Aos doze anos, trocou o primeiro beijo, como idealizara: com o menino mais bonito da sala de aula, na frente de toda a escola. As amigas, de risotinhas, vendo tudo de longe. A estreia perfeita.
Colecionaria outros grandes momentos. Um estalinho ao fim de um macarrão dividido, como no filme da Disney. Um cartão cheio de corações e um ursinho de pelúcia no Dia dos Namorados. Chorariam os dois, ao se separarem, por não saberem que os amores doem mesmo se libertam.
O namorado seguinte tocava violão. Era dado a gestos cinematográficos. Uma serenata sob sua janela, dedicando-lhe a canção que tocou quando se beijaram, no barzinho. Convites para sair escondidos em buquês coloridos de flores campestres. Perfeito também. A dor do término inspiraria o primeiro sucesso do rapaz nas plataformas digitais.
Não gostava de manter secretos os encontros com o colega de trabalho. Mas não queria expor-se no escritório. Saíam no fim do expediente e o máximo que se via, no Instagram, era uma foto de dois drinques sobre o balcão do bar. Ou uma cama coberta de pétalas de rosas no hotel do fim de semana. Quando a relação ficou séria, tudo se tornou hiperbólico: fotos de beijos, anéis no dedo, abracinhos enroscados, com música romântica ao fundo. Filmes das danças, dos passeios, das mãos dadas. Corações desenhados nas areias e um “reel” do mar lambendo o contorno lateral mas, segundo o texto subscrito, “sem conseguir apagar o nosso amor”.
O noivado foi transmitido ao vivo pelos “stories”. A aliança dentro da taça de cristal, servindo um champagne caro, músicos tocando violino ao fundo na hora do aceite, os garçons segurando estrelinhas acesas, com empolgação. Do casamento, viu-se a beleza da festa, a coreografia do noivo com os padrinhos para ela, a dela com as madrinhas para ele. Os dois no centro da pista dançando “Beauty and the Beast” sob uma chuva de pétalas. A câmera fechando no brilho dos cristais do lustre do salão de festa. O chá revelação dos gêmeos teve pequenos canhões de cores, de onde o azul explodiu, enquanto o marido a rodopiava no ar.
A vida de sonho, os filhos criados, a velhice adiada nos procedimentos estéticos e nos exercícios postados nas redes sociais. No “feed” de notícias, a informação “solteira” apareceu no status. Pública, não só para amigos.
Espectadora dos inícios alheios, das paixões da nova geração, entendeu: o amor não mora na sua face espetaculosa. Mas nas brechas que, aos outros, são invisíveis. A respiração, a seu lado, durante a exibição do filme. O corpo em que o seu esbarrava na cama. A conversa antes de dormir, com a cabeça no travesseiro, as luzes já apagadas. A divisão das tarefas aborrecidas, ir ao banco, chamar o eletricista, chegar cedo para receber a encomenda, dirigir até a farmácia 24 horas no meio da noite. O chá de camomila preparado na madrugada insone. Ali, seu amor morara. Ali se deixara fotografar de corpo inteiro, sem maquiagem. Sua face não era estampa mas presença no correr dos dias. Saltava na saudade, como lacuna irremediável, como um membro amputado de si. E, olhando a nova foto do seu perfil no WhatsApp, ninguém saberia.
DICA DA SEMANA:
Para quem estiver em São Paulo, a dica é uma visita à exposição O Triste Fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto. A mostra faz parte do projeto A Imagem e a Palavra, da artista plástica Altina Felício, e conta com a colaboração de vários artistas visuais, que apresentam gravuras, aquarelas, óleos, fotografias etc, inspiradas na obra do escritor Lima Barreto.
Os artistas convidados foram Ana Maria de Niemeyer, André Reis Balsini, Ângela Barbour, Beth Pacchini, Bia Black, Constança Lucas, Fernando Ekman, Hélio Schonmann, Isabel Pochini, Ivani Ranieri, Ivanir Cozeniosque, Laura Cardoso Pereira, Lilian Arbex, Lygia Eluf, Lourdes Sakotani, Maura Takemiya, Paulo Barreto, Pedro Maluf, Rafael Augustaitiz, Renata Antunes, Ruth Kelson, Ruth Tarasantchi e Vicencia Gonsales.
O projeto A Imagem e a Palavra tem, em sua essência, a ideia de que o livro e as palavras sirvam de inspiração para uma produção artística visual, a partir dos sentimentos provocados no artista.
SERVIÇO:
Exposição O Triste Fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto)
Visitação: De 07 de junho até 11 de julho, das 10h às 18h, de segunda a sexta-feira.
Onde: Sala BNDES/Subsolo da Livraria Edusp
Rua da Biblioteca, 21, Espaço Brasiliana – Cidade Universitária, São Paulo
Quanto: Entrada gratuita.
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo
Crônica lírica, suave, verdadeiramente real e triste. Usar palavras certas de maneira certa e contar uma história é para poucos. Ana é grande escritora. Parabéns!
Ah Tanussi, esse elogio vindo de você…que presente pro meu coração! Obrigada