Nunca é tarde para começar. Após quarenta e três anos de atuação como jornalista (repórter, redator, secretário de redação e editor) em veículos de comunicação importantes do Brasil e do exterior, tais como TV Tupi, Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, O Globo e Agência Sputinik (antiga Voz da Rússia), Mario Russo lança seu primeiro livro de ficção. Esses que vão pelos bares (editora Ibis Libris) oferece ao leitor vinte e três contos e crônicas escritos ao longo de três décadas. Sobre a obra e sua trajetória profissional, o jornalista (e agora escritor) conversou com o ArteCult.
ArteCult: Na sua opinião, todo jornalista é um contista ou cronista em potencial?
Mario Russo: Não acho que todo jornalista seja um cronista ou contista em potencial, como também ao contrário. Óbvio que, devido ao exercício diário do texto, um jornalista teria mais facilidade para se tornar contista ou cronista. No Brasil e no mundo, porém, temos vários exemplos de sucesso em que o autor exercia ou exerce outra profissão que não a de jornalista. Comecei a trabalhar em 1975, sou, portanto, de uma outra geração de jornalistas, como os que trabalhavam na Geral, hoje transformada, em todos os jornais, numa subeditoria de Polícia. Ao sair diariamente com uma pauta, matinha sempre olhos e coração abertos para a vida ao redor, a vida sintetizada muitas vezes em pequenos acontecimentos, detalhes às vezes ínfimos, mas importantes enquanto histórias. Essa prática ao longo dos anos, somada com leituras de grandes nomes da crônica brasileira, como Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino e Érico Veríssimo, serviram para forjar em mim o amor pelo estilo, acrescentado anos depois por outro: o do realismo fantástico, que começou com Franz Kafka e se enraizou em mim com nomes ícones da América Latina, como Gabriel García Marquez, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges e brasileiros como Murilo Rubião e J.J. Veiga, entre outros.
AC: Como surgiu a ideia do livro?
MR: A ideia do livro surgiu após mais de trinta anos. Comecei a escrever bem cedo, encorajado por professores e amigos. As histórias não são necessariamente autobiográficas – embora o livro tenha quatro assim -, mas garimpadas na minha obsessão pela observação de pessoas e situações. Após quarenta e três anos de profissão, aposentei-me em 2015, quando deixei o Rio e vim morar em Teresópolis. Não tenho mais a prática do escrever diário, nem em histórias. Dos vinte e três textos, apenas quatro foram escritos nos últimos três anos. O restante remonta às décadas de 1980, 1990 e 2000. Nasci no Rio de Janeiro, no Andaraí, morei muitos anos na Tijuca e em Copacabana, mas já há muitos anos me incompatibilizei com a cidade por motivos que boa parte dos cariocas bem sabe. Resolvi então selecionar algumas dessas histórias, do que resultaram as vinte e três publicadas pela Ibis Libris. Passadas todas as etapas, o livro levou onze meses para ficar pronto. É uma edição simples, despojada, mas sóbria e, creio, de bom gosto. Muitas pessoas me perguntam até agora a razão de ter escolhido “Esses que vão pelos bares” como título e não “A Mulher que anda na chuva”, outra das crônicas. Confesso que o título pode remeter o leitor a um tipo de texto bem-humorado, jocoso e descontraído. Ao lê-lo, porém, tenho a certeza de que a sensação que fica é exatamente oposta. Não é pesado, depressivo. Antes, é um grande questionamento sobre as pessoas e suas relações com as outras e sobre questões existenciais. Não me arrependi da escolha.
AC: O que o leitor vai encontrar em Esses que vão pelos bares?
MR: Acredito que o leitor vai encontrar nessas histórias um pouco de suas próprias trajetórias ou de alguém conhecido. Não busquei uma unidade ficcional. O livro está dividido em duas partes: dezoito crônicas e cinco contos. Há de tudo um pouco, desde as pequenas mazelas e alegrias do dia a dia, passando por histórias pitorescas, como a do baixinho paquerador, a do menino que questionava as estrelas-do-mar e as fases da lua, até outras aparentemente absurdas, que revelam a complexidade e o espanto da condição humana. Tenho pensado se valeria a pena publicar outro livro de crônicas e contos no ano que vem. Já tenho o material, cerca de vinte textos. No Brasil, livro é artigo caro e nem sempre acessível a todos. Fora os best-sellers das grandes editoras e dos gêneros populares (autoajuda, misticismo & religião, como se tornar um sucesso profissional, entre outros), é um mercado difícil. Em Esses que vão pelos bares, convido o leitor a ser coautor deste pequeno, misterioso e frágil universo.
Confira abaixo um trecho do texto “Variações sobre um tema duvidoso”:
O assunto é sério. Imagina agora a seguinte cena: o prezado está muito bem instalado em casa, copinho de uísque na mão, corpo metido em uma daquelas bermudas que deixam a gente mais livre do que cena de pássaro em comercial de TV. O dia pode ser um sábado, com um pôr do sol emoldurado na janela e um sentimento de aconchego infiltrado pela casa. Dentro em breve, o telefone vai tocar (você tem certeza disso) e, do outro lado da linha, a tão esperada voz feminina vai confirmar o encontro mais à noite.
Pois bem. Em menos de um minuto, enquanto você se dirige à cozinha a fim de remuniciar o gelo no copo, ela surge. É, meu caro. Ela aparece, e antes que se saiba o motivo, lá está você, curvado, o corpo abandonado na poltrona, com o coração em um desalento idêntico ao dos cantores de tango.
Mesmo correndo o risco da repetição: solidão é fogo!
Até os trinta anos, ainda vá lá. O pior é depois, quando se anda pelos bosques, além das planícies balzaquianas. Barba na cara, mulher, filhos, contas a pagar. Solidão é inexplicável e, muitas vezes, sem antídoto.
SERVIÇO:
Título: Esses que vão pelos bares
Autor: Mario Russo
Formato: contos e crônicas
Editora: Ibis Libris
Número de páginas: 96
Preço: R$ 25,00
Muito bom!
“O conto a mulher que anda na chuva” é maravilhoso!