Há quase duas décadas, havia uma tela na varanda do meu apartamento no Grajaú, entre meus olhos e a paisagem.
A tela, um dia, protegeu a criança de riscos fatais e o coração dos pais dos sustos maiores. Mas desenhava contra a paisagem diversos mini losangos, como se a pedra, a mata da Reserva e o verde das árvores fossem uma foto de um quebra-cabeças.
Só se podia ver a imagem lisa, plana, fragmentada entre as brechas dos tais losangos, atravessando-se uma câmera entre os pequeninos espaços ou fixando-se a atenção nos detalhes.
Tiraram a rede dia desses.
E a vista que eu amo, que não me permitiu deixar a casa, tal é esse amor, abriu-se inteira num quadro amplo, absurdamente verde, realçada pelo sol implacável que nos mata de calor mas nos alimenta, com beleza, a alma.
É um detalhe somente. Mas promove alterações profundas.
E eu, que ando me sentindo presa nos problemas que tenho vivido, eu, que, às vezes, preciso de fôlego no meio da noite, ganhei a amplitude de um horizonte, a liberdade de esticar a mão e debruçar o corpo para além dos limites em que vivia. É psicológico, eu sei. Mas é libertador.
Paradoxalmente, a liberdade me impõe limites, cuidados com os quais não me preocupava antes de tirar a tela da varanda e as grades dos quartos. Mas e daí? Estou mais próxima de tudo, avanço centímetros em relação às árvores sob minha varanda, quase posso tocar, do meu quarto, o parapeito da varanda do vizinho.
Sinto-me mais integrada ao mundo. Minhas conexões mudaram. Sinto-me mais livre. Não preciso abstrair nem grades, nem telas, nem medos. Preciso lidar, ao mesmo tempo, com o que me assusta e com o que me encanta.
Mas…quer saber? Viver não é exatamente isso?
ANA GOSLING