Fórum do Soneto e a revitalização do soneto clássico

 

Ricardo Sales Camacho nos chegou através do nosso último concurso literário. Seu poema, “A luz”, foi um dos premiados. Na sua minibiografia, Ricardo se define como bacharel em Direito, servidor público federal e sonetista clássico. Veja bem, não “sonetista” mas “sonetista clássico”.

O detalhe importante aponta para o trabalho que o poeta vem desenvolvendo há muitos anos, buscando à revitalização do soneto clássico, com suas técnicas e estruturas tradicionais. Um trabalho que desenvolve com muito empenho e, também, dedicando-se a muito estudo e à multiplicação do conhecimento aprendido.

Ricardo é idealizador, fundador e presidente do FÓRUM DO SONETO (@forumdosoneto), grupo de sonetistas que cultua o soneto clássico. Coleciona vários prêmios literários. Entre eles, foi o primeiro lugar no Concurso Literário da ALB/DF-Academia de Letras do Brasil; teve dois sonetos classificados entre os 15 melhores do Brasil no Concurso Literário Augusto dos Anjos, em 2020; foi o quinto lugar no Concurso de Sonetos Clássicos pela Academia Internacional da União Cultural; foi vencedor do Concurso Cultural Poesia Urbana, pela UNIFEBE-SC; e Menção Honrosa no 44º Concurso Literário Felippe D,Oliveira. Além disso, é membro do “Recanto das Letras” e ocupa uma cadeira na Academia Brasileira de Sonetistas – ABRASSO.

Conversamos com Ricardo sobre o nascimento do seu interesse pela poesia e, especificamente, pelo soneto clássico e sobre os objetivos e as dinâmicas do Fórum do Soneto. Uma conversa cheia de paixão pela poesia e pela expressividade e importância da Arte, de forma geral. Confira a seguir.

ArteCult – Por que sonetos clássicos?

Ricardo – No caso do soneto, você não encontra um livro “faça sonetos”. Não existe isso. Eu tive que garimpar muito, ler muitas obras, fazer escansão – que é um raio X do verso; é abrir o verso e ver como funciona, algo que o leigo não vê. Por isso que um leigo diz “caramba, que lindo, como consegue fazer soar como música?”. Porque ali tem uma técnica apurada, uma série de detalhes técnicos. É claro que a pessoa tem que ser poeta senão fica meramente mecânico. Para fazer sonetos, por mais que a pessoa tenha um dom, é preciso estudar. Fazer sonetos não é algo fácil. Sem demérito algum das outras formas de poesia, exige conhecimentos técnicos específicos.

ArteCult – Quando você, que é bacharel em direito, resolveu se dedicar tão intensamente à poesia?

Ricardo – Eu já fazia versos desde garoto. Sentia necessidade de escrever minhas reflexões. Era algo muito forte, uma necessidade mesmo de desabafar, escrevendo. No ensino médio, com 18 anos, tive uma professora que ensinou os movimentos literários de uma tal forma que me encantou. Passei a prestar atenção à Literatura com mais intensidade e comecei a ler vários romances. Já li tudo de Machado de Assis, por exemplo. Recebo influências de todos esses vultos da Literatura. E escrevia versos livres. Agora, com relação aos sonetos especificamente, isso veio muito tempo depois. Eu era muito inibido. Fui criado em Realengo, onde joguei bola, fui federado, joguei no Flamengo. Quase virei atleta profissional. Eu lia no ônibus, indo e voltando do treino. Tinha um caderno de poemas soltos: Vinícius de Moraes, Augusto dos Anjos. Eu escrevia no ônibus, arrancava a folha do caderno, grampeava os poemas quando já nem tinha mais espaço. Passei a ter uma atração maior por sonetos quando entrei no “Recanto das Letras”, site literário, anos depois, por volta de 2013. Foi meu afã, meu “desespero” para expressar-me que me levou até lá. No site, eu vi um soneto publicado por Derek Castro, apenas um garoto na época, cerca de 19 anos. Parecia um soneto de Augusto dos Anjos. Aquilo me encantou. Eu pensei “se esse rapaz consegue fazer um soneto desse…” Eu achava, por inocência minha, que nunca encontraria sonetos, como os Imortais fizeram, na época em que eu vivia. Achava que ninguém atingiria o nível poético que aqueles caras tinham. Mas ler aquele soneto me impactou. Eu ainda não pensava em fazer sonetos, ainda tinha uma certa vergonha. Mas passei a sentir uma atração especial pela forma fixa do soneto, que mexe com rima, ritmo. Passado o tempo, comecei a ousar, tentando encaixar meus poemas na forma do soneto: dois quartetos e dois tercetos. Mas ainda não eram sonetos porque não estavam na métrica. Sonetos têm que ser isométricos. Versos – todos eles – iguais. Um amigo meu, Helio Silva, me aconselhou que o primeiro passo seria aprender métrica, o que já não seria pouca coisa. Eu resisti porque esse detalhe, a métrica, poda a liberdade de criação. Na verdade, cada vez que você acumula conhecimento para fazer um soneto clássico tradicional, você vai sentindo um limite; a liberdade de criança vai-se estreitando. Você realmente tem que sentir que ama essa forma de escrita. Eu resisti mais de uma vez mas resolvi tentar. E aprendi que para encaixar uma métrica, você tem que aprender, também, uma série de recursos de versificação, como por exemplo, elisões.

