As tranças, presas com elástico, caíam nas costas da menina. Carmem procurava fitas na caixa de costura e retalhos. Afastava os objetos misturados, na pressa de saírem para a escola.
– Olha, vó! Luvas!
– Deixa isso aí.
Carmem amarrou laços na ponta do cabelo de Cissa. A menina passou um batonzinho muito claro, achando-se moça no corpo de criança. O rosto redondo, a boca levemente brilhante, o colorido dos lacinhos, parecia uma boneca.
Foram de mãos dadas pela rua. Cissa carregava a merendeira no pulso direito, como uma mademoiselle.
– Posso levar as luvas para a escola? Posso, um dia, ir de luva, vó?
Carmem riu. Perguntou-se de onde a neta tinha tirado a pose saída dos filmes de época, o gosto pelas posturas e roupas antigas.
– De jeito nenhum. Pra luva voltar toda colorida de guache?
– Eu queria…
A avó contou para a neta a história das luvas. Ganhara do pai, aos 15 anos, um colar de pérolas, o par de luvas brancas e um chapéu cor de creme, com detalhe em renda. Usava os presentes com seu vestido de passeio, sempre que desciam de Petrópolis. Uma vez ao mês, circulavam pela Rua do Ouvidor, compravam tecidos para as costuras de sua mãe e comiam doces na Casa Manon. Desfilavam entre os cariocas, as mulheres bem vestidas e os homens de terno. Até os trabalhadores andavam de chapéu e paletó sobre as camisas. Carmem se sentia a estrela de um filme. Eternizou a sensação de passear de braços dados com o pai, numa atmosfera de perfumes e cores, que só no Centro do Rio havia.
– Quando eu tiver 15 anos, você me deixa ir de luva pra escola?
– Deixo!
Cissa se deu por satisfeita. Contaria às amigas, no recreio, que, quando crescesse, usaria um par de luvas de cinema, reduzindo a história às partes que lhe interessaram. Carmem se encheu de ternura diante da inocência da neta. Na porta da escola, passou-lhe a mochila, recebendo, na despedida, um beijo melado de gloss.
Ficou parada, vendo Cissa entrar e misturar-se com as outras crianças. O peito apertado diante da fugacidade daquele momento. O peito apertado diante da fugacidade da vida. A lembrança do pai, de um tempo distante, existente na sua memória. Não pode deixar de pensar quando também viveria, apenas, na lembrança de quem a amou.
Voltou para casa. Vestiu as luvas e o colar de pérolas, presentes ainda conservados. Fez poses diante do espelho, emoldurando o rosto com as mãos de algodão. Sentou-se na cama, cheia de saudades. Apertou as pérolas contra o peito, lembrando-se da gargalhada do seu pai.
Enrolou a joia e as luvas num papel fino, deixando, escondido, um bilhete para Cissa: “Certas coisas nos lembram das pessoas e do tempo em que tudo fazia sentido. Que eu seja uma das suas melhores lembranças”. Fechou o embrulho com uma fita amarela, escrevendo sobre o papel: “Para Cissa, aos 15 anos”.
ANA LÚCIA GOSLING