Eu era menina tímida. Dançava no quarto com as janelas fechadas, para não ser vista. Mas pegava toda corda.
Colecionava cartas recebidas da madrinha, da tia de Brasília, da amiga em Raiz da Serra, cartões de Natal e os jogava para o alto num sorteio imaginário, como no programa “Os Trapalhões”.
Ouvia o LP de sambas-enredos, pulando, ora como se na avenida estivesse, ora como se acenasse do camarote. Imitar coreografia e fingir o xampu ser microfone é coisa que todo mundo faz; fiz também.
Lá em casa, havia um compacto duplo que tinha, de um lado, “Pour Anna” e, do outro, “The Girl from Paramaribo”. Com esta, eu simulava ser uma ginasta nas Olimpíadas. Fazia um rabo de cavalo, levantava os braços saudando a plateia imaginária e me apresentava, o carpete demarcando os limites do meu solo. Nada acrobática, caprichava mais no requebrado do que nos movimentos de verdade, por ser incapaz de imitá-los.
Entre as paredes da minha casa, sonhei muitos futuros. A maioria, fogo de palha, influência do momento. “Coisas que eu quis ser e não fui”, diria Roberto Carlos.
Mas eu gostava mesmo, e ainda gosto, das Olimpíadas. As cerimônias de abertura, as histórias de superação, as conquistas inéditas, o inesperado. O abraço acolhendo choros, contusões. O tal espírito esportivo elevado à máxima potência, produzindo imagens inspiradoras.
Há uma coisa tão bonita no ar quando esses dias chegam. O esporte abrigando, em mesma vila, povos rivais, crenças diferentes, países ricos e países pobres. Refugiados ao lado de atletas de seu país de origem. Um microuniverso onde a convivência de todos é possível. Admira-se o talento, a habilidade e o trabalho, sem comparações a partir de crenças pessoais. Uma bolha de tolerância construída pelo amor ao esporte, à beira da chama da pira. Não deveríamos permitir que, nunca, esse sol se pôr.
Vejo como posso, desencontrada do fuso do país do evento e no fim do dia de trabalho. Com a internet do celular, pude assistir, no trabalho, às atletas da ginástica fazerem história, ganhando a primeira medalha de competição por equipe. Meus dois esportes favoritos no torneio: vôlei e ginástica artística. Com orgulho, relembro também ter testemunhado o primeiro ouro do vôlei, há anos.
O Brasil permanece aquém dos grandes países quando o assunto é medalha na Olimpíada. Nossos atletas ainda sofrem muitas dificuldades para viver do esporte e conseguir patrocínio para seus ideais. Mas, sem dúvida, o desempenho do país melhorou nas décadas em que acompanho o evento.
Hoje senti uma alegria diferente ao testemunhar o momento da ginástica feminina. Lembrei-me de mim, pequena, sonhando ser Nadia Comaneci. Que bom ser menina nestes dias e poder sonhar ser Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Júlia Soares ou Lorrane Oliveira.
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com César Manzolillo