Com Ana Lúcia Gosling

Foto: Marek Piwnicki, em Unsplash
O lançamento de “Libitina, elegias e alguns infortúnios” abraçou um dos nossos maiores tabus: a morte. Não bastou Jorge Ventura escrever um livro de minicontos sobre o tema. Sua provocação foi maior: Val Melo, parceira artística do autor, performou entre os leitores presentes, interpretando a própria Libitina, deusa da morte na mitologia romana. E houve mesa-redonda com o tema protagonizando o debate, numa abordagem literária (Cláudia Manzolillo), psicanalítica (Renata Quiroga) e como escolha de mote de um livro (Alexandre Brandão e o próprio autor).
Lendo a obra, percebe-se a exploração do conceito de forma ampla pelo autor. A morte fisiológica é apenas um entre tantos tipos abordados. Há, entre os personagens das curtas narrativas, quem morra de rir, quem viva morto por dentro, quem ofereça um olhar morto, sem espanto frente à brutalidade social. A morte surpreende o leitor, brotando do ponto menos óbvio da narrativa.

Foto: capa de “LIbitina, Elegias e alguns infortúnios”
O livro é trágico e irônico. Às vezes, o impacto é brutal. Em outras, acha-se graça nas peças da vida. Morte, assunto sério, não precisa ser sempre levado a sério, nos mostra o autor. A arte gráfica abraça o tema, compondo o ambiente por onde desfilam os textos. O formato é “pocket”, cabe na bolsa, uma escolha perfeita: se a carregamos no “bolso da calça” é por ser, próxima, morar na rotina diária e não no fim da existência.
Sobre as mortes em vida, minhas reflexões despertam na leitura. “Ano passado eu morri/mas esse ano não morro”, famosos versos de Belchior, aludem a elas. Àquelas vivenciadas nos momentos divisores de fases significativas. Nas escolhas que têm inerentes, paralelos e complementares, o semeio de um, a renúncia do outro. Crescer é condenar ao fim o que deixa de agregar valor. Viver, existir, amadurecer é um eterno aprender a renascer. De amores perdidos, de projetos fracassados, de ilusões frustradas, de ciclos que, simplesmente, se encerram para nascerem novos amores, projetos melhores, certezas potentes e novos ciclos.
Sou pessoa solar: amo dias claros, amanhecer de frente para a paisagem e, nesta primavera, estar cercada pelos cantos dos pássaros. Sou pessoa comprometida com viver. Já chorei (todos choramos, tanto, vida afora) mas não desaprendi a sorrir. Mesmo tentando manter a positividade em alta, apesar das mortes vivenciadas, continuo achando necessário falar do fim, pôr o dedo na ferida. Falando, enfraquecemos o medo, impedindo-o de escolher por nós lugares mais seguros, se lá não há realizações, ou sentimentos cômodos, se entre eles não está o amor.
Por que ser tabu quando se é companheira de vida? Uma pergunta retórica, claro. Sabemos a resposta. A morte e o luto são experiências adiadas até ser impossível evitá-las. Quando se concretizam, provocam sentimentos difíceis de serem absorvidos. Vestem-se com sofrimento e angústia. Mas não os afaste, se alguém os trouxer como assunto à mesa. O silêncio alimenta dores e nos condena a uma espécie de desamparo afetivo.
“Libitina”, o livro, nos provoca, convidando a chorar e rir diante do absurdo da existência. No mínimo, reflexões e uma boa conversa surgem daí. Chega-me num momento de aprendizado sobre o enfrentamento às rupturas, despedidas e lutos não metafóricos. Minha fé e minhas crenças pessoais não anulam a percepção de ser urgente, em vida, aprender sobre a morte. O entendimento real da nossa finitude é combustível para a inadiável busca pela realização pessoal. Desejar uma vida plena é meta suficientemente ambiciosa para não deixar de fora a compreensão de nenhum elemento da vida; inclusive, a morte.
DICAS DA SEMANA:

Foto: Divulgação
A Oficina Literária Eduardo Affonso abriu nova turma, às segundas-feiras, para alunos iniciantes.
As aulas começaram nesta semana (em 22/9) mas ainda restam poucas vagas na turma.
Informações e inscrições: oficina@eduardoaffonso.com.
Os encontros ocorrem uma vez na semana, na forma telepresencial, via Google Meet, e duram, em princípio, 90 minutos. Os temas semanais se apoiam em textos literários, com leitura prévia e discussão em aula, mas a criação é livre, a partir da proposta realizada. Além de uma análise individual oferecida pelo professor aos alunos (através de uma devolutiva por email), há o debate sobre os textos produzidos em sala de aula.
A Oficina se iniciou em 2020 e, hoje, possui turmas em diferentes estágios. Diversos ex-alunos e alunos, inclusive, publicaram seus primeiros livros.
Divulgar essa oficina é um testemunho de vida: lá exercito, desafio a desafio, o prazer de escrever crônicas de diferentes estilos e humores; lá renovo meu amor pelo gênero, ao lado de colegas talentosos, sob a abordagem edificante e generosa de Eduardo Affonso.
A Oficina possui páginas de publicação de textos de alunos nas redes sociais abaixo. Passem lá para conhecer a nossa produção:
Instagram: @nuvens.de.palavras
Facebook: Oficina Literária Eduardo Affonso ou direto no link https://www.facebook.com/profile.php?id=100063732512691
Eduardo Affonso é arquiteto, cronista, colunista do Jornal O Globo e da página de Lu Lacerda na Veja Rio.

Foto: Divulgação – IEL
E para quem é de poesia, a dica é a Oficina de Poesia a ser ministrada pelo poeta Nuno Rau, no Instituto Estação das Letras, entre outubro e dezembro.
Sintetizo a proposta do curso: trabalhar a poesia como espaço de possibilidades, explorada nas dimensões existencial, social, política e amorosa e considerando seus aspectos próprios: som, ritmo, métrica, imagens e metáforas. Nos encontros, haverá a proposta de trabalhos/poemas e o debate sobre a produção dos participantes, além de seleção de textos para leitura prévia.
Os encontros acontecerão entre 13/10 e 1/12/2025, às segundas-feiras, de 19 às 21 horas.
Informações e inscrições: https://estacaodasletras.com.br/oficina-de-poesia/
Nuno Rau é arquiteto, poeta, professor de história da arte, autor de livros e co-editor da revista mallarmargens.com.


Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo












