A inevitabilidade da Dor

Coluna de Márcio Calixto

A inevitabilidade da Dor – ArteCult/CoPilot Designer

A inevitabilidade da Dor

 

Em minha primeira crônica do ano escrevi sobre o que se esperar pelo meu 2025. Há tempos queria escrever sobre a citação que tenho na porta de meu apartamento, escrita por Drummond. No processo de escrita daquela que intitulei como primeira crônica de 2025, muito me veio uma leitura que fiz há muito tempo de um livro de Oscar Wilde, “De profundis”. Não preciso apresentar Oscar Wilde, particularmente sempre achei que ele tivesse o sobrenome mais coerente para sua escrita (Wild, selvagem, em inglês). Sua selvageria me comoveu quando iniciava na carreira de leitor voraz. De Profundis me consumiu. Li duas traduções. Li o original. A tradução de 1955, feita pelo Clube do Livro era fantástica. Sinérgica.

Depois que escrevi a primeira crônica do ano, um sentimento de escrita estava reprimido, queria porque queria escrever constantemente, mas afazeres de fim e início de ano me atordoavam. Ao mesmo tempo, séries que eu queria ver somado ao Playstation me tomavam pela mão como uma criança que ainda não sabe atravessar a rua. O caderninho parecia esquecido. As canetas pululavam de saudade. Hoje, quando as peguei, fiquei com receio de sua morte, talvez estivessem secas. Pois bem, não estavam. Com a escrita de minha última crônica, veio-me o sentimento de De Profundis.

Wilde inicia seu livro com reticências. Clarice iniciou livro com vírgula. Quando escrevi meu primeiro romance, toda vez que escrevia algo sobre o personagem principal, eu terminava os parágrafos com vírgula. Nesse estilismo se faz literatura (abrem-se parênteses para a minha petulância).

Oscar inicia assim a obra: “… sofrer é um instante de longa duração”. A psicanálise coloca o ser humano como produto de suas idiossincrasias. Essas mesmas, que movem nossa dor e sono. E vida, e desejo, e tudo mais afim… Prefiro não ficar tergiversando sobre, pois me faltam uísque e charuto agora. Olha que essa é a tônica dessa coluna que escrevo para o ArteCult, tergiversar às terças, tergiterçar. Ao mesmo tempo me vem a palavra esterçar. Quando penso em tergiterçar, penso nela. Seu sentido é ambíguo, pois vem de movimento e ao mesmo tempo adubar. Sentimentalmente são sinonímicas. Literariamente são até mais.

A história desse livro do Wilde comigo alguns até sabem. A pessoa que inspirou meu primeiro romance publicado me emprestou o livro, pediu para que eu o lesse, pois queria discuti-lo comigo. Entre eu o ler e termos a bendita discussão, essa pessoa morreu. Não sei até hoje o que ele queria dialogar. Muito já imaginei o que poderia ser. Ficaram as reticências. Elas traduzem a inevitabilidade da dor que hoje trago à discussão. Bem, discussão não é a palavra correta, o certo é reflexão. Crônica é para isso, para aquilo que é crônico, cronologicamente crônico, doído e doido.

Move-me o sentimento que tenho depois de iniciar a leitura do livro de crônicas de Olavo Bilac. Penso nesse molde de texto como algo que deve ser breve, não como macarrão instantâneo, mas breve, como abrir um pacote de biscoito em frente à TV. Porém, eram crônicas longas, pulsantes, que exigiam mais do que um café no fim da tarde. Eu amei. Nova dor. Li o livro – parte dele – na Biblioteca da Prefeitura. Preciso voltar lá e terminar de lê-lo. Todo início de ano eu releio Via Láctea, de sua autoria. Ainda não o iniciei este ano, será que vale eu trocar para ler seu livro de crônicas?

Drummond de novo certo. A dor é inevitável.

O sofrimento é opcional…

 

MÁRCIO CALIXTO
Professor e Escritor

Márcio Calixto. Foto: Divulgação.



Coluna de Márcio Calixto

 

 

Author

Professor e escritor. Lançou em 2013 seu primeiro romance, A Árvore que Chora Milagres, pela editora Multifoco. Participou do grupo literário Bagatelas, responsável por uma revolução na internet na primeira década do século XXI, e das oficinas literárias de Antônio Torres na UERJ, com quem aprendeu a arte de “rabiscar papel”. Criou junto com amigos da faculdade o Trema Literatura. Tem como prática cotidiana escrever uma página e ler dez. Pai de 3 filhos, convicto carioca suburbano bibliófilo residente em Jacarepaguá. Um subúrbio de samba, blues e Heavy Metal. Foi primeiro do desenho e agora é das palavras, com as quais gosta de pintar histórias.

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