ÀS QUARTAS – Olímpica

    Foto: Reuters, Marko Djurica – Exame

Eu era menina tímida. Dançava no quarto com as janelas fechadas, para não ser vista. Mas pegava toda corda.

Colecionava cartas recebidas da madrinha, da tia de Brasília, da amiga em Raiz da Serra, cartões de Natal e os jogava para o alto num sorteio imaginário, como no programa “Os Trapalhões”.

Ouvia o LP de sambas-enredos, pulando, ora como se na avenida estivesse, ora como se acenasse do camarote. Imitar coreografia e fingir o xampu ser microfone é coisa que todo mundo faz; fiz também.

Lá em casa, havia um compacto duplo que tinha, de um lado, “Pour Anna” e, do outro, “The Girl from Paramaribo”. Com esta, eu simulava ser uma ginasta nas Olimpíadas. Fazia um rabo de cavalo, levantava os braços saudando a plateia imaginária e me apresentava, o carpete demarcando os limites do meu solo. Nada acrobática, caprichava mais no requebrado do que nos movimentos de verdade, por ser incapaz de imitá-los.

Entre as paredes da minha casa, sonhei muitos futuros. A maioria, fogo de palha, influência do momento. “Coisas que eu quis ser e não fui”, diria Roberto Carlos.

Mas eu gostava mesmo, e ainda gosto, das Olimpíadas. As cerimônias de abertura, as histórias de superação, as conquistas inéditas, o inesperado. O abraço acolhendo choros, contusões. O tal espírito esportivo elevado à máxima potência, produzindo imagens inspiradoras.

Há uma coisa tão bonita no ar quando esses dias chegam. O esporte abrigando, em mesma vila, povos rivais, crenças diferentes, países ricos e países pobres. Refugiados ao lado de atletas de seu país de origem. Um microuniverso onde a convivência de todos é possível. Admira-se o talento, a habilidade e o trabalho, sem comparações a partir de crenças pessoais. Uma bolha de tolerância construída pelo amor ao esporte, à beira da chama da pira. Não deveríamos permitir que, nunca, esse sol se pôr.

Foto: Loic VENANCE/AFP – Isto é

Vejo como posso, desencontrada do fuso do país do evento e no fim do dia de trabalho. Com a internet do celular, pude assistir, no trabalho, às atletas da ginástica fazerem história, ganhando a primeira medalha de competição por equipe. Meus dois esportes favoritos no torneio: vôlei e ginástica artística. Com orgulho, relembro também ter testemunhado o primeiro ouro do vôlei, há anos.

O Brasil permanece aquém dos grandes países quando o assunto é medalha na Olimpíada. Nossos atletas ainda sofrem muitas dificuldades para viver do esporte e conseguir patrocínio para seus ideais. Mas, sem dúvida, o desempenho do país melhorou nas décadas em que acompanho o evento.

Hoje senti uma alegria diferente ao testemunhar o momento da ginástica feminina. Lembrei-me de mim, pequena, sonhando ser Nadia Comaneci. Que bom ser menina nestes dias e poder sonhar ser Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Júlia Soares ou Lorrane Oliveira.

 

ANA LÚCIA GOSLING

@analugosling

 

 

 

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Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, aqui no ArteCult, há texto novo da autora. Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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