Uma vida plena de experiências e talento: ANA MARIA MACHADO é a convidada da vez do AC Encontros Literários

 

De novo (olha que já estamos ficando mal-acostumados), nós, aqui do canal Literatura, decidimos dar uma passada lá pelos lados da Academia Brasileira de Letras. Desta vez, Ana Maria Machado, que está lançando a coletânea de contos Vestígios (Alfaguara, 2021), é quem conversa com a gente.

Confira abaixo a entrevista exclusiva.

1. ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?

A escritora Ana Maria Machado. Foto: Arquivo pessoal.

Ana Maria Machado: Antes de mais nada, a literatura entrou em minha vida pelos ouvidos, como literatura oral, desde pequena. Sempre me contaram histórias. Além disso, numa família de professores, com um pai jornalista e uma mãe que trabalhara em biblioteca, a valorização dos livros sempre esteve muito presente. Estudei em escola pública e tive ótimos professores, que me abriram as portas da literatura – em suas aulas e nas indicações de leitura. Fui estudar Letras e trabalhei em jornal desde cedo, escrevendo sempre, enquanto ainda estava na faculdade. Meu primeiro livro publicado, em 1976, Recado do nome (leitura de Guimarães Rosa à luz do nome de seus personagens), foi um ensaio, resultado de minha pesquisa de doutoramento. Mas, paralelamente, já estava publicando histórias infantis na revista Recreio. O primeiro prêmio que ganhei, o João de Barro, em 1977, veio consolidar esse caminho e me incentivar a prosseguir.

2. ACEm 2003, você tomou posse na Academia Brasileira de Letras, tendo presidido a instituição no biênio 2012-2013. Fale um pouco dessa experiência.

ABL – Academia Brasileira de Letras. Foto: Reprodução internet.

AMM: O fato de ter sido eleita por meus pares na Academia Brasileira de Letras para ocupar a presidência da instituição no biênio 2012-2013 me permitiu dar andamento a alguns projetos em que acreditava e me pareciam importantes para a cultura brasileira, dentro do que estava a meu alcance tentar. No âmbito interno, pude atuar na irradiação da presença da Casa de Machado de Assis junto à sociedade. Assim, desenvolvemos um programa “Livros à Mão-Cheia”, com parcerias diversas. Uma delas foi com a FLUPP (Festa Literária das UPPS e das Periferias), em que acadêmicos fizeram palestras em comunidades. Outra, “Nas Trilhas da Literatura”, foi com a FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil), a FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) e o SESI, para consultoria na instalação e manutenção de bibliotecas comunitárias, ocasião em que a Academia realizou, em nossa sede, dois cursos de um semestre cada, para formação de auxiliares de bibliotecários, capacitando 98 profissionais oriundos das comunidades. Também se iniciou, nesse momento, um projeto que segue até hoje, “Leitura em Presídios”, e outro, “Mutirão na Escola”, em parceria com o Corpo de Fuzileiros Navais, para reforma de instalações nas escolas públicas. Nas comemorações do sesquicentenário de nascimento de Raul Pompeia e do centenário de morte de Aluísio Azevedo, distribuímos exemplares de suas obras em quadrinhos (O ateneu e O cortiço, respectivamente) em escolas da periferia e organizamos uma exposição na estação do teleférico do Complexo do Alemão, refletindo sobre questões levantadas nesses livros – Educação para todos e Habitação popular. Paralelamente, no campo internacional, em minha gestão, fiz um programa que abrangia alguns convênios com universidades estrangeiras, procurando estimular estudos sobre as obras de nossos autores.

Vestígios, coletânea de contos lançada em 2021, é o livro mais recente da autora. Foto: Divulgação.

3. ACRecentemente, você lançou, pela Alfaguara, a coletânea de contos Vestígios. De que trata o livro e como surgiu a ideia para escrevê-lo?

A ideia surgiu quando, após publicar dez romances com a editora Companhia das Letras, numa conversa em que os editores dessa minha ficção para adultos me pediam um original novo, me dei conta de que estava na hora de reunir, em um único volume, vários dos contos que eu vinha escrevendo havia vários anos e continuavam inéditos. Tratei então de selecioná-los, seguindo um fio condutor que lhes desse unidade, em sua maioria. No caso, esse fio foi o fato de que, em todos eles, há uma persistência da memória. Ou se percebe uma marca que foi deixada por fatos anteriores, se faz um relato da consequência de algo tênue, quase perdido no tempo. Daí o título, Vestígios, com que os reuni.

4. AC: Você é formada em Letras Neolatinas e deu aulas na UFRJ e na PUC-Rio. Seu lado
acadêmico se harmoniza ou se choca com seu lado escritora? 

AMM: Imagino que deve se harmonizar. Afinal, como nos lembra o verso de Drummond, “de tudo fica um pouco”. E tenho certeza de que tudo que vivi e experimentei deixa marcas no que escrevo. Mas não creio que haja uma influência consciente na partida, nunca me percebo usando um modelo teórico prévio para escrever algo. Evidentemente, o fato de ter, quase como segunda natureza, o hábito de fazer uma leitura crítica dos textos faz com que isso se aplique também ao que já escrevi. Ou seja, quando estou escrevendo, minha releitura do que faço é muito rigorosa, responsável por um verdadeiro trabalho braçal muito exigente nos meus originais. Corto, corrijo, mudo, deixo descansar, modifico, acrescento, jogo fora, elimino…

5. AC: Você lecionou também na Sorbonne (Paris) e na Universidade de Berkeley (Califórnia). Como recorda esse período?

AMM: Minhas experiências dando aulas em universidades estrangeiras foram diferentes e deixaram marcas distintas. Na Sorbonne, em 1970-1971, dei aula de Língua Portuguesa, como auxiliar do professor Celso Cunha. Foi algo muito distante – era um laboratório de línguas, eu ficava às voltas com gravadores, fitas e cabines, cada aluno em um nível diferente de aprendizado, não cheguei a desenvolver um projeto próprio, eu me sentia apenas um elemento técnico. Já em Berkeley, em 1999, fiquei um semestre inteiro, com duas turmas de alunos com quem tinha interação direta, em dois cursos diferentes. Partíamos da literatura para um olhar mais abrangente sobre cultura brasileira. Foi muito enriquecedor para mim e para eles – que foram muito entusiasmados e carinhosos, fizeram questão de confraternizar comigo fora das aulas, o que é bastante raro em universidades americanas. Muito semelhante, ainda que mais contida em termos afetivos, foi a experiência de ocupar a cátedra Machado de Assis em Oxford em 2005, ocasião em que fiz algumas boas amizades que duram até hoje. Desse curso resultou meu livro Romântico, sedutor e anarquista: como e por que ler Jorge Amado hoje.

6. AC: Escritora, professora, jornalista, editora, proprietária de livraria… ainda pretende realizar alguma coisa que não tenha feito até agora?

AMM: A esta altura, completando 80 anos este ano, a única pretensão que arrisco ter é o sonho de viver com saúde com quem amo. E torcer para o país melhorar.

Ana Maria Machado é membro da Academia Brasileira de Letras. Foto: Arquivo pessoal.

7. AC: Você recebeu três prêmios Jabuti e vários outros, tanto no Brasil quanto no exterior. Em que medida todo esse reconhecimento por parte da crítica ajuda na conquista de leitores?

AMM: Para um escritor, o reconhecimento por meio dos prêmios é muito bom,  fundamental mesmo, já que ele acena com uma certa legitimidade literária.  Sobretudo quando esses prêmios se somam e multiplicam,  vindos de instâncias diferentes, com júris diversos, em vários momentos, contextos e países. Afinal, se trata de uma carreira em que não há exames legitimadores, tipo diplomas, prova da OAB para advogados ou registro no CRM para médicos. Os muitos prêmios dão uma certa visibilidade. Mas também atraem muita inveja, rasteiras e boicotes. Não creio que os prêmios sejam muito importantes na conquista de leitores. Para isso, vale mais a visibilidade trazida por resenhas, recomendação de amigos, editoras poderosas com departamentos de marketing que conseguem que as livrarias e as redes sociais deixem aquele título em foco.

8. AC: Muitos de seus livros foram lançados em outros países. Que tal os leitores estrangeiros? Um carinho especial por algum país em particular?

AMM: É muito difícil generalizar. Cada leitor é diferente, cada país tem seu próprio universo de leitores. Mas eu diria que, em minha experiência, talvez os leitores latino-americanos em geral me sintam mais próxima deles – no caso dos livros infantis. E os leitores franceses têm sido mais abertos e sensíveis a minha ficção para adultos.

9. AC: Ensaio, romance, literatura infantojuvenil e poesia. Algum outro gênero a ser explorado no futuro?

AMM: [Nota: Ver resposta dada à pergunta 6.]

10. AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?

AMM: Se deseja escrever, trate de escrever. Não adie, não deixe para amanhã o que pode fazer hoje. Procure ter método e disciplina, dê um jeito de ter uma rotina, escreva sempre. Para se aperfeiçoar e adquirir domínio sobre o ofício – como músico que todo dia estuda e toca escalas, ou como atleta que precisa fazer exercícios diariamente. Não tenha pressa nenhuma em publicar. Aquela coisa que o Drummond ensinou: “Não forces o poema a desprender-se do limbo”.
Alias, acho que a maior recomendação seria : encontre esse poema dele (“Procura da poesia”), leia, releia, assimile e siga religiosamente. Não conheço melhor conselho ou dica.

 

Ana Maria Machado é escritora. Foto: Arquivo pessoal.

Leia abaixo um trecho do conto “Estações”, que faz parte do livro Vestígios.

Mal conteve uma exclamação de surpresa ao abrir a porta. O homem alto e de ombros largos que estava à sua frente, vestido num sobretudo e de chapéu na cabeça, pouco lembrava o rapazola ainda desengonçado de que se despedira no aeroporto de outro país havia poucos meses. Com um nó na garganta, abriu os braços para acolhê-lo:
— Meu filho!
Inexplicavelmente emocionado, achou que tinha de dizer mais alguma coisa para disfarçar, enquanto prolongava o abraço e se sentia acolhido pelo calor daquele corpo, pela primeira vez maior que o seu.
— Puxa! Como você demorou! Eu estava começando a ficar preocupado…
O rapaz já se desembaraçava de seus braços, pegava a maleta que depositara no chão para bater à porta e entrava com ela no quarto do hotel, enquanto explicava que o avião atrasara e a fila do táxi no aeroporto estava imensa. Ao tirar o sobretudo, não o jogou de qualquer jeito em qualquer lugar, como certamente faria alguns meses antes. Procurou um cabide para pendurar o casaco, após depositar o chapéu sobre a cômoda. Só então se deixou despencar na poltrona, esticou as pernas e botou os pés ainda calçados em cima da mesinha com a inimaginável atenção de antes proteger a madeira com uma revista. E então suspirou:
— Que bom estar aqui com você! Eu estava morrendo de saudades.Ainda bem que a gente conseguiu fazer essa loucura…

E ATENÇÃO! ACOMPANHE, EM NOSSO CANAL DO YOUTUBE, A LIVE COM A ESCRITORA ANA MARIA MACHADO. SÁBADO, 23/10 ÀS 16:00.

Confira, no vídeo abaixo, o poema “Procura da poesia”, citado por Ana Maria Machado: 

 

SERVIÇO

VESTÍGIOS

 

 

Até a próxima!

César Manzolillo – Colunista do canal LITERATURA

 

 

 

 

 

 

 

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Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de vinte e quatro antologias literárias. Autor do livro de contos A angústia e outros presságios funestos (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos.

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