Pão doce colegial com presunto. Adoro. Era a esquisitice que levava na lancheira da escola. Salgado com doce. Presunto com creme. Tudo destoando. Minha mãe dizia: “comida de grávida”. Eu era criança. Criança não pensa assim. Combina pipoca com leite condensado. Estrogonofe com feijão. Come a salada verde misturada com arroz e feijão para tornar suportável o gosto da folha.
Quando me apaixonei, ele também gostava dessa mesma mistura. Ríamos ao pedir a combinação no balcão da padaria, sob o olhar de estranheza do atendente. Apaixonados riem por qualquer coisa. Lembrávamos as nossas histórias de criança. Na sua família, lombrigas imaginárias levavam a culpa pela excentricidade do seu paladar. Como se adultos não combinassem arroz com passas ou carne com pêssego em calda. Estes, sim, no universo infantil, arranjos sem sentido algum.
O primeiro lanche, juntos, no nosso apartamento ainda vazio, foi pão doce colegial com presunto e coca-cola gelada. Sentamos no chão da sala, imundos, depois de limparmos os cômodos empoeirados pela obra. Exaustos e felizes. Casávamos no dia seguinte. As mãos meladas de creme, o paladar equilibrado entre o sal e o açúcar. Com os pés embaralhados, recostados na parede, combinamos várias coisas: o lanche escolar do filho futuro, o menu das ceias de Natal enquanto a avó Getúlia fosse viva; um plano para atrair investidores para um negócio divertido: uma confeitaria com cardápio de pães elaborados por crianças.
Havia pouco no início da nossa vida em comum. Fizemos uma obra, tínhamos uma cama, montamos a cozinha. Nos meses seguintes, fomos comprando os móveis da casa. Mantivemos o hábito de tomar o café da manhã sentados no chão da sala nos fins de semana, como naquela noite. Amanhecidos e preguiçosos, traçávamos projetos sem ambição: escovar os dentes, ver um filme na TV, comprar um frango na padaria, rezar para o domingo passar lentamente. Encostávamos os ombros, apoiados um no outro, com os olhos na direção da rua, entre os goles de café.
Montamos a casa do nosso desejo: os objetos e tecidos certos sobre os móveis idealizados. Mas alguns sonhos não se realizaram. Livros se empilham no lugar reservado para o berço da criança. O casamento se aperta num 13×18 sobre a estante. Sentamos na mesa nova da varanda para o café nos fins de semana. Um de frente para o outro. Café, ovos e pão integral. A amplitude do horizonte diante de nós. Sinto falta do pão doce desde que cortamos o açúcar.
(Este texto foi originalmente publicado na página da Oficina Literária Eduardo Affonso )