Maria Dolores Wanderley (@wanderleymariadolores) é romancista, poeta, contista e artista plástica. Nasceu em Natal (RN) e atualmente vive no Rio de Janeiro, onde trabalhou como professora de Geologia da UFRJ.
Confira abaixo a entrevista exclusiva que preparamos pra você.
ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?
Maria Dolores Wanderley: Minha mãe, que tocava piano, tinha um grande respeito e interesse pelas artes em geral. Nós não éramos uma família rica, mas ela comprava as coleções da literatura universal, literatura brasileira e outras coleções que eram editadas pela Abril Cultural e vendidas quinzenalmente nas bancas de jornais. Dessa maneira, entrei em contato com o que havia e ainda há de melhor na literatura até aquela época, a época da minha infância/adolescência. Bem posteriormente, já morando no Rio de Janeiro, para onde vim cursar a pós-graduação, por volta dos anos 1980 e 1990, tive contato com a programação de alto nível do Centro Cultural Banco do Brasil, com a literatura que se fazia à época no Brasil e com a boa literatura em geral.
AC: Como é sua rotina de escritora? Escreve todos os dias? Reescreve muito? Mostra para alguém durante o processo?
MDW: Além de escrever, eu faço desenhos em I-Pad, sendo assim, minha rotina também inclui desenhos e leitura. Com certeza, todos os dias eu desenho, mas nem todos os dias eu escrevo. Quando instigada por algum tema, posso entrar de cabeça em uma prosa de ficção e me demorar exclusivamente nela por meses. A poesia é mais rara na minha rotina atual. Quanto a reescrever, eu sou filha de oficinas de escrita, portanto, reescrever é uma prática sem a qual não concebo o poema, o conto, o romance. Quanto a mostrar meus escritos a alguém durante o processo, a pergunta já está respondida.
AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?
MDW: Eu diria que a minha motivação para a arte em geral vem de uma necessidade vital de expressão, de comunicação, de sair do isolamento. Isso vale tanto para a poesia quanto para os contos, romances e desenhos. Acho que a memória é a mãe da minha criação. Fazendo um retrospecto de tudo que fiz, escrevi ou desenhei, estão lá as experiências passadas desde a tenra infância até um acontecimento trivial do presente, incluindo leituras e filmes que não sei por qual razão nela ficaram impressas.
AC: O fantasma da página em branco: mito ou verdade? Isso acontece com você? Em caso afirmativo, o que faz para resolver esse problema?
MDW: Eu não escrevo profissionalmente, não sou pressionada a escrever, não tenho datas para concluir os meus escritos, entretanto o fantasma da página em branco aparece na minha luta por expressão. Aí declaro guerra ao fantasminha e foco toda energia no que estou fazendo, sejam poemas de amor, contos de ficção científica, romance ou desenhos. Dessa maneira, meio laissez faire, lancei diversos livros, sendo Bianca natividade o meu segundo romance e o mais recente. Além dele, publiquei os livros de poesia Rumores de azul (2001), Mar espesso (2003), A duna intacta (2006), Fragmentos de Maria (2009), Ao rés do chão (2013), Esperando a hora da Stella (2016), Poemas escolhidos (2020). Um ensaio fotográfico-poético sobre as formas (2010). O romance Baracho (2018). Os livros de contos Cosmocrunch (2014), Paralelo 5º (2015), Contos escolhidos (2020). Desenhos e escritos (2021).
AC: Um livro marcante. Por quê?
MDW: O Aleph, de Jorge Luís Borges, porque ele trata, entre outras coisas, do Tempo, um assunto com o qual trabalhei toda a minha vida profissional. Sou geóloga/paleontóloga e lidamos com a ideia do Tempo, fazemos datação de camadas geológicas. Nós medimos o Tempo, cujos vestígios estão nas rochas. Em O Aleph, a ideia de Tempo se confunde com a memória, ou seja, o Tempo acontece dentro da cabeça das pessoas, o que, aparentemente, vai contra a ideia de Tempo externo com a qual sempre lidei. Com o advento da pandemia, pude ter a percepção da ordem de sucessão dos acontecimentos e do movimento, inerentes ao conceito de Tempo de filósofos como Aristóteles e Hobbes, entretanto, durante a pandemia, o senso comum percebeu um quase colapso desse Tempo, como se ele não existisse. A prosa poética a seguir aborda uma sensação comum durante a pandemia: “O relógio na parede prossegue indiferente ao colapso do tempo ocorrido em todo o mundo durante esta pandemia. Tento segui-lo, os ponteiros seguem, mas o tempo não passa, é como se não mais existisse, o que embaça qualquer ideia de futuro. Por sorte percebo que vivo presa ao presente como sobrevivente que sou. Relógios, ampulhetas, estações, dias e noites não passam de sinais distantes destacados do tempo. Estou numa dimensão desconhecida. Agora não mais projeto meus desejos. Sonho, só durante o sono. No mais estou em vigília” (Wanderley, M.D. Desenhos e escritos, 2021). Em O Aleph, parece que isto também acontece. Estou lendo e relendo o livro para ver se é isso mesmo.
AC: Um escritor marcante. Por quê?
MDW: Além do Borges, o poeta Ferreira Gullar também aborda a ideia de um Tempo múltiplo e relativo de forma genial no Poema sujo: “É impossível dizer/em quantas velocidades diferentes/se move uma cidade/a cada instante/(sem falar nos mortos que voam para trás)/ou mesmo uma casa/onde a velocidade da cozinha/não é igual à velocidade da sala (aparentemente imóvel nos seus jarros de porcelana) nem à do quintal/escancarado às ventanias da época…. e que dizer das ruas/de tráfego intenso e da circulação do dinheiro/e das mercadorias/desigual segundo o bairro e a classe, e da rotação do capital/ mais lenta nos legumes/mais rápida no setor industrial, e/ da rotação do sono/sob a pele… além de outros temas”. Ferreira Gullar é um poeta visceral e isso me agrada.
AC: Na sua opinião, que característica um bom conto deve apresentar?
MDW: Alguém disse que, comparado ao romance, um bom conto vence o leitor por nocaute. Vencer o leitor seria fazê-lo virar a página e continuar lendo até o fim. O romance vence por pontos, ou seja, o leitor às vezes demora a virar algumas páginas, mas termina sendo vencido. Isso se dá talvez porque o romance admite erros de narrativa. O conto é mais exigente. A concisão seria um aspecto do conto. A revelação seria outro aspecto.
AC: Fale um pouco sobre Bianca natividade, seu mais recente lançamento literário.
MDW: Bianca natividade é o meu segundo romance. É uma ficção autobiográfica cujo personagem central é uma menina que nasce numa família quase desestruturada e tenta viver a vida dela o melhor que pode. A história pessoal tem como pano de fundo fatos da história do Brasil desde a era de Getúlio Vargas, passando pelo golpe militar de 1964 até os dias de hoje. A grande dificuldade da personagem que dá nome ao livro é enfrentar a loucura que está presente em toda a sua trajetória de vida.
AC: Projetos em andamento: o que vem por aí nos próximos meses?
MDW: Estou me aproximando de uma história fictícia que se dá entre migrantes brasileiros, mas acho que vai levar um bom tempo, não é para agora. Por agora, estou lendo a biografia de São Luís, de Jacques Le Goff.
AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?
MDW: Diria que mergulhem fundo naquilo que os incomoda, seja no plano individual ou social e se foquem nisso o quanto puderem, certamente virão à tona sensações guardadas na memória que podem ser trabalhadas. Tentem escrevê-las. Tenham à disposição bons livros e escrevam. Façam oficinas, assistam palestras com escritores e escrevam.
AC: Para encerrar, pediria que deixasse aqui uma amostra de seu trabalho como autora.
MDW: O pequeno trecho que segue é do meu mais recente livro Bianca natividade: “Concepción balançava freneticamente a perna direita cruzada sobre a esquerda, invertia o movimento balançando a perna esquerda sobre a direita. Bianca sabia o que prosseguiria ao gesto. A mãe ficaria as noites sem dormir tentando lavar a louça e arrumar a casa enquanto todos dormiam, depois ficaria agressiva com o pai até ser hospitalizada…. Os surtos da mãe eram semelhantes a uma bola de fogo se movendo pela casa, ninguém sabia como lidar, o que fazer.”
O projeto AC Encontros Literários venceu o troféu APPERJ (Associação Profissional de Poetas no Estado do Rio de Janeiro) 2021 na categoria Encontros Literários on-line.
Colunista do canal LITERATURA
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AC Encontros Literários tem curadoria e apresentação (lives) de César Manzolillo (@cesarmanzolillo).
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