
Com Ana Lúcia Gosling

Foto: Reprodução de foto da página @fotossantigas
O tema da oficina literária era comida de outras épocas. Sei que deveria ter-me lembrado da batata frita larga feita pela avó ou dos lanches com biscoito maisena mergulhado na xícara ou, ainda, da coxinha de galinha que minha mãe fazia para piqueniques. Mas minha obsessão foi o tringuilim. A lembrança gastronômica infantil primeira não veio de casa mas dos vendedores ambulantes que passavam pela minha rua: o sorveteiro e o homem da matraca.
O sorveteiro passava entoando “Chiii-cabon”. Bastava sua voz para a criançada largar as brincadeiras na vila e agitar-se para dentro das casas, seduzindo pais e avós a comprarem o picolé de chocolate. A saudade dessa alegria chega a apertar o peito enquanto escrevo, agora. A felicidade depositada num picolé, só criança consegue enxergar. Meus avós eram linha dura para dar dinheiro para “besteiras” mas a euforia era tanta que cediam ao sorveteiro. Não sem antes, na sua eterna função de educar-me, vovó gritar da porta de casa para eu preferir coco a chocolate, por achar mais benéfico. Luta perdida, a dela, logo se veria pelo bigode melado e marrom desenhado na minha cara.
O outro vendedor constante era um homem que passava sacudindo uma matraca, alvoroçando a vizinhança. Carregava, pendurada ao pescoço, uma bandeja de madeira, com chupetas vermelhas carameladas e biscoitos, os tringuilins.
Tentei recordar o nome do biscoito e não conseguia. Descrevi-o para meu irmão, para uma amiga, para o Google… Ninguém me dizia o certo. Eu lembrava o nome ser parecido com o som da matraca e essa era a parte divertida. Tililim? Tintintin? Prililim? Alguém disse “waffle”, esquecendo-se de quão fininha e levinha era sua massa, que quebrava nas mãos estabanadas das crianças antes de chegar à boca. Até que veio a memória: tringuilim!
Não me serviu para a outra crônica mas fez surgir esta aqui, como pretexto para o registro da saudade de um tempo em que ser criança, mesmo superprotegida como fui, era ser livre. A recordação de ter a porta de casa como casa também, a rua calma como um espaço seguro para, ainda pequenos, sairmos para comprarmos doces e sorvetes, e vivermos tardes com pés descalços, joelhos ralados e brincadeiras de pular e correr, gastando energia longe dos adultos.
Naquela época, o carinho de avó tinha gosto de lanche com goiabada e requeijão, artigo considerado caro para ela, combinação que eu adorava. O carinho de mãe, gosto de sobra de massa crua de bolo cuja forma ela deixava eu limpar com o dedo, nos fins de semana. O carinho do mundo, o gosto de chicabon e de tringuilim, oferecidos por vendedores sorridentes que escolhiam sempre voltar a minha porta. Criança é egocentrada, eu achava que era por nós, pra nossa satisfação e alegria, não sabia nada de sermos clientes nem da necessidade de ganhar-se dinheiro. Mesmo o senso de realidade que nos acompanha na vida adulta não afasta o sorriso do nosso rosto num resgate de imagens antigas. O mundo é melhor nas memórias infantis conservadas.


Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo














Adoro amiga, as recordações da infância e na sua crônica, pude voltar no saudoso passado e relembrar tantos momentos maravilhosos e similares, alguns mais que outros, aos seus!!!
Obrigada por esta rápida viagem, mas tão energizante e revigorante, que é recordar a nossa infância!❤️
Obrigada pela leitura! Que bom termos viajado juntas!
Uma volta ao tempo! O nome do sorveteiro era Sr. Edson. Eu pedia sempre o picolé de limão, meu irmão de uma e você de chocolate. Nós ainda tínhamos à porta o padeiro, não me recordo o nome, mas ele chegava à tarde para vender pão de sal, pão doce e pão suíço, o preferido de mamãe. As guloseimas que ele vendia eram de dar água na boca!
À noite ainda passava o pipoqueiro e avisa com um tringuilim!
Adquiri o gosto por café com leite dos lanches diários na casa de sua avó.
Quantas lembranças da nossa doce infância, minha querida amiga!
Época boa… as pequenas coisas puxam memórias tão especiais. Obrigada pela leitura, amiga.