ArteCult – Mais aí você já havia se decidido pelos sonetos…

Ricardo – Em setembro de 2018, montei um grupo no WhatsApp, chamado “Recantistas”, primeiro passo meu como líder de um grupo poético. Reuni ali amigos pra falar de poesia em geral. Depois de um ano, o grupo se desfez. Eu e meu amigo Helio ficamos e mudei o nome para “Sonetistas”. Eu já tinha me aperfeiçoado mais em sonetos. Ele me disse “você quer virar um guardião do soneto?” Eu disse: “Quero!” Eu já me sentia capaz e achava que as pessoas deviam aprender o que seria um soneto “de verdade”. Hoje eu sei que, ali, eu ainda teria muito a aprender, mas, naquele momento, achava que já poderia começar a ensinar o que acumulara de conhecimento, porque sabia as dificuldades que havia enfrentando para aprender. Eu ia ao “Recanto” e convidava as pessoas para fazerem parte do grupo e avisava que era só sobre sonetos. As pessoas confiaram em mim. Eu dizia: “Você vai aprender a fazer soneto e o que você tiver de conhecimento, você também coloca no grupo. Você pode me surpreender e é isso o que eu quero: unir fontes de conhecimento!”.

ArteCult – Esse grupo “Sonetistas” virou “Fórum do Soneto” ou não?

Ricardo – Sim, foi esse. Chegaram mais pessoas e fui estudando incessantemente. Fomos mergulhando mais fundo. O grupo achou que devia expandir, ter um nome, não ficar limitado ao WhatsApp. Eu, como líder, instaurei uma votação e escolhemos “Fórum do Soneto”. Fizemos uma bandeira também. Eu não fiz sozinho mas eu tive a coragem de formar.

ArteCult – Você é o idealizador!

Ricardo – Por isso faço questão de dizer que não sou só presidente. Presidente é temporário, é um cargo eletivo. Sou idealizador e fundador. Transpirei minhas ideias ali e todo mundo ganhou.

ArteCult – Como funciona o grupo? Vocês se reúnem para estudar? Submetem a poesia à crítica dos outros? Lembro que você disse na live com os vencedores do nosso concurso literário que havia ensinado vários membros, inclusive, a fazer sonetos? Como se dá a dinâmica do fórum?

Ricardo – É tudo junto. Fui o responsável por colocar grande parte do conhecimento sobre soneto no grupo. Mas não sou dono de nada, não. Há gente lá que escreve sonetos há décadas. Mas muitos membros dizem, hoje, que sabem fazer soneto, embelezá-lo, por causa do fórum. Esses estudos, no tempo clássico, não existiam. Temos o privilégio de olhar para trás e analisar as tendências escolásticas. De certa forma, é até “mais fácil” fazer um soneto clássico hoje do que antes, porque podemos estudar na fonte. Hoje em dia, como os membros têm um conhecimento mais apurado, eles debatem. Eu faço um cronograma de trabalhos para o ano inteiro: trilha de sonetos. Por exemplo: temática coragem. Quem escrever o primeiro soneto sobre o tema, posta-o no grupo. Os seguintes, vão ficando embaixo. Quando postam um soneto, ele fica sob a mira de todos. Pode ser criticado ou defendido. Eu incuti no grupo um olhar detalhista, então analisamos os versos, o detalhe do detalhe.

ArteCult – A intenção é o aperfeiçoamento do soneto, antes de torná-lo público?

Ricardo – Perfeito! É isso. E os membros colaboram com a expansão do fórum. O fórum tem perfil nas redes sociais. Agora, até no Spotify, para quem quer declamar os sonetos. Por isso, montei um grupo paralelo: Conselho Diretor do Fórum do Soneto. Além de mim, mais quatro membros, para tentar descentralizar os poderes do líder e para ajudar a administrar todas essas frentes e, também, as relações no grupo.

ArteCult – Na live dos vencedores do concurso, você havia dito que o grupo tinha uns 14 membros, é isso?

Ricardo – Agora sim. Na história do grupo, já passaram umas 50 pessoas. Deixa eu contar uma coisa: sempre soube que Machado de Assis era cercado de amigos. Era um idealizador e um enxadrista, inseriu o xadrez no Brasil. A Academia Brasileira de Letras foi fundada por ele com os amigos. Eu achava lindo isso. Promover um movimento literário, levantar a bandeira da cultura, da arte escrita, ficava emocionado. Na medida que fui aprendendo sobre sonetos, essa história vinha na minha cabeça. Quem sabe eu não seria como esse cara? Era algo que eu visualizava nos meus sonhos. Hoje em dia, eu sinto que colaboro com a literatura nacional. Sou só um anônimo, um amante da Literatura e, às vezes, por ter uma postura de defesa do soneto clássico, sou mal compreendido. Há pessoas que fazem sonetos, com dois quartetos e dois tercetos, mas com versos livres. Mas, para mim, a estrutura do soneto é mais complexa. Alguns discordam de mim. Isso já existia no Modernismo. Manuel Bandeira não fez “Os Sapos”, atacando os parnasianos? É igualzinho.

Há um membro do Conselho Diretor que foi o responsável por abrir o perfil do Fórum no Instagram. A revista internacional de cultura Wolf Bard viu nossa página e abriu uma coluna gratuita para o Fórum: um texto teórico que fale de sonetos e seis sonetos (dois de cada poeta, num rodízio que fizemos). Na revista, você pode ler nossas publicações.

ArteCult – E os sonetos publicados na página do Instagram, como são selecionados?

Ricardo – Os sonetos são frutos do trabalho feito no Fórum. Cada soneto está num grupo de 13 sonetos, pertinente a uma trilha, um trabalho. Antes, eu postava de uma vez só. Agora, publico um soneto a cada dia. Sempre há sonetos para publicar. Em tese, um trabalho do fórum, leva duas semanas para publicação. No “Recanto das Letras” sai a publicação da trilha inteira.

Publicação do fórum na sua página do Instagram (@forumdosoneto)

ArteCult – Você, pessoalmente, havia dito ter material para uns três livros…E o grupo? Isso não é algo que o grupo deseje? Que vocês lancem, juntos, um livro do fórum, até para divulgação do soneto clássico em si, da plataforma sobre a qual trabalham?

Ricardo – Essa ideia surgiu lá, nas nossas conversas. Um membro, Gilliard, falou sobre isso. (Gilliard Santos foi quem abriu o perfil do Fórum no Instagram. Ele se aperfeiçoou como sonetista, com Ricardo, no Fórum; hoje é renomado, vencedor de concursos de sonetos clássicos e também defensor da divulgação desse trabalho) Mas há outras questões: é preciso organizar, investimento. Temos material suficiente para o livro e o próprio Giliard também falou que seria muito bom para o soneto.

ArteCult – Sim! Todo escritor quer ser lido. Seria algo que afagaria o autor, claro. Mas, considerando-se o que vocês estão criando, tantos sonetos de um grupo que se dedica exclusivamente a isso, estudando, produzindo um material de qualidade, não tem como não publicar uma obra de qualidade. Uma última curiosidade: você tem um sonetista favorito, sua inspiração como Autor?

Ricardo – Gosto muito do Augusto dos Anjos. Apesar de ele não ser um sonetista clássico, ele faz sonetos clássicos. E perpassa por três tendências escolásticas: Parnasianismo, Simbolismo e Modernismo. Ele, pra mim, é emblemático. Sozinho, me aperfeiçoei na arte da escansão fazendo os do Augusto dos Anjos. Porque Olavo Bilac coloca os versos de forma elegante e comportada. Não dá trabalho, pro aprendiz, quando a gente começa a ensinar a arte da escansão, da métrica. Olavo Bilac é, por excelência, um exímo metrificador de versos. Augusto dos Anjos, não. Ele usa de muitos recursos, o que dificulta muito. Por outro lado, foi o que mais me proporcionou ensinamentos. O meu soneto preferido de Augusto dos Anjos é “Versos Íntimos“, que nem atende ao estilo clássico, está mais voltado para o Modernismo. Mas, pra mim, é o soneto mais bonito que tem no Brasil.

 

SOBRE O FÓRUM DO SONETO

FÓRUM DO SONETO é formado por um grupo de Sonetistas que pautam suas composições pelos principais Tratados de Versificação, tendo como principais objetivos a revitalização e o resgate do Soneto Clássico, primando sempre pela técnica e estrutura tradicionais, com base nos principais Tratados de Versificação, apreciação nas obras dos Imortais e incorporando técnicas de estudos implementados pelos mais famosos Tratadistas na matéria de Versificação, assumindo e consolidando, desta forma, um padrão próprio de compor Sonetos através das produções acadêmicas pelos seus membros.
O grupo não se prende particularmente a nenhuma Escola ou Corrente Literária e procura, além de incessante produção em nome da bandeira do FÓRUM, através de debates, estudos e pesquisas no ambiente saudável do grupo, que prima por aprimorar e ampliar os conhecimentos técnicos no fazer poético no Soneto, respeitando o estilo de cada  membro, levando em consideração o contexto da produção literária de cada um, mas, ao mesmo tempo, mantendo o seu padrão.

Páginas do Fórum do Soneto:

Instagram – https://www.instagram.com/forumdosoneto/
Site – https://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=214516

 

Revista Wolf Bard:
Revista The Bard – The Wolf Bard

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, aqui no ArteCult, há texto novo da autora. Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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