– Você vai operar catarata, não vai?
– Não, vou pôr uma lente.
– Tá com vergonha de dizer que tem catarata? Medo de que te achem velha.? Mentira tem pena curta.
– Miopia, Marina. Ou astigmatismo, sei lá. Vou operar um desses. Quero deixar de usar óculos.
– Quando a história chegar no ouvido da Vivi… ela vai achar que você fez plástica e quis esconder.
– Não viaja!
– Quer casar um dinheiro? Cinquentinha?
– Não.
– Vivi é fofoqueira. Adora uma história, um boato.
– Vivi, né?
– Não tem nada demais dizer que vai operar catarata. Boato é pior.
– Eu não vou operar catarata!
– Não é possível que só eu esteja degenerando. Você é dois anos mais velha do que eu!
– E daí? Sempre me cuidei.
– Passa creme no olho? Protetor solar? Não tem como se cuidar pra catarata, não!
– Claro que tem.
– Ah, Marcia, vamos mudar de assunto. Já me irritei com essa falsidade.
– Não entendo como meus problemas médicos podem te afetar tanto.
– Não é o problema, é a mentira.
– Você insiste…
– Muito ruim envelhecer sozinha. Minhas amigas, com a mesma idade, não se degeneram? Só eu?
– Do que você está falando?
– Você namorando um cara dez anos mais novo e eu, com Aníbal.
– Não fala bobagem. Quisera eu ter uma relação tão companheira, de vida inteira, com um homem.
– Depois você dizendo que não usa botox.
– Mas não uso mesmo.
– A pele do papo esticada. Papo esticado sem botox nem fios de ouro? Não existe.
– Faço ginástica facial. Vou te mandar o link.
– Que link, Clarice? Eu tenho cara de quem faz ginástica facial? Botox mesmo! Quando não der mais conta, plástica. Nada de paliativo. Não tenho paciência.
– Então não reclama.
– Ah, tem outra: você dizendo que não entrou na menopausa. E a gente fingindo acreditar.
– Não entrei. Ainda menstruo todo mês.
– Todo mês, Clarice?
– Todo mês.
– Nem eu, nem Vivi, nem Carmem, nem Ana Maria, ninguém mais menstrua.
– Quer ver minha tabelinha?
– É muita derrota falsificar tabelinha, hein? A que ponto se chega!
– Desisto, Marina. Vem cá, você confirmou se vai ao show do Bruno?
– Ainda estou pensando.
– Sabe se tem lugar pra sentar?
– Já não aguenta horas em pé?
– Aguentar, eu aguento. Mas prefiro sentar e me levantar só na hora da música, da dança.
– Que dança?
– Você não dança?
– Eu assisto. Tem pista de dança?
– Pop rock, né? Deve ter.
– Eu não sei como você sabe essas coisas. O tempo não passa pra você.
– E eu não sei como você deixa o tempo passar. Sem prestar atenção.
– É ou não é catarata?
– Segredo?
– Prometo!
– Não é.
– Ah, Clarice!