Cintia sabe ser produtiva e competitiva. De tudo, dá conta. Trabalha além do horário do expediente. Dorme só quatro horas por noite. Foca, sempre, no urgente, delegando a outro, se necessário, o que deveria ser mais importante.
Aproveita o feriadão para por-se em dia, ao invés de seguir na direção do sol. Dispensa praia ou estrada. Mesmo o sol atravessando as cortinas da sala, transformada em escritório, e forçando sua luz pelas frestas, para dizer-lhe que a espera. Segue fazendo, porque ele pode esperar.
Apresenta bom desempenho por trabalhar rápido, entender rápido, produzir muito, ignorando a angústia dos requerimentos ou perdendo a paciência com quem pede de novo o que já foi negado.
Sempre dá conta. No fim do mês, bate as metas. No fim do ano, o tempo voou.
Se o dia não tem 28 horas, Cintia rouba algumas dos fins de semana. Se a família flui sem ela, pode atender a um chamado da rua. Se o dia estiver muito calmo, trata de preenchê-lo, adiantar-se.
Ela cumpre os prazos, tica as listas, equilibra as crises, os atritos, os desabafos e frustrações. Dos outros. Tenta confortá-los, dar-lhes direção. Mesmo sem ter quem o faça por ela. Não precisa. Pensa: “dou conta”.
Atravessa funerais, concentrada no trabalho para ajudar-se a superar a dor. Perde amores, que desconfiam ser o trabalho uma desculpa para afastar-se. Dispensa a companhia dos amigos que avançam a madrugada ébrios e gargalhantes. Precisa estar de pé, cedo, antes, a tempo.
Se der conta de dez, pode com vinte. Se der conta de vinte, pedem-lhe quarenta. E cumpre, segue, consegue. Exausta. Irritadiça. Sem dormir. Mal comendo. Sem ir embora quando a noite chega. Sem parar. Sem ouvir os silêncios.
Se os ouvisse, escutaria: “você não dá conta de nada”. Nem da ilusão que tem de si. Nem do controle sobre o futuro. Cintia aprenderia: a vida está no sono e no sol, no luto e no amor, na família, nos amigos e no ócio dos fins de semana. No trabalho, que alimenta o corpo e o espírito, sem escravizar a alma.
“Onde você está agora”, diriam, “não é o espaço a ser preenchido. Onde estiver seu coração, esse sim, é o seu lugar”.
Cintia ignora os silêncios. Chama de cansaço a tristeza do fim do dia. De insônia, o sono perturbado. Toma remédios. Adormece, com os ouvidos cobertos com os fones do ipod, escutando: “como destacar-se no mercado competitivo”.