Há dias, li uma crônica ótima do Eduardo Affonso para o blog da Lu Lacerda, em que se listavam as evidências do ser chique (*). Do lado de cá, resisti a assumir-me como deselegante, mas não me encaixei bem em nenhum dos itens da relação.
Pensei: “é, não sou mesmo mulher de muitos luxos”. Mas aí a mente funcionou a meu favor: a-há, ser chique não é a mesma coisa que ter luxo! E o conceito de luxo varia. Para muitos, pareia-se com o da riqueza. Ter um carro bacana, piscina de borda infinita, jóias caras, vestidos assinados por costureiros famosos, bolsa de grife, ser capa de revista, frequentar festas suntuosas, ir de helicóptero para o trabalho, coisas assim.
Para mim, não. O luxo está, exatamente, no poder de simplesmente ser, no despir-se dos pesos, na desatenção aos olhares que nos vestem e rotulam. Muita coisa considerada luxo, penso, até, ser sacrifício, como usar um scarpin Christian Louboutin de salto fino (ah, o prazer de uma sandalinha Usaflex!).
Com a correria dos dias, luxo é poder deitar-se com uma blusa velhinha. Nada de renda acolhe tão bem quanto uma malha quase transparente, de tantos os fios se esgarçarem discretamente.
Não ter hora para acordar também. Poder demorar-se na cama minutos ou horas só por preguiça, sem obrigar o corpo a encarar o cinza das horas, as poças de chuva ou os raios de sol. Deixar o corpo cansado da semana no seu tempo próprio, fazer nada, ler um livro ou assistir a um filme, sem precisar responder rapidamente a mensagens de texto.
Gastar o tempo numa conversa pós almoço de sábado, rasa, terna, só pra justificar a passagem das horas. Ou aproveitar o silêncio enquanto se lê o jornal ou se costura um botão, com os pés apoiados nas pernas do ser amado. Que luxo saber costurar um botão e comer o tempero de casa!
Sendo urbano, luxo é semear na varanda uma planta que floresce, outra que frutifica e, com isso, ganhar a atenção dos pássaros. Ouvir o som mínimo das folhas balançando ao vento. Molhar os vasos e sentir o cheiro de terra. Ter um portal para a natureza a um passo do piso de porcelanato.
Há quem odeie e há quem, como eu, ame andar descalça pela casa. E, no fim da noite, lavar os pés com água morna e, se for o caso (se o salto tiver sido alto, se a aula de sapateado tiver sido longa), massageá-lo com um creme refrescante. Luxo é dormir fresca, perfumada e aquecida, sonhando não ter hora para acordar. E, no banho, ter usado um sabonete de perfumaria e não de mercado, pelo prazer da espuma sedosa e do aroma discreto.
Talvez não haja luxo maior do que poder tocar o coração com a arte. Pintar, dançar, escrever reverberando sentimentos, fazendo conexões no mundo. Não mais o gesto narcisista de início, mas liberto, de quem se move pelo prazer do ofício.
Apaixonar-se é luxo desejado, sendo ou não chique (nas diferentes escalas semânticas de tais conceitos). Nem sempre é possível, nem sempre é hora, nem sempre pela pessoa certa. Mas luxo mesmo é entender que, mesmo quando não se tem alguém, é possível ter paixão. Pela vida, pelo trabalho, pelos sonhos, pelas amizades e, principalmente, por si próprio.
(*) A crônica de Eduardo Affonso mencionada no início do texto está no link: https://lulacerda.ig.com.br/2024/07/opiniao-por-eduardo-affonso-muito-chique/
DICA DA SEMANA:
Para quem gostaria de participar de uma Oficina Literária e treinar a escrita sobre o Amor, segundo o instrutor, “a mais ancestral das motivações literárias”, Luiz Antônio Aguiar (@luiz_antonio_aguiar) está convidando os interessados a embarcarem nessa experiência. A partir de textos a favor e contra o amor partirão as provocações dos 10 encontros de escrita, que ocorrerão às segundas-feiras, entre 12 de agosto e 21 de outubro, às 21 horas. As aulas são telepresenciais, ao vivo, mas com acesso posterior às gravações.
Para maiores informações ou inscrição, os interessados deverão enviar email para literaturadoencantamento@gmail.com.
Luiz Antônio Aguiar é jornalista, escritor premiadíssimo, e professor de literatura. Professor generoso, de quem já tive a honra de ser aluna algumas vezes (em algumas ótimas oficinas), e parceiro do nosso portal ArteCult.com.
SERVIÇO:
Exercícios de Criação Literária – 2024.2 – 18ª edição
Professor: Luiz Antonio Aguiar
Segundas-feiras, de 12/08 a 21/10/2024, de 19 às 21h.
Aulas on line, ao vivo.
Informações e inscrições: literaturadoencantamento@gmail.com
Nota:
O ArteCult teve dois ótimos encontros com o professor/escritor Luiz Antonio Aguiar.
No primeiro, comigo, o tema da conversa foi Machado de Assis:
O segundo foi uma participação no nosso AC Encontro Literários, capitaneado por Cesar Manzolillo, em que o escritor conversa sobre sua obra e carreira:
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo
Ana Lúcia Gosling utiliza-se de linguagem poética para descrever situações cotidianas e espontâneas que conciliam estética e bem-estar, sem superficialidade e teatralização da vida. Ótima crônica.
Que luxo de crônica! Clara, objetiva lírica, poderosa e simples, na sua humildade de grande literatura. Luxo é ler Ana Lúcia Gosling todas as quartas aqui no Portal ARTECULT.COM. Obrigado por tanta beleza! Abraços
Obrigada, Paulo e Tanussi pela generosidade do olhar! Muito fã de vocês. É uma alegria tê-los por perto.