Com Ana Lúcia Gosling
As tiras da sandália cor-de-rosa, contrastando com a pele. O hidratante de corpo deixando rastros de glitter dourado no colo. Puxou os olhos para o alto com o delineador também cor-de-rosa. Os cílios postiços longos com cristais na ponta. Os cabelos cacheados, livres, para comporem uma imagem esplendorosa, com algumas borboletas brilhantes espalhadas entre os fios. Um biquíni rosado embaixo da cortina de tachas douradas. A boca maravilha, um risco de blush afinando as bochechas.
Estava pronta. “Ainda é janeiro, menina!”. Ignorando a mãe, desceu para o bloco, que arregimentava novos foliões para chegar ao Carnaval maior do que no ano anterior. Desceria a ladeira até a rua principal, atrapalharia o fluxo da avenida e seria notícia nos telejornais. Tudo planejado pelo maestro Zinho que a convidara para sair à frente da bateria.
“Você sabe requebrar, garota! Mostra pra mim!”, ele dizia, mais por alegria do que por malícia. E ela sambava, os braços no ar, os quadris se movendo de jeito que as tachas do vestido faziam modesta percussão. Fios de cabelo colados no pescoço, a saboneteira represando suór e gliter, o rímel ligeiramente manchado no fim do primeiro quarteirão, ela parou para uma cerveja.
“Moça, paga uma cerveja aí. Na boa, sincero mesmo, me ajuda a espantar o calor.” Ela riu ao morador de rua, comprou duas cervejas e brindaram juntos no fim do cordão, esperando os últimos foliões virarem a esquina. Voltou à frente dos músicos, a garrafa na mão, o molejo direcionado ao rapaz do pandeiro, as mãos levantando o cabelo, exibindo a tatuagem do instrumento no pescoço, enquanto fingia calor. O músico se ajoelhou diante dela, batucando, e ela o circulou com seus passos. A sorte de o vento lhe assanhar os fios enquanto ele ainda a olhava. A estima acrescida pela sensação de ser musa, deusa, estrela.
“Vamo lá pra casa, mulher. Tô doido por tu”. Ela dava de ombros e sorria, a língua gelada da bebida embaralhada na dele, o arrepio na pele. Chegaram, com o bloco, à avenida, onde o povo se dispersou. No último refrão, ela brincou, imitou frevo, tik tok, funk, e voltou ao samba, os quadris soltos, os braços para um lado e para o outro, um foco de luz imaginário sobre si.
Sentou-se na beira da calçada, trocando a sandália pelo chinelo de dedo. “Bora lá, gata. Estendo tapete pra você passar”. Retocou o batom, estalou os lábios do rapaz e seguiu, na direção da ladeira. “Tá tarde! Minha mãe tá me esperando pra jantar”.
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo