Lar Doce Lar
Augusto se entusiasmou com o telefonema do homem procurando um lar para sua família. A casa herdada da avó parecia ser na medida para o comprador: três quartos, um quintal com churrasqueira, um muro protegendo o futebol dos meninos.
Chegou antes do horário marcado para cobrir os móveis: uma cama embutida no quarto e, também, um armário, guardando os últimos objetos. Ao pegar os lençóis na prateleira do armário, puxou o posto de gasolina de três andares que, menino, ganhou da avó. O posto estava escondido no fundo, em um saco negro, atrás de travesseiros amarelados. As rampas entre os andares um pouco tortas. Os carros de plástico adesivados de labaredas. Dois bonecos para serem postos ao lado do lava-jato e da bomba de gasolina.
Seus olhos empoçaram saudades. Espalhou as peças no chão: a pista, os bonecos, as rampas. A avó guardara o brinquedo para passá-lo ao bisneto. Seu filho com Marília, junto a quem Augusto seria menino de novo. Havia arrumado o posto sobre a cômoda do quarto do bebê, no terceiro mês de gravidez da mulher, quando souberam que um menino estaria a caminho.
Não tiveram sorte. A gravidez não chegou ao fim. Devolveu o brinquedo à avó, tirando de casa a lembrança da perda. Não conseguiram mais engravidar. E a mulher não aceitou a ideia da adoção. Queria gerar o próprio filho. Os tratamentos dela e os fracassos minaram a relação do casal. Augusto, sem experiência de confortar; Marília, sem saber isentar-se de culpas.
A angústia se quebrou quando o comprador tocou a campainha, com os filhos pela mão. Enquanto a esposa estacionava o carro, as crianças se espalharam pelo quintal e o homem media o pulo em direção à vida sonhada. “Quanto é o IPTU? A vizinhança é barulhenta?” Augusto enfeitava respostas, apontando a boa divisão dos cômodos.
A correria das crianças para dentro da casa anunciou a entrada da esposa. Era Marília. Augusto estava diante da nova família de Marília. O marido e os gêmeos testavam o som de madeira do assoalho, indiferentes ao breve desconforto entre o ex-casal. Marília apresentou Augusto ao marido. Desfeito o constrangimento num aperto de mãos, o homem continuou a perguntar coisas de ordem prática.
No chão do quarto, os meninos descobriram o posto arrumado. Montaram as rampas. Fizeram o som dos bonecos e do motores dos carros. A mãe se ajoelhou ao lado deles. “Não acredito! Você guardou?”. Marília passou os dedos pelas peças, imaginando doces os contornos do passado. Augusto viu seu sonho vivo num futuro que o exilou. Na venda da casa, deixou para os filhos de Marília o brinquedo que seu filho não tocou.
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com César Manzolillo
Como diz o meu pai: a cama não é para quem a faz e sim para quem a se deita. Adorei Aninha! Bjs
Obrigada, Natália, pelo comentário carinhoso! Beijos.