– Galinha! – José gritava na porta do prédio, alterado pela bebida. – Baleia! Tá se achando gostosa? Atrás de mim, só tem filé.
O peito despedaçado. Só pensava em envergonhar a mulher.
Maria se encondia atrás das cortinas do quarto. Morta de vergonha. Rezava para o homem ir embora logo. Naquela noite, tinha compromisso.
– É o fim do mundo! – disse uma vizinha, esperando o elevador.
– O fundo do poço! – respondeu Severino – Foi chutado pela mulher, virou a cabeça.
O elevador subir vazio. A vizinha se interessou pelo assunto.
– Traição?, perguntou.
– Nada! Ele é carta fora do baralho há meses. Maltratava a pobre, chegava mamado. Dançou.
O porteiro sabia detalhes da vida do casal. Interfonou umas vezes, pedindo silêncio nas discussões. Precisou, até, chamar a polícia numa noite em que José, bêbado, esmurrava a porta, tentando entrar em casa.
– Bem feito! Acostumado à vida de rei! Casa, mulher, comida quentinha. – a vizinha dizia, como se soubesse.
– Dona Maria não merece. Uma santa!
– Pedaço de mau caminho. Com aqueles olhos? Deve ter fila na porta. Duvido que dê ponto sem nó!
– Isso é a senhora que está dizendo.
Severino encerrou a conversa, antes de emitir algum parecer que o implicasse. Sempre sobra para o lado mais fraco. Não podia arriscar a caixinha de Natal. Dona Maria era uma santa. Ponto. Foi até o homem para tentar acabar com o rebuliço.
José ajoelhou na calçada, chorando rios. Dor e álcool latejando na mente. Maria permanecia com as cortinas fechadas e o coração blindado.
– Essa mulher tem coração de pedra! – José gritava.
– Faz isso, não, “Seu” Zé. Geral olhando.
Severino convenceu José a sentar-se na portaria. Faltava pouco para o porteiro da noite chegar e reclamar de o problema ter ficado sem solução antes da troca do turno.
– Essa mulher tem sangue de barata! – José se doía.
– Assim o senhor não derrete o coração dela. Ela é uma “lady”.
– Com gelo nas veias.
– Lembra, no início do namoro, dos bilhetes que deixava na portaria com flor pra ela? Mulher gosta de palavra doce.
– Gastei meu Português. “Você é minha jóia, minha luz”. Vaca!
Maria chegou quente na portaria, comprando o barraco:
– Judas! Traíra! Filé, não sei. Mas piranha, atrás de você, não falta! Pede a elas pra lavarem suas cuecas. Já nadei em outra direção.
– Amo você. Não fala assim, gatinha.
– Baleia, você disse. Não sou peixe raso, não. Domino oceanos!
Maria saiu, vestida para matar: roupa colada ao corpo, decote generoso e boca pintada de vermelho. José tentou seguí-la, trôpego.
– Aonde você vai, mulher?
– Ciscar em outro terreiro. Galinha, né?
Severino assistia a tudo entristecido. Tanta rima, tanta metáfora, tanta palavra jogada fora.