CLAUFE RODRIGUES: O jornalista e poeta é o convidado do AC Encontros Literários desta semana

Claufe Rodrigues (@clauferodrigues) é escritor, jornalista, produtor cultural, compositor e dono de um currículo cheio de bons serviços prestados à Literatura Brasileira. Fez parte de grupos de poesia como Bandidos do Céu, Bazar dos Baratos, Ver o Verso e Os Camaleões. Também coordenou projetos literários, entre eles Saruê (Biblioteca Nacional), Poesia no Sesi-RJ, Expoética e Ponte Poética Rio-São Paulo. Dirigiu e apresentou o Palavrão, do Canal Brasil, o primeiro programa de TV exclusivamente dedicado à poesia. Foi ainda repórter e apresentador do GloboNews Literatura. Realizou documentários sobre importantes figuras literárias: Fernando Pessoa, Machado de Assis e Euclides da Cunha.

Confira a entrevista exclusiva que preparamos pra você.

 

ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?

Claufe Rodrigues: Pelos ouvidos. Era muito criança, ouvia aquelas letras afiadas dos ídolos da Jovem Guarda. Depois, vieram os poetas tropicalistas. Quando me tornei adolescente, lia tudo o que me caía às mãos: gibis, fotonovelas, revistas, jornais, livros.

AC: Como é sua rotina de escritor? Escreve todos os dias? Reescreve muito? Mostra para alguém durante o processo?

CR: Gosto de escrever pela manhã, no rastro dos sonhos. Mas na verdade escrevo o tempo todo, mentalmente. Às vezes interrompo o que estou fazendo  já parei o carro no acostamento algumas vezes pra não perder uma ideia ou verso. Reescrevo dezenas de vezes, especialmente prosa. Faço leituras em camadas, acrescentando paisagens, pensamentos, cores, luzes… Como escrevo do meio para as bordas, a última revisão é para dar ao leitor a impressão de que o livro foi escrito da primeira à última linha. Em geral, minha mulher, Mônica Montone, que também é escritora, lê em primeira mão e traz sempre boas sugestões.

 

O pó das palavras, livro de poemas de Claufe Rodrigues.

 

AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?

CR: De estar o tempo todo em estado de poesia, pronto para absorver acontecimentos, notícias, detalhes, aromas, etc., conectar tudo e transformar em matéria literária.

 

Cachorras, romance de Claufe Rodrigues.

 

AC: O fantasma da página em branco: mito ou verdade? Isso acontece com você? Em caso afirmativo, o que faz para resolver esse problema?

CR: Tive crises de criação até meu terceiro livro de poemas. O quarto foi um divisor de águas; nunca mais tive crise de criação. E, ao contrário, abri um leque imenso para prosa, ficção,  documentário, música. Foi como se minha poesia tivesse descido a cachoeira, rolado no rio e, finalmente, alcançado o mar.

 

O documentário Faz Sol lá sim, lançado no final de 2020, foi dirigido por Claufe Rodrigues.

 

AC: Um livro marcante. Por quê?

CR: Vários, todos pelo mesmo motivo: gosto de arte que desafia a inteligência, aguça a imaginação, diverte, encanta e emociona. Numa lista breve, entrariam Dom Quixote, O vermelho e o negro, O retrato de Dorian Gray, toda a obra do Dostoiévski, Maiakovski, Whitman, Jorge de Lima, Bandeira, Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner, John Fante e Raymond Chandler, entre muitos outros.

 

AC: Um escritor marcante. Por quê?

CR: Jorge de Lima, pela grandeza da obra.

 

AC: Você fez parte de grupos de poesia como Bandidos do CéuBazar dos BaratosVer o Verso Os camaleões, este com Pedro Bial e Luiz Petry. Como avalia essa experiência?

CR: Foi uma experiência de aprendizado e também de libertação. Trabalhar em grupo é um desafio constante e muito produtivo; você tem que se superar o tempo todo. É uma competição saudável, em geral consigo mesmo, para melhorar sempre. Por outro lado, os recitais me ajudaram a superar a extrema timidez que eu tinha até o início da minha vida adulta. Antes, nos recitais, eu não me divertia, era puro sofrimento. De uns 20 anos pra cá, passei a ficar à vontade no palco, mas mesmo hoje, passados 45 anos do primeiro recital, ainda sinto aquele frio na barriga antes de qualquer apresentação.

No bico do corvo, lançado pela editora Patuá, é o livro mais recente.

 

AC: Projetos em andamento: o que vem por aí nos próximos meses?

CR: Estou organizando uma festa literária na Ilha da Gigoia, onde eu moro, e quero publicar dois livros já escritos (o infantil Pipoca e Cafuné e o manual Aprendizado, sobre escrever romances). Além disso, estou desenvolvendo três novos livros (até um deles, ou um quarto, ganhar a dianteira).

AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles? 

CR: Ler muito, escrever muito e não esperar nada em troca.

 

AC:  Para encerrar, pediria que deixasse aqui uma amostra de seu trabalho como autor. 

 

CR: Um poema inédito:

O QUE É

Não é a lua
É o luar
Não é o olho
É o olhar
Não é a boca
E sim o beijo
Não é a flor
E sim o cheiro
Não é a coisa
Mas sua miragem
Não é o caminho
Mas a viagem

CLAUFE RODRIGUES (2022)

 

SOBREVIVENTES

Somos todos sobreviventes
Náufragos de auroras e poente
E depois de tantos estragos
Aqui estamos
Feridos, ilhados
Mas ainda temos a vida
Para trás e pela frente
Somos todos sobreviventes
Desde o primeiro ato
Muito antes do fato
De estarmos agora à deriva
Sobrevivemos à fase curumim
Sobrevivemos às épocas duras
Às ditaduras
Aos livros ruins
Sob o fino sol de abril
O taciturno gentio se espreme nas ruas
Carregando sobre as costas nuas
O peso de passados tão presentes
Uns carentes, outros contentes
Somos todos sobreviventes

CLAUFE RODRIGUES (Avdavida, ed. Coralina, 2021.)

 

Do alto da laje, a bela cidade parecia acolhedora, tranquila, pacífica. Equilibrando um amontoado de barracos de madeira e casas de alvenaria, a fralda do morro se espraiava ao longo da encosta até o quebra-mar. Além, uma sólida extensão de areia sustentava o peso de duas tonalidades de azul – a marítima e a celestial. Ao redor, a favela fervia: os meninos brincavam de pular esgoto; as meninas ensaiavam passos de funk pelas vielas; os adolescentes viviam perigosamente pelas bocas e becos; os desocupados bebiam nas biroscas; as mulheres subiam e desciam as ladeiras carregando bolsas, baldes d’água ou filhos recém-nascidos encangados ao peito. Àquela hora, todo mundo saía de casa – para quem divide um calorento barraco com outras pessoas, rua é libertação.
Mas Annira não convidara a Luddy pra admirar a paisagem. Tinha 20 mil na conta e queria abrir um negócio na favela.

Trecho do episódio As amigas, do livro No bico do corvo, de Claufe Rodrigues (ed. Patuá, 2021)

 

 

Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de vinte e quatro antologias literárias. Autor do livro de contos A angústia e outros presságios funestos (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos.

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