Cecília costumava ninar o neto na varanda do apartamento. Seu filho assistia ao futebol de domingo na tevê. A nora dormia, depois da noite insone de choros, mamadas e cólicas. Entre sorrisos e notas musicais, Cecília trazia equilíbrio à casa enquanto todos descansavam, debruçando seu amor sobre o menino.
Sua voz ao longe e a leve brisa que atravessava a porta de vidro faziam a tarde morna e a existência mais terna. Todos sabiam: ela logo partiria. Não havia mais tratamentos e nem recursos para prendê-la aqui até que o neto vencesse o primeiro campeonato de futsal ou aprendesse a escrever as primeiras palavras. Da avó, o neto guardasse, torcia a família, a lembrança da doçura da voz e, talvez, uma associação com o vento de verão.
Sem confiar na memória do recém-nascido, o pai resolveu filmar os dois. A mãe num vestido floral, o filho só de fraldas, as perninhas dobradas e os olhos fixados na direção da música. Foi das cenas mais lindas a que assistiu. Se não fosse pelo bebê, nem precisaria registrar a cena. As imagens ficariam impressas na memória afetiva, sem que o tempo tivesse a força de apagá-las.
Não aprendi a dizer adeus/mas tenho que aceitar/que amores vem e vão/são aves de verão. Cecília cantava, sem perceber que, aos olhos do seu filho, entoava palavras da própria despedida. Ele abaixou a câmera, beijou a testa do menino, abraçou-se à mãe.
– Quem ganhou a partida? – ela perguntou.
– Está no intervalo.
– Quando o jogo acabar, vou embora. Esse gatinho fica com você.
A sequência dos fatos foi esta: ela foi para casa, eles se falaram pelo telefone nos dias seguintes, mas, no outro domingo, ela já não pode ajudá-los. Ele soube antes, ele sabia a cada passo, que era a hora de despedir-se. Mas não o fez. Como se dar adeus tivesse o poder de antecipar uma partida. Como se, ao prorrogar a despedida, a morte também prorrogasse sua chegada.
Em pé na varanda, exausto das atenções no funeral daquela manhã, enquanto a mulher aquecia a mamadeira para encerrar o choro do menino, ele abraçava o bebê contra o peito. Não tenho nada pra dizer/só o silêncio vai falar por mim/eu sei guardar a minha dor/e apesar de tanto amor/vai ser melhor assim.
O sol brilhante lembrava ao corpo que era verão. Os gritinhos do filho estabeleciam a renovação da vida. A brisa suave trazia a memória de Cecília e, na mente dele, vinham juntos o cheiro da colônia que a mãe usara no último domingo e a nítida imagem do seu sorriso.
– Tchau, mãe! – disse a ela, beijando a cabecinha do neném.
– Posso dar a mamadeira? – a mulher chegou.
– Deixa esse gatinho comigo.
O menino sugava com vontade o leito aquecido. Os olhos fixados no pai, na direção da música. A mulher apoiada na sacada a fazer-lhe companhia. Estava triste mas repleto de amor e lembranças. Naquele recanto, havia um mundo inteiro. E ele soube, já sabia, que um fio tênue os manteria, mãe e filho, vivos e separados.
ANA LÚCIA GOSLING