“Casa de 200 metros quadrados de área construída. 130 metros quadrados de terreno. 4 quartos. 3 banheiros. 1 suíte. 3 vagas. Aceita pet”.
O corretor entra na casa com os clientes, abre as portas, aponta os cômodos: “aqui é a suíte”; “os quartos são espaçosos”. Entedia-me ouvir seu arsenal de obviedades. Não interfiro, com medo de atrapalhar a venda. Cliente precisa de liberdade para barganhar, apontar defeitos e ouvir as soluções.
O corretor pensa em liquidez de venda e preço de mercado. Se há obra a ser feita, se consertaram o vazamento e se pode “pet”. Tem a alma pragmática e aborrecida, embora finja sorrisos.
Não é preciso romantizar a visita, narrando as lembranças vivas em cada canto percorrido. Mas eu apontaria os sonhos potentes, guardados entre as quatro paredes. Uma entrada independente para o quarto do canto. Aumentar a lavanderia para fazer um estúdio. Trocar o carpete por sinteco e o vidro da sala por um vitral. Os planos idealizados servem de herança até para desconhecidos.
Se fosse eu a mostrar a casa, diria para perdoarem a rachadura no piso do quintal. Troca-se meia dúzia de pisos mas onde se permite às crianças verem as cigarras saírem do solo das árvores ou tomarem banho de borracha ao ar livre?
Diria para não se importarem com o piso desbotado mas admirarem ele ser de tábua corrida. Conheço o som que fazem, sobre ele, os sapatos de um pai chegando da rua e a corrida de uma criança descalça, ao seu encontro. É melodia única, só ouvida naquela sala, em nenhuma outra mais, sempre cercada de risos.
Abriria as grades das janelas. É linda a casa invadida pelo exterior. As árvores emolduram as fotos contra a luz. O hall do andar superior se ilumina. O cheiro da chuva perfuma todos os ambientes. Há trincos para prenderem-se as venezianas largas de madeira, não permitindo ao vento batê-las.
Diria: “sente-se na varanda”. Impossível não notar a alegria discreta espalhada ao redor. As crianças, a caminho da escola, falantes, de mãos dadas com as mães. Os carros freando para dar passagem, fazendo a vida parecer dança: primeiro você, depois eu vou. Os varredores limpando as ruas que, amanhã, novas folhas cobrirão. Alguns param, às vezes pedem um copo de água e contam que o dia está quente, a chuva chegará, compartilhando uma verdade inquestionável. Há, ainda, a companhia dos micos, que pulam das árvores para os fios e, de novo, para a árvore. Algumas mães pegam seus filhotes nos braços, quando caem no seu quintal. Além deles, os passarinhos e a sinfonia da manhã. O dia mal raiado e já se ouvem, bem próximos. Porque toda a casa se abre na direção das árvores e, para onde olhar-se, a vida será verde e, por isso, é certo: tudo ficará bem.
Uma casa não é sinteco nem pintura. Pintura rachada ou porcelana moderna. Espaços se somam ou se dividem. Os embutidos podem ou não ser substituídos. Uma casa é uma possibilidade de sonhos. Almeja ser um lar.
Essa é a casa que vendo, torcendo para alguém desejar comprá-la.