruto de vem de estudos abalizados, mas do bom senso que, de todo modo, não deve ser desprezado): para montadoras de veículos; para companhias aéreas; para a Zona Franca de Manaus; para as SAFs e para a isenção dos rendimentos de pessoas físicas e dividendos. O fim dessas isenções liberaria, para os cofres públicos, segundo estudos oficiais, R$91,55 bilhões.
6.2 – Isenções fiscais que deveriam ser revistos e reduzidos cortadas (sim, admito que minha proposta não é fruto de estudos abalizados, mas do bom senso que, de todo modo, não deve ser desprezado): para as entidades filantrópicas e entidades sem fins econômicos; para a produção de livros; para benefícios dos trabalhadores; para o financiamento habitacional; para a cesta básica; para a saúde e educação privadas; para as aplicações populares em caderneta de poupança; para o subsídio aos planos de saúde empresariais; para as aposentadorias das pessoas pobres acima de 65 anos; para a produção de remédios e equipamentos médicos. Essas isenções somam, juntas, algo da ordem dos R$300 bilhões. Tudo bem que, algumas dessas renúncias fiscais são importantes e devem ser mantidas, talvez até, ampliadas, mas para isso é necessário que discutamos que tipo de sociedade somos e querer ser, no tocante ao nosso desenvolvimento econômico e social; devemos decidir quais dessas renúncias diminuir ou até cortar, para manter ou mesmo, expandir, algumas delas, as que, como povo, e não apenas como tecnocratas ou interessados/interesseiros, decidirmos que devem escapar da tesourada.
O quanto de liberação orçamentária, dessas reduções, dependeria de estudos abalizados, mas somada ao montante acima do fim de isenções aqui propostos, de R$91,55 bilhões e ao adviria da implementação as medidas 1 a 6 ora propostas, potencialmente, pode liberar para os cofres públicos, estima-se, sem castigar ainda mais o lombo dos mais pobres e da classe média, algo entre, em um “chute” consciente, um montante superior a uns R$300 bilhões ou mesmo R$400 bilhões!!! É só rever o que aqui proponho para perceber que não é um número assim tão difícil de ser atingido, claro, com as medidas aqui propostas.
Querida leitora, prezado leitor, concorda com estas propostas? Se sim, ajude a divulgá-las; acredite que, mesmo sendo difícil que obtenhamos vitórias contra os detentores do grande capital e do poder social, ainda que pequenas, é possível. Não concorda? Ou concorda parcialmente? Está ótimo; o que proporia no lugar que acima expus ou o que sugeriria como complemento? Divulgar, debater e subsidiar novas ações é um passo importante. Vamos juntos?
Carlos Fernando Galvão, Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana, profcfgalvao@gmail.com
Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana
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Ótima análise de conjuntura, Galvão